Entre emprego e treinos, atletas insistem no sonho do esporte

Considerado uma novidade em Mato Grosso em comparação a outros esportes de combate, o kickboxing tem ganhado espaço e visibilidade no estado. No entanto, atletas amadores e profissionais ainda enfrentam uma luta fora do tatame: conciliar treinos intensos com o trabalho para sustentar o sonho de viver do esporte.

Eu não tenho opção [a não ser continuar treinando], porque eu estou aqui para realizar o meu sonho

A primeira competição 100% profissional de kickboxing em Mato Grosso ocorreu apenas em setembro deste ano, com o MT Warriors Championship. A segunda edição, marcada para dezembro, surge como uma oportunidade para que atletas busquem reconhecimento, visibilidade e patrocínio.

A argentina Nadia Fedoruk, de 26 anos, é um exemplo dessa realidade. Morando em Mato Grosso há pouco mais de um ano, ela vive uma rotina intensa para equilibrar treinos e trabalho. Atleta de alto rendimento, Nadia treina de duas a três vezes por dia, mas também atua como manicure para se manter financeiramente.

Ela intercala os atendimentos no salão com os treinos na academia, o que torna a rotina ainda mais desgastante. Muitas vezes, os treinos se estendem até a noite.

“É difícil também para a minha patroa, a dona do salão. Eu quase nunca estou lá. Mas é o que eu quero para a minha vida, o esporte. Eu vim para cá por isso. Eu tenho que treinar”, afirmou.

Natural de Misiones, na Argentina, Nadia deixou o país natal e se mudou para Mato Grosso com o marido em busca de mais oportunidades no esporte, que, segundo ela, são maiores no Brasil.

“Eu não tenho opção a não ser continuar treinando, porque estou aqui para realizar o meu sonho”, disse.

O atleta profissional Mateus Gomes, de 29 anos, destacou que essa é uma realidade dura para quem vive do kickboxing. Segundo ele, um atleta de alto rendimento precisa de, no mínimo, R$ 2 mil por mês para cobrir gastos com equipamentos, treinadores, preparadores físicos e mensalidades de academias.

Para iniciantes, o caminho é ainda mais difícil, especialmente sem apoio financeiro.

“Isso influencia muito. Um atleta que tem condição financeira consegue montar uma equipe multidisciplinar, com fisioterapeuta, preparador físico, nutricionista e médico. Assim, evolui mais rápido e chega ao topo mais cedo. Quem não tem apoio demora mais e chega pela persistência”, explicou.

Yasmin Silva/MidiaNews

Mateus Gomes é atleta profissional de kickboxing há 10 anos

Para Mateus, a falta de patrocínio é o principal obstáculo da modalidade.

“Se você perguntar para qualquer atleta, a resposta vai ser patrocínio ou incentivo. O atleta quase nunca tem apoio, seja público ou privado. Cada competição exige um gasto muito alto”, afirmou.

Profissional há 10 anos, Mateus encontrou na abertura de uma academia de lutas uma forma de se manter no esporte. O negócio permite custear a rotina de treinos e as viagens para competições.

Esporte em expansão

Apesar das dificuldades, o kickboxing vive um momento de crescimento em Mato Grosso, ampliando o número de campeonatos e oportunidades para os atletas.

Esse foi um dos motivos que levaram Nadia a escolher o estado. Ela começou a lutar aos 15 anos, na Argentina, e pratica três modalidades. Segundo a atleta, em seu país é necessário construir uma carreira muito longa para conseguir visibilidade, enquanto no Brasil há mais competições e chances de ascensão.

“Tem muitos atletas bons aqui. Eu acho que as melhores academias estão em Cuiabá. Temos grandes atletas no estado”, avaliou.

Embora tenham iniciado a trajetória no esporte por razões adversas — Mateus após ser assaltado e Nadia após uma briga de rua —, ambos encontraram na luta uma paixão e um caminho profissional.

Inicialmente, a motivação era a defesa pessoal. Com o tempo, o interesse evoluiu para a competição em alto nível, em modalidades como kickboxing, boxe, muay thai e MMA.

“No começo, a intenção era saber me defender. Hoje eu sei que a luta serve para isso em último caso, mas eu me apaixonei e me tornei atleta profissional de kickboxing”, contou Mateus.

A competição

Atualmente, Mateus e Nadia se preparam para a segunda edição do MT Warriors Championship.

Mateus disputa o título inaugural da categoria até 71,8 kg em Mato Grosso. Atleta da casa e um dos favoritos do público, ele enfrenta Wesley Almeida, de Rondônia, na luta principal da noite.

Confiante, Mateus aposta no controle mental como diferencial.

Yasmin Silva/MidiaNews

Nadia Fedoruk veio da Argentina para conquistar o sonho de viver do esporte

“Sempre pensar com positividade, pensar que eu já ganhei. Tem um autor que diz que se eu vejo isso na minha mente, isso vai chegar nas minhas mãos. Então eu já vejo o cinturão na minha mente e eu sei que vai chegar nas minhas mãos”, afirmou. 

“Eu desejo toda a sorte para ele, mas eu já ganhei o evento, a luta. E eu creio que vai ser uma luta muito interessante, bacana para o público assistir”, complementou. 

Nadia participa do único confronto feminino do evento. Ela enfrenta a favorita Ana Clara Montini, do Paraná, e garante estar preparada para o desafio.

“Fiquei nervosa porque ela já é campeã, mas treino bastante e estou confiante. Vai ser uma guerra. Estou com 100% de expectativa. A vitória vai ser minha”, disse.

O secretário da Federação de Kickboxing de Mato Grosso, Diego Lemos, explicou que o MT Warriors Championship foi criado para dar visibilidade aos atletas do estado e abrir portas em nível nacional e até internacional.

“O nosso estado ficava um pouco distante dos grandes centros. Trazer esse evento para cá dá visibilidade aos atletas locais e também aos que vêm de fora, fortalecendo o nome de Mato Grosso no cenário nacional”, destacou.

A competição contará com 14 lutas — seis no card preliminar e oito no card principal, incluindo a disputa de cinturão. Todos os 28 atletas receberão uma bolsa para ajudar nos custos com treinos, equipamentos e participação.

O evento é custeado pelo Governo do Estado, por meio de parceria com a Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel).

O MT Warriors Championship será realizado no dia 20 de dezembro, a partir das 19h, no Palácio das Artes Marciais Iusso Sinohara, anexo à Arena Pantanal, com entrada gratuita para o público.