01.11.2020 | 08h:30

TIROTEIO E MORTE


"Prefiro velório de traficante do que de policial", diz Bustamante

Secretário Alexandre Bustamante afirma que o crime organizado está acuado em Mato Grosso

MidiaNews

O Secretário de Segurança Pública do Estado de Mato Grosso, Alexandre Bustamante

O secretário de Segurança Pública, Alexandre Bustamante, negou haver excessos nas ações das forças policiais do Estado em confronto com suspeitos de crime. Ele afirmou que os conflitos são exceção, mas quando acontecem, policiais precisam se sobressair. 

 

Segundo o Anuário de Segurança Pública, mortes por policiais cresceram 85,7% no Estado, em comparação com o mesmo período do ano passado. Nesta semana, mais quatro suspeitos morreram em confronto com a Força Tática.

 

Em conversa com o MidiaNews, ele atribuiu o aumento ao bom treinamento dos agentes e afirmou que sem confrontos, crime pode piorar no Estado. 

 

O secretário disse, ainda, que a ressocialização dos presos é fundamental para a sociedade, mas argumentou que ainda não estamos preparados para reinseri-los no mercado de trabalho. 

 

Ele também foi questionado sobre o aumento nos casos de feminicídio em Mato Grosso, que quase duplicaram, conforme o anuário. Bustamante alegou que o contexto da pandemia é o principal fator para o crescimento e disse que só será possível fazer uma comparação mais justa em um ano menos atípico. 

 

Confira os prinicpais trechos da entrevista:

 

MidiaNews – Sentiu muita diferença nos trabalhos do ano passado para este ano, com a pandemia?

 

Alexandre Bustamante – Não. O novo normal impõe coisas novas, necessárias e importantes, até para a gente sobreviver. O mundo está diferente. Mas na nossa segurança pública, muito pouco mudou. A polícia está na rua investigando normalmente, o bombeiro está apagando o fogo e salvando vidas e a Politec continua fazendo as perícias.

 

Inclusive, nós tivemos aumento das nossas atividades esse ano. O impacto mesmo foi na quantidade de pessoas com licença médica e que foram a óbito. Mas, no geral, nossa atividade está normal e cada vez mais intensa. 

 

MidiaNews - O número de mortes em intervenções policiais aumentou 85,7% no primeiro semestre na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo o Anuário de Segurança Pública. Não acha que pode estar havendo exagero nas intervenções? A que se deve esse aumento?

 

Alexandre Bustamante – A gente tem que olhar para todos os fatores que influenciam isso. Quando eu falo que o Grupo Especial de Fronteira (Gefron) fez apreensão de 14 toneladas de drogas, quando eu falo que o Centro Integrado de Operações Aéreas (Ciopaer) apreendeu seis aeronaves, quando eu falo que a gente está enfrentando mais de cinco anos sem assalto a bancos, quando eu falo que no estado de Mato Grosso a corrupção tem diminuído, tudo isso é um trabalho forte da Segurança Pública. Quando a gente faz intervenção na Penitenciária Central do Estado (PCE), separando lideranças, a gente mostra que a gente tem força dentro dos presídios. Quando a gente faz todo esse trabalho, a gente percebe que o crime organizado tem perdido espaço. 

O crime organizado tem perdido força

 

E é aquele ditado: “Uma onça acuada fica mais violenta”. É a mesma coisa com o crime organizado. O crime organizado está passando por um período em Mato Grosso de necessidade de reação à ação da polícia.

 

A polícia do Estado de Mato Grosso entende que eles têm que fazer a defesa de si próprios. Quando há confrontos entre bandidos e policiais, eu prefiro preservar a vida do policial que protege a sociedade. Eu prefiro velório de um traficante do que velório de um policial.

 

Quando a gente fala em confronto, a gente tem que entender que não é um atirando no outro, mas um revidando a atividade do outro. Quando a polícia chega em uma atividade dessas, ela nunca atira primeiro. Se ela atira primeiro, ela erra e precisa responder na Justiça por isso. Mas se o bandido atirar na polícia, muito provavelmente ele vai morrer. Se não tomar cuidado, a polícia sempre vai ganhar do bandido. Estamos muito bem preparados e armados com equipamentos de qualidade. Então nestes confrontos, os bandidos têm levado a pior. 

Se o bandido atirar na polícia, muito provavelmente ele vai morrer



MidiaNews – Mas estamos falando de um aumento de mais de 85%. Quase duplicou. Não acha que o cenário deveria ser outro justamente pelo fato de os policiais estarem muito bem treinados?

 

Alexandre Bustamante – Não, não. Eles estão preservando a vida deles. Essa história de que o policial tem que ser ferido antes dos bandidos não existe. “Ah, mas espera atirar para depois confrontar”. Isso não existe. Se vier tiro de lá pra cá, vai bala de cá pra lá. 

 

Por que eu falo isso? Porque não tem lógica essa história da polícia esperar o bandido atirar primeiro. Não existe. Vai morrer policial. O confronto se justifica só depois da morte do policial? Eu acho que não. O confronto se justifica na possibilidade do policial ser ferido.

 

Eu vou te fazer uma pergunta. Quantos policiais morreram nesses confrontos? Ninguém está preocupado com o policial que morreu em confronto. A gente preocupa com o bandido que morreu. 

 

Eu sou policial. Eu entrei na polícia em 1987. Já toquei muito tiro na vida, fiz duas incursões em morros no Rio de Janeiro. Então, muitas vezes eu entendo o policial que está em confronto. Trabalhei muito tempo na fronteira. São segundos para você definir se você morre ou se você vive. E tem um ditado popular: “Melhor julgado por oito do que carregado por seis”. É melhor você estar vivo para ser julgado do que carregado em um caixão. 

 

O trabalho da polícia é pró-sociedade. Por que a polícia está trocando tiros? Era muito mais fácil para a polícia deixar o bandido passar ao invés de trocar tiro. Era muito mais fácil para a polícia deixar passar 14 toneladas de droga ao invés de fazer confronto na fronteira. 

 

E qual o estrago seria feito no Brasil? Qual o estrago seria feito na sociedade brasileira? Se não tivermos confrontos, se a polícia recuar, o crime vai crescer. 

 

“Ah mas a polícia tem como fazer sem confronto”. Tem, sim. Sabe por que tem? Porque fazemos mais de duas mil abordagens por dia e não temos essa quantidade de confrontos. Ou seja, a quantidade de confrontos em relação às abordagens é praticamente insignificante. É quase zero. Na verdade, é muito menor que zero.

 

MidiaNews – A resposta policial nos confrontos é atirar?

 

Alexandre Bustamante  Não, pelo contrário. Não tem resposta de atirar. O confronto é a exceção. A atividade de polícia não é de confronto. Mas quando tiver confronto, a polícia tem que se sobressair, porque se não ela vai morrer.

 

MidiaNews – As alegações de que pode ter havido execução tanto nas ações do Bope, em Cuiabá, quanto nas do Gefron, na fronteira, onde houve mortes, não se sustentam?

 

Alexandre Bustamante  As investigações estão ocorrendo. Se houve excesso, serão punidos. Porque com certeza a polícia é punida quando há excesso. Como em qualquer outro incidente, a perícia é feita, as armas são recolhidas, o Ministério Público faz a denúncia e o juiz verifica se houve excesso ou não. 

 

Mas a atividade de polícia é arriscada. Vamos começar pelo Bope. A operação do Bope fez a abordagem de dois carros blindados com pessoas com larga ficha de passagem policial. Todos estavam armados e nenhum tinha permissão para porte de armas. O que eles iam fazer? Ir para o baile funk? Igreja? Festa de família? Não. Trocaram tiros com a polícia. Morreram bandidos e nenhum policial. Que culpa a polícia tem se está bem preparada e bem treinada?

Que culpa a polícia tem se está bem preparada e bem treinada?

 

Vamos fazer o seguinte, eu vou te convidar para passar 15 dias na fronteira com minha equipe do Gefron. Sem colete. Meu Gefron vai estar com colete, porque de vez em quando a bala pega no colete. Você vai trabalhar na fronteira sem arma e sem colete, mas fardado de polícia. Você quer?

 

Na fronteira, se é traficante é traficante, independente de ser japonês, moreno, preto, branco, pardo, de origem boliviana ou brasileira. Nós não podemos separar o pobre traficante chiquitano dos outros. Eles estavam com 500 quilos de droga. “Coitadinho”. Ele confrontou o Gefron, atirou no Gefron 

 

“Ah porque são chiquitanos. São índios, bolivianos e brasileiros”. O pessoal dos Direitos Humanos disse que voltou ao local da troca de tiros e achou um tatu morto. Eles acreditam que eles estavam caçando tatu. Mas e os 500 kg de drogas que estavam com eles? Acham que não era deles. Mas de onde a polícia ia tirar essa quantidade de drogas?

 

O confronto é a última alternativa da segurança pública. Volto a dizer que eu entendo o confronto, mas eu prefiro que o meu policial não morra, porque ele representa a sociedade e o Estado. Enquanto o bandido, que está carregando aquela cocaína, ele corre o risco e o risco aumenta quando ele atira na polícia.

 

Quantas pessoas foram presas em fronteira? Quantas pessoas vieram a óbito? A quantidade de pessoas presas vivas é muito maior. Agora, a quantidade de pessoas que morrem em confronto é grande.

 

MidiaNews – Em junho, quatro morreram em confronto. Em julho, seis morreram. Em setembro, mais quatro. Quase um confronto por mês...

 

Alexandre Bustamante  Temos problemas, sim. E quem exceder as regras da Justiça vai responder. Quem erra, pode ser preso, perder o emprego e cumprir pena. 

 

Nossa condição de vida só vai melhorar se a gente tiver um estado melhor e parar de se preocupar muito com o réu e se preocupar mais com a vítima. A vítima é quem mais padece nisso tudo. 

 

Todo mundo se preocupa com os parentes do bandido. Mas não vão na casa do policial que morreu. Claro que quem morre em confronto é filho de alguém, pai de alguém, marido de alguém, esposa de alguém. Família não tem nada a ver com isso. Mas quando a pessoa assume esse risco de participar de organizações criminosas, especialmente de tráfico de drogas, de roubo, ela sabe que pode morrer. É o risco.

 

A polícia atira, quem mata é Deus. Já vi gente tomar 50 tiros e não morrer.

A polícia atira, quem mata é Deus. Já vi gente tomar 50 tiros e não morrer.

 

As perícias estão demonstrando que esses confrontos que estamos tendo não foram execução. A polícia está de colete, os bandidos não. A gente está preparado, equipado com armamento melhor e treinado. O bandido não tem nem tempo de treinar. 

 

MidiaNews – O senhor não acredita na reinserção do preso na sociedade?

 

Alexandre Bustamante – Sim. Sem dúvidas. Eu tenho que acreditar na ressocialização, porque no Brasil não tem prisão de morte e não tem prisão perpétua. Ele tem que voltar para a sociedade e nós da sociedade não estamos preparados para receber essa pessoa. O dono da empresa pede a certidão negativa e aparece lá que foi condenado e cumpriu pena. Ele não entra no emprego. Não contratam. E o que sobra de alternativa para essa pessoa? O crime. 

 

O Governo do Estado está fazendo uma política de dar emprego para os egressos do sistema prisional. Até concurso público. Eu acredito que nós vamos fazer uma revolução no sistema prisional no Mato Grosso.

 

MidiaNews – Vai dar tempo?

 

Alaxandre Bustamante – Enquanto uma penitenciária demora alguns anos, talvez 12 anos, para ser concluída, eu fiz um raio em 45 dias. 

 

MidiaNews – Tem alguma articulação sendo feita em parceria para a ressocialização dos detentos? 

 

Alexandre Bustamante – Somando tudo, nós temos quase 3 mil presos trabalhando. Quem quer trabalhar e se submeter ao trabalho, pode sair de dia, trabalhar e voltar só para dormir de noite.Há várias empresas que estão contratando reeducandos. 

 

O Estado obriga as empresas prestadoras de serviços ao Estado a empregarem. Temos uma lei que diz que 5% das pessoas contratadas nessas precisam ser de reeducandos. 

 

A empresa que fez o raio usou 75 presos na construção. O mestre de obras chegou a dizer que alguns eram excelentes profissionais. A gente tem a possibilidade de todo o tipo de preso poder trabalhar. É só querer, manifestar o interesse e se submeter às regras. 

 

MidiaNews – Ainda segundo o anuário, os casos de feminicídio quase dobraram no primeiro semestre. Passaram de 19 para 32, um salto de 68%. A que o senhor deve esse aumento?

 

Alexandre Bustamante – Só vamos conseguir verificar exatamente os casos de feminicídio em um ano normal. As famílias ficaram em casa nesse ano de Covid, um contexto completamente atípico. 

 

Muitos pais perderam os empregos e foram para dentro de casa. Ele precisou ficar quarentenado dentro de casa, sem poder circular. Algo que nunca aconteceu na vida da pessoa. O ciclo da vida toda muda. Não tinha nem futebol para ver na televisão.

 

Daí ele aumenta a quantidade do consumo de álcool, a convivência marido e mulher passa a ser constante e muitas vezes esse negócio vira um trem maluco. Não justifica, mas tenta explicar um pouco o aumento.

 

Para a segurança pública, não há nenhuma governabilidade dentro de quatro paredes, de uma casa, de uma família. Não temos como prever nem imaginar que o marido vai matar a esposa e bater nela se não tiver uma denúncia ou alerta. E nossa sociedade vem de uma cultura machista e patriarcal muito grande e a mulher muitas vezes se submete a coisas inimagináveis. Tudo isso influencia nesse ciclo maluco que vemos.

 

Mas o Estado deu uma resposta muito boa. Nós criamos o primeiro plantão 24 horas da Delegacia da Mulher e Violência contra a Família. Uma delegacia nova, moderna e bonita. O objetivo é tentar dar uma resposta mais rápida a esses crimes contra a mulher. 

 

A Patrulha Maria da Penha, que é um produto nosso, vai até a casa da pessoa quando algum vizinho ou parente denuncia. Eles fazem uma abordagem e explicam para a mulher. E isso empodera a mulher. Tem alguém olhando por ela. Esse patrulhamento funciona muito bem e atua em todo o Estado de Mato Grosso. Muitos atendimentos já foram feitos. Mortes e espancamentos também já foram evitados, porque a medida protetiva da mulher é realizada. Isso é comunicado ao Ministério Público, que avisa o homem para não entrar em casa até o julgamento. Se ele se aproximar da vítima, vai ser preso. 

 

Talvez sem nenhuma dessas ferramentas, estaria muito pior, até por conta desse ano de Covid, que é um ano muito atípico, com tensões altas e convivência contínua. A OAB, o MPE, a Defensoria, o Poder Judiciário também são nossos parceiros nesse combate. 

 

MidiaNews – Ainda conforme o anuário, houve um aumento nos homicídios dolosos no primeiro semestre, passando de 384 em 2019 para 404 em 2020.  Este número interrompe um ciclo de queda nos índices que vinha sendo observada desde 2018. O que houve em Mato Grosso?

 

Alaxandre Bustamante – Eles agregaram os confrontos nesses homicídios. O confronto não é homicídio. Se for julgado homicídio pela Justiça, aí a gente tira do confronta e coloca na estatística. O anuário não entende assim, ele entende que houve homicídio. 

 

O Poder Judiciário acompanha nosso pensamento. Muitos desses homicídios depois passam para latrocínio no julgamento. Quando você faz essa mudança, os números caem. 

 

MidiaNews – Mas se formos tomar o critério utilizado por vocês, os números se mantiveram praticamente constantes. 

 

Alexandre Bustamante – Mas nós estamos estáveis em um ano atípico. A quantidade de feminicídios que ocorreram, que não precisavam ocorrer se o ano fosse normal. Então tem fatores que você tem que fazer análise através do contexto geral. 

 

Comparando com outros estados do Brasil, só cinco mantiveram os números constantes e Mato Grosso é um deles. 

 

MidiaNews – Quais são os principais objetivos da segurança pública para os próximos anos?

  

Alexandre Bustamante – Melhorar os equipamentos da segurança pública, fortalecer a inteligência, colocar o sistema de videomonitoramento OCR (Reconhecimento Ótico de Caracteres) fucionando, uso de tecnologia embarcada na Polícia Militar e inquérito digital. 

 

 


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