Ivan Belém

Com o uso de metáforas e poesia para protestar contra decisões do governo, a classe artística ficou conhecida na história pela atuação crítica e de resistência. No entanto, para o ator cuiabano Ivan Belém, os artistas atualmente estão optando por atuar de forma menos ácida "para não irritar os poderosos".
“Eu acho que a classe artística, às vezes, faz vistas grossas para as coisas que estão acontecendo para não ferir as pessoas que estão no poder”, afirma.
Com 42 anos de carreira, o artista criador do primeiro teatro de rua de Mato Grosso - o "Gambiarra" - e doutor em Educação - diz que o papel de transformação social do teatro tem sido negligenciado.
Ele avalia que esse momento de abatimento da classe artística deve-se, entre outras coisas, às políticas de incentivo à cultura, pois os artistas temem ficar sem financiamento para as suas produções.
“As pessoas não querem desagradar quem está no poder com medo de sofrerem retaliações, não poderem fazer seu trabalho”, diz.
O próprio artista conta sofrer censura e retaliações, mas garantiu que isso nunca o impediu de continuar realizando os seus trabalhos e de dizer o que pensa.
“Eu mesmo sofro muitas retaliações por causa da minha posição política. Eu sei que é por causa disso e eu também não vou deixar de me expressar, deixar de dizer o que eu penso. Não conseguiram me calar”, afirma.
Em entrevista ao MidiaNews, Ivan Belém ainda avalia as mudanças que ocorreram ao longo do tempo no teatro e fala sobre o seu monólogo criado em comemoração aos seus 40 anos de ator e relembra momentos marcantes de sua vida no teatro - muitos deles, vividos em parceria com o artista Liu Arruda, cuja morte completará 20 anos.
Veja os principais trechos da entrevista:
MidiaNews - O senhor acaba de completar 42 anos de carreira. O que mudou nesse período?
Ivan Belém - Mudou muito pouco, eu acho, quando falamos do fazer teatral em Mato Grosso. O que tem de novo, por exemplo, é que tem uma lei de incentivo à cultura, mas ela também é competitiva. Ela trouxe mudanças significativas. Nós precisamos dela, nós merecemos essa lei de incentivo à cultura e esse estímulo. Mas, por outro lado, ela nos silenciou um pouco. Eu acho que a classe artística, às vezes, faz vistas grossas para as coisas que estão acontecendo para não ferir as pessoas que estão no poder.
MidiaNews - O senhor acha que ficou mais difícil ou mais fácil fazer teatro ao longo do tempo?
Ivan Belém - Está mais fácil quando você consegue um patrocinador, um apoio da lei de incentivo à cultura oudo empresariado. Mas conseguir isso não é fácil também. A concorrência é grande e os recursos são escassos.
Por exemplo, essa peça que eu estreei ano passado era para ter entrado em cartaz em 2017, que foi realmente o ano em que eu completei 40 anos de carreira. Mas, por falta de apoio, de patrocinador, só conseguimos fazê-la no final do ano passado. Nós estreamos em outubro a peça “Progresso”. Fizemos, estou feliz com o resultado. Eu só lamento a gente não poder permanecer em cartaz com ela. Nós estreamos em outubro com duas apresentações e depois só voltamos a fazer dia 22 de março porque não há uma política de estímulo para que o espetáculo fique em cartaz. Se eu estivesse em cartaz com essa peça, seria o exercício constante de atuação cênica e esse espetáculo cresceria muito mais do que ele está. Então, quando você volta a se apresentar, você tem a impressão de que você está estreando de novo, você está eternamente recomeçando.
O custo para você entrar em cartaz com um espetáculo é muito alto, a diária de um teatro aqui em Cuiabá não fica por menos de R$ 1 mil. Aí você tem que pagar maquiador, cenógrafo, figurinista, iluminador, operador de audiovisual, é um custo muito alto e a bilheteria não paga.
Refletindo esses dias sobre a minha atuação em Mato Grosso, em 42 anos de carreira, eu falei: "Poxa vida, é um trabalho de resistência realmente”. Porque aqui não há um hábito das pessoas irem ao teatro, de elas lotarem o teatro e as pessoas irem maciçamente. Vai meia dúzia de gatos pingados. Você sobreviver a isso é muito difícil.
MidiaNews - É um problema cultural?
Ivan Belém - É um problema cultural, sim. É a falta de hábito de ir ao teatro. Eu acho que melhoraria se tivessem políticas públicas que contemplassem a difusão e circulação dessa produção teatral em Mato Grosso e não há. Os grupos ficam à mercê de editais e a gente sabe que, com esse novo governo que está aí, a tendência é não ter mais editais. É um futuro muito incerto para todos nós.
MidiaNews - E quanto às produções teatrais. O que mudou nas últimas décadas?
Ivan Belém - Cuiabá tem produzido espetáculos de alto nível que nós artistas trabalhamos, criamos, produzimos independente de quem está no poder, independente de políticas. A gente continua produzindo, trabalhando, pesquisando, estudando, atuando. E Mato Grosso tem feito isso. Tem muita gente fazendo teatro bom, de qualidade. Tem muita gente jovem boa naquilo que se propõe a fazer. A escola de teatro também tem sido muito importante para essa movimentação da cena teatral no Estado.
MidiaNews - Anos atrás, o teatro tinha um papel de transformação social, com críticas. É uma função que foi esquecida nesses últimos anos? Se foi, é possível resgatá-la?
Ivan Belém - Eu acho que ela foi um pouco negligenciada. Mas sempre é possível resgatar, eu acho que a gente vai retomar isso. Acho que o contexto político-social da atualidade exige e requer de nós esse posicionamento e eu acho que a classe teatral não irá se furtar a isso.
Essa política de estímulo à cultura contribuiu um pouco para isso, porque as pessoas não querem desagradar quem está no poder com medo de sofrerem retaliações, não poderem fazer seu trabalho.
As pessoas não estão preparadas para receberem críticas e aí surgem as retaliações. E Mato Grosso é um Estado onde isso ainda prevalece, ainda tem muito resquício de coronelismo e isso é muito complicado. Eu mesmo sofro muitas retaliações por causa da minha posição política. Eu sei que é por causa disso e eu também não vou deixar de me expressar, deixar de dizer o que eu penso. Não conseguiram me calar.
MidiaNews - Como está a relação do Governo com a classe artística?
Ivan Belém - Estava tendo apoio, tinha editais. Agora, estamos aguardando os editais para a gente poder concorrer, mas ainda não teve nada. Tanto a Prefeitura quanto o Governo do Estado deveriam se empenhar mais, apresentar mais propostas para a classe artística.
MidiaNews - Mas a falta de apoio é apenas dos governantes?
Ivan Belém - Geral. É da própria população também, que poderia nos estimular, prestigiar a prata da casa e isso ocorre muito pouco. Poucas pessoas vão ao teatro aqui em Cuiabá.
MidiaNews - Quanto custa colocar um espetáculo em cartaz no teatro?
Ivan Belém - No mínimo, se não for nem computar mídia, R$ 10 mil. É pouco, o investimento é pequeno. Eu acho que faltam espaços mais alternativos, faltam salas de espetáculos pequenas, teatro de bolso. O Cine Teatro e o Teatro da UFMT são teatros relativamente grandes para a nossa realidade. Se você for fazer um espetáculo no Cine Teatro, se você não tiver uma mídia na Globo, você não vai ter nem meia casa. Teatro e bolso é um teatro pequeno de 150 a 200 lugares.
Eu me apresentei duas vezes no Sesc Arsenal e eu raramente tinha acesso ao Sesc Arsenal. Eu sinto que o Sesc Arsenal me ignorava, era como se eu não existisse. Mas eu quebrei esse bloqueio com “O Progresso” e logo depois mudou-se a política do Sesc. Agora também há uma dificuldade. O Sesc parece que está com uma cara nova. Eu acho isso triste também, porque é um espaço importante de difusão das artes.
MidiaNews - O senhor foi ator na época do regime militar. Sofreu alguma censura?
Ivan Belém - Sim, sofri censura em espetáculo porque a gente tinha que apresentar antes da estreia para um censor da Polícia Federal. Apenas ele na plateia, isso era horrível. Às vezes eram pessoas que não tinham conhecimento nenhum de literatura ou de teatro para te avaliar, avaliar o que estava dizendo, se era correto, se estava tudo ok para o regime. Ai censuravam coisas absurdas.
Por exemplo, eu já sofri uma censura de um espetáculo infantil. A gente ia para Brasília para um festival e de repente a Polícia Federal disse para mim que o espetáculo estava censurado por causa de uma brincadeira infantil inocente. Era aquela brincadeira que fala assim: “Texto, panela, bolor, fedor, torra de quem peidou!”. Censurado por causa disso. Aí um espetáculo adulto, que era um espetáculo político, não sofreu censura nenhuma. Sofreu essa peça infantil.
A gente estava dependendo dessa liberação da Polícia Federal para a gente se apresentar em Brasília. Na época, a professora Terezinha Arruda era diretora do Departamento de Cultura e Turismo, que hoje é a Secretarial Municipal de Cultura, eu conversei com ela e contei que estava correndo o risco de não ir para o festival em Brasília. A Terezinha, na mesma hora, foi comigo na delegacia federal e perguntou para a censora: “O que está acontecendo?”. Aí ela explicou e Terezinha falou para ela: “Você nunca brincou? Você não teve infância?”. Com esses argumentos profundos da Terezinha, nós conseguimos liberação da peça, se não a gente perderia o festival.
MidiaNews - Como o senhor vê as manifestações, atualmente, de algumas pessoas que defendem a volta da ditadura militar?
Ivan Belém - Eu fico assombrado. Eu estou em constante estado de choque com tudo o que eu tenho visto e ouvido. Eu estou com vontade de comprar um pedacinho de terra lá no meio do mato e ficar lá quieto, caladinho, e ver se essa onda passa. Eu nunca imaginei que nós fossemos passar por tudo isso que estamos passando hoje, esse ódio. E nós, minorias, estamos correndo riscos. Há uma exaltação à ignorância, à violência.
MidiaNews - É um reflexo apenas do governo eleito, uma insatisfação da população de uma forma geral?
Ivan Belém - Há uma insatisfação e há um processo, que já vem a algum tempo, de desqualificação da esquerda. A direita vinha trabalhando já nesse sentido e ela encontrou eco em uma população descontente, uma população que nunca leu sobre política, nunca se interessou por política e acabou acolhendo essas ideias, que estão se voltando contra o povo. A gente está vendo essas políticas que estão acontecendo prejudicando o povo. A gente tem visto um presidente dizendo horrores na imprensa. Eu acho que é fake news, às vezes, quando eu vejo que o presidente falou uma coisa, mas não. É pura verdade.
MidiaNews - O que o senhor quer dizer quando afirma que as ideias acolhidas pela população estão se voltando contra ela? As pessoas não sabiam o que estavam fazendo no momento da eleição?
Ivan Belém - Eu acho que muita gente foi de ingenuidade. Essas, eu perdoo. Agora, eu vejo intelectuais também defendendo as ideias e isso me deixa incrédulo com as pessoas. São pessoas que não viveram, mas não é preciso você viver para você poder se posicionar. Os livros de história estão aí, têm filmes, tem literatura. As pessoas têm que se informar.
MidiaNews - O senhor tem acompanhado de perto os novos talentos que tem surgido na Capital? Quem você destacaria?
Ivan Belém - Eu não tenho visto muita coisa. Eu não gostaria de citar nomes para não magoar ninguém. Mas tem muita gente fazendo teatro bom. Não tenho visto tanto quanto eu gostaria, mas agora eu quero ver mais, estou me propondo a ver mais. Eu fico contente com muitas coisas que vejo e são coisas boas, que não estão na mídia. As pessoas tem também que se voltar para a mídia, para essa questão de ir prestigiar os artistas da casa. Volto a repetir, insisto nisso: tem muita coisa boa que não está na mídia. Vamos acompanhar a programação cultural dos teatros para a gente ir prestigiar, conhecer.
MidiaNews - A população ainda tem aquela cultura de dar mais valor ao que vem de fora?
Ivan Belém - Tem. Até um tempo atrás, por exemplo, isso não existia mais, isso tinha deixado de existir. Inclusive, particularmente eu diria, na época em que eu e Liu Arruda fazíamos dupla. A gente lotava o teatro, as pessoas voltavam para casa porque não tinha mais ingresso. Mas agora parece que a gente retrocedeu. Eu tenho visto também muita gente jovem começando a fazer teatro e tendo como referência não os grandes nomes do teatro brasileiro, mas youtubers. Com tantos artistas brasileiros maravilhosos, uma Fernanda Montenegro, uma Bibi Ferreira, que morreu recentemente. As pessoas tendo como referência Bruna Marquezine, eu fico muito triste com isso.
Se você não tem uma referência dentro de casa, se seus pais não leem, se seus pais não vão ao teatro, se seus pais não vão ao cinema e nem na escola você recebe esse estímulo - porque também o professor não vai - , enfim, independente de quais sejam os motivos, como você vai adquirir esse hábito? Fica muito complicado.
MidiaNews - Como o senhor vê o surgimento de novas mídias para os atores? É uma boa opção ou uma ameaça ao teatro?
Ivan Belém - Eu não diria que seja uma ameaça. Eu sou pela diversidade, preservo a diversidade, respeito. Mas eu acho que as pessoas precisam ser mais seletivas. Acho que essas novas mídias estão aí, inclusive, como aliadas nossas. Não fujo delas, não as descarto. Mas a gente precisa ser mais seletivo, escolher melhor o que a gente vai ver ou não porque a gente aprende a fazer teatro vendo teatro - o bom teatro e o mau teatro -, porque só assim você vai poder dizer o que você vai fazer e o que você não vai fazer.
MidiaNews - Em relação ao tempo em que trabalhou com Liu Arruda, o senhor escreveu um livro sobre ele, cuja morte completa 20 anos em 2019. Qual foi a importância dele para o teatro mato-grossense?
Ivan Belém - Foi uma tese de doutorado que resultou em um livro. Liu Arruda foi um artista fundamental para o teatro em Mato Grosso e, principalmente, para a comédia. Liu Arruda, além de ter sido um comediante genial, também foi um empreendedor, foi uma pessoa que criou salas de espetáculos e que ganhou dinheiro fazendo teatro desmistificando aquela máxima de que santo de casa não faz milagre.
Se nós temos hoje uma leva de comediantes fazendo sucesso, Liu Arruda está ali presente, Liu Arruda deu a sua contribuição. Liu Arruda foi e continua sendo fonte de inspiração. Eu digo sempre que Liu Arruda não morreu porque o legado que ele deixou está muito latente ainda. Muita gente jovem que nunca viu Liu Arruda no teatro sabe que ele passou por aqui, sabe quem foi Liu Arruda, viu em vídeos, em áudio.
Esses dias eu estava na rua, entrando no carro, um senhor me abordou e falou: “Anota meu telefone aí. Liga aqui para mim para o senhor ouvir um negócio”. Eu liguei no celular dele e o toque era Liu Arruda. Olha aí que presente.
MidiaNews - Nesse intervalo, desde a morte dele, surgiu alguém parecido no cenário?
Ivan Belém - Eu acho que sim. Eu não diria parecido, mas surgiram bons comediantes sim. É uma fonte de inspiração, mas eu não diria parecido. Tem muita gente boa no humor.
MidiaNews - O senhor acha que o humor que faz graça com o cuiabano, que era original do Liu Arruda, se desgastou, foi perdido?
Ivan Belém - Eu acho. Há muita caricatura. Eu e Liu criamos as comadres do teatro mato-grossense, que foi a comadre Iara e a comadre Creolice. Depois disso, eu vejo uma banalização. Nós criamos dentro de um contexto político, econômico, cultural, dentro de um contexto de globalização para responder a determinados anseios da nossa sociedade naquele momento. Era um teatro político que se baseava no escracho. O escracho que se faz hoje em dia, nós já fazíamos na década de 90. Eu acho que ficou o riso pelo riso. Eu tenho repensado muito isso. Eu não sinto mais tesão por fazer a minha comadre Creolice, eu acho que já deu o que tinha que dar.
Eu estou agora em um processo de me reinventar, de fazer outras coisas, não fugir do teatro mesmo. O teatro é um universo de possibilidades, de prazer que me proporciona. Eu estou buscando isso.
MidiaNews - O que você mais sente falta de Liu Arruda?
Ivan Belém - No nível pessoal, ele era meu amigo particular com quem eu adorava sair. Dávamos altas gargalhadas. Eu me lembro de que às vezes eu ficava chateado com ele por algum motivo - a gente nunca brigou, mas ficava afastado dele, ficava na minha casa. Aí, de repente, ele me ligava: “E aí, vamos se divertir?”. E eu já caía na risada. Ai ele já passava lá em casa, já saía, já curtia, rolava de rir com ele.
Mas o que eu mais sinto falta de Liu é a crítica. A crítica dura, cruel, pesada mesmo, que incomoda. Esse Liu Arruda eu sinto falta. Era necessária, incômoda, desconfortável, como deve ser toda crítica, como deve ser o artista.
MidiaNews - Qual a sua perspectiva para o teatro cuiabano?
Ivan Belém - Eu acho que o teatro cuiabano está caminhando para seu amadurecimento. Eu acho que esse processo de construção, dessa diversidade cênica não será interrompido, nada poderá interrompê-lo, nada poderá detê-lo. Eu vejo com bons olhos.
MidiaNews - Cuiabá fez 300 anos. O que o senhor achou da comemoração?
Ivan Belém - A comemoração foi um fiasco, literalmente. Como eu disse nas redes sociais, após o aniversário de Cuiabá, a minha sensação foi de ressaca moral. A gente esperava tanta coisa, nos disseram tanta coisa, que iriam fazer tanta coisa para Cuiabá e não fizeram nada. O que me deixou muito triste é a situação do Centro Histórico. Nosso Centro Histórico vem desmoronando dia a dia, nós estamos perdendo nosso acervo arquitetônico, que é herança de nossos antepassados, que contam a nossa história. Isso está indo por terra abaixo.
Eu estive no mês de abril em Goiás, fiquei encantado com o Centro Histórico daquela cidade. E a minha cidade tudo caindo, não tem um incentivo. O Centro Histórico completamente degradado. Há uma degradação do seu espaço físico, há uma degradação humana muito triste, muito lamentável e muito violenta.
Ninguém mais circula pelo Centro à noite. Ali no entorno da Praça da Mandioca, eu não vou mais, pelo menos nos finais de semana que eu gostava de ir lá, porque virou moda e tumultuou demais. Eu já não vou. Quando eu vou, é durante a semana, uma vez ou outra. Não dá para ir também porque é muito perigoso frequentar ali. Aí vem o poder público impor regras. Deixa as pessoas trabalharem por esse Centro Histórico, deixa as pessoas criarem ideias e executarem, estimule que as pessoas vão até o Centro e passem a frequentar esse Centro, não deixe mais abandonado do que já está.
Eu tive esperança que, com os 300 anos, esse Centro fosse ter um projeto de revitalização. A fiação aérea é horrível. Tinha que ser uma fiação subterrânea. Nem isso foi feito.
MidiaNews - O senhor acredita que os cuiabanos estão virando as costas para a própria história?
Ivan Belém - Eu acho que sim. Esses dias eu fui à Orla do Porto. A Orla virou uma coisa feia com aquela coisa de mau gosto, aquelas fachadas que criaram lá de material descartável. Isso é o mínimo. O pior de tudo é jogarem o esgoto naquele rio debaixo de nossos olhos. Eu acho uma afronta isso. É um testemunho da nossa barbárie permitir isso. Então não fizesse essa coisa para inglês ver, que virou a Orla. Mas fizesse esse alinhamento, não matasse o nosso rio, não destruísse nosso ambiente.
Dá saudade. Eu fui um garoto que tomou muito banho no Rio Cuiabá, no Rio Coxipó. Hoje em dia não dá mais. Essas fontes de água que a gente tinha no entorno, eram de águas potáveis. Acabou. Isso é cultural, não foi Deus que fez assim. Foi o ser humano, fomos nós mesmos que fizemos. Olha o que fizemos de nós. Pare e pense. Olha o que vamos deixar para os nossos descendentes. Eu acho que dá tempo de recuperar. A gente vê iniciativas em outros países de revitalização desses cursos d’água. Quem sabe?
MidiaNews - A apresentação do seu monólogo, feita em março, foi a última que fez? O senhor pretende trazer ele de volta para o teatro?
Ivan Belém - Eu devo continuar com esse espetáculo porque foi um trabalho intenso. Foram meses de trabalho, foi cansativo, foi árduo, além de prazeroso, claro, senão não teria feito. É um trabalho que ficou muito bom. Eu quero continuar fazendo. Mas se você me perguntar quando e onde, eu não sei, não tenho espaço ainda para me apresentar. Eu não tenho um patrocinador para falar que vou entrar em cartaz com essa peça. Mas eu estou aqui de olho nos editais, com as antenas ligadas, torcendo para que saia um edital de circulação de espetáculo.
MidiaNews - O senhor também tem uma parceria com o advogado Eduardo Mahon nesse monólogo. Qual é o balanço?
Ivan Belém - É positivo. O Mahon escreveu um belo texto, um texto muito interessante, um personagem muito interessante. Ele foi fundo na alma cuiabana, no sentimento cuiabano dessa elite cuiabana porque Cuiabá não é só a elite. Mas o personagem é da elite, é de classe média, cuiabano tradicional, que morou a vida inteira no Centro Histórico, que teve uma vida de bonança e, de repente, foi empobrecendo e ficando no Centro Histórico decadente, isolado, amargo, velho e doente. É um dramalhão. E isso é muito real aqui em Cuiabá. Eu conheço muita gente que passou e vem passando por esse processo.
Então o Mahon foi muito feliz na sua abordagem. É o primeiro texto dele para teatro. Algumas pessoas fazem algumas críticas ao texto, o que é natural, mas eu gosto muito de fazê-lo. Se ele escrever mais coisas bacanas, vamos fazer.
Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).
4 Comentário(s).
|
alex r 17.05.19 15h29 | ||||
O ultimo baluarte do verdadeiro artista era o D'Lucca!!! O resto tudo vendido... Parabéns pela matéria! | ||||
|
albert 15.05.19 12h46 | ||||
Penso que fazer arte é uma opção! Não obstante, em concordar com a minima parte que foi posto pelo senhor, com uma linguagem ÁCIDA como se tivessemos vivendo no CASTRISMO...então por outro lado dinheiro para fazer arte e cultura é uma coisa agora produzir, peças mediocres, insanas, agressivas, e de mote sensual, faça-me o favor, inaceitável caríssimo. A coisa está faltando crítica pessoal e não a critica dos outros, como por exemplo a inversão de valores, o que recorrente trabalho com esse viés. Penso que tem de começar do zero...e aí sim fazer uma política de incentivo que seja não só bom para o produtor mas para a sociedade...ex: cantores nacionais estabilizados tenho a lei rouanet para financiar seus shows o cara tem de por a mão no bolso para financiar seu negócio, agora viver como carrapato em cachorro SEM CHANCE tem de acabar com isso. Os artistas de verdade sequer alcançam qualquer financiamento....com todo respeito ao senhor que nunca ouve falar de seu trabalho até ler sua entrevista...mas sucesso | ||||
|
Kleiton Oliveira 13.05.19 08h20 | ||||
A CLASSE ARTÍSTICA ESTÁ SOFRENDO NA PELE O QUE A AGRICULTURA FAMÍLIA FAMILIAR ESTÁ SOFRENDO NAS MÃOS DESSES DOIS QUE ASSUMIRAM O GOVERNO. PESSOAS DESPREPARADAS, QUE SÓ OLHAM PRA ONDE SEUS NARIZES E SEUS APONTAM. ESSES DOIS SÓ BATEM EM MAIS FRACOS, PENALIZANDO A CLASSE ARTÍSTICA, A AGRICULTURA FAMILIAR, COMO É O CASO DA EMPAER, ALÉM DE OUTRAS PIRRAÇAS POLÍTICAS. ESSES DOIS AINDA VÃO DAR MUITO O QUE FALAR. AINDA BEM QUE O GOVERNO FEDERAL JÁ CONHECEU AS PEÇAS E JÁ VEM DANDO SINAL QUE NÃO VAI ACEITAR FALÁCIAS, COMO FOI O CASO DA CALAMIDADE FINANCEIRA, QUE NADA MAIS ERA QUE UM DISFARCE PAR DAR CALOTE. A CLASSE ARTÍSTICA SEMPRE FOI PENALIZADA EM MT E COM ESSE GOVERNO AUTORITÁRIO NÃO VAI SER DIFERENTE. | ||||
|
João Caetano 12.05.19 10h00 | ||||
Grande Ivan Belém. Boa entrevista. Apenas não concordo com essa ideia de que se algo não passa da Globo não faz sucesso como "mídia", no sentido de propaganda ou benevolência da TV local. A TV local já silenciou muita coisa de Cuiabá, mas faz um marketing cínico dando espaço exatamente para a banalidade que o entrevistado critica. Ivan Belém critica os que não criticam a política, mas quem acredita na TV local para achar que ela não deve ser criticada? | ||||
|