Cuiabá, Domingo, 12 de Outubro de 2025
FORMADO EM MEDICINA
12.10.2025 | 08h30 Tamanho do texto A- A+

"A guerra foi até o final, e eu venci”, diz aluno cego da UFMT

Igor Nogari refletiu sobre inclusão e acolhimento no curso de Medicina para pessoas com deficiência

Reprodução

Igor Nogari (no detalhe), durante aula na graduação

Igor Nogari (no detalhe), durante aula na graduação

ANDRELINA BRAZ
DA REDAÇÃO

Natural do Paraná, Igor Stelmastchuk Nogari sempre se dedicou à ciência e às aulas de anatomia. Com o passar dos anos, essa dedicação ganhou novas dimensões ao ingressar no curso de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá, onde foi homenageado, em um ato simbólico, por seu destaque acadêmico e por sua trajetória inspiradora como pessoa com deficiência visual.

 

Minha guerra interna, de tentar superar os obstáculos de ser uma pessoa com deficiência, aconteceu quando perdi a visão

A cerimônia foi realizada no dia 19 de setembro, na biblioteca da universidade. Apesar do reconhecimento, o estudante refletiu sobre as dificuldades enfrentadas devido à falta de acessibilidade e ao preconceito dentro da Faculdade de Medicina, presente na instituição.

 

“No começo foi bem difícil, no sentido de preconceito mesmo”, relatou.

 

Entre os principais desafios, Igor citou a falta de acolhimento por parte de alguns colegas e professores, que demonstraram resistência diante da sua condição visual.

 

“Eu ouvi esse tipo de frase numa reunião do colegiado: “Eu não sei como você vai fazer para cursar Medicina se você não enxerga, sinceramente. Eu não sei mesmo. Eu não sei o que você está fazendo aqui”, relembrou.

 

Perda da visão

 

Portador da síndrome de Stargardt, Igor perdeu cerca de 80% da visão aos oito anos de idade, de forma progressiva. Desde então, passou por um processo de adaptação à nova realidade.

 

Com o tempo, descobriu novos interesses e se dedicou aos estudos, ganhando destaque e se tornando, entre os 46 anos de existência da Faculdade de Medicina da UFMT, o primeiro estudante com deficiência visual a ingressar no curso.

 

“Acho que o problema de não enxergar não era o foco da minha guerra dentro da Medicina. A dificuldade de ler livros, isso tudo eu já tinha superado no ensino fundamental. Minha guerra interna, de tentar superar os obstáculos de ser uma pessoa com deficiência, aconteceu quando perdi a visão. Eu tive 20 anos de deficiente visual bem preparado".

 

"A guerra foi até o final, e eu venci. A homenagem foi só a prova de que consegui superar tudo, superar eles”, afirmou.

 

Reprodução

Igor Nogari

 

Apesar das dificuldades enfrentadas, Igor ressalta a importância da acessibilidade e do acolhimento institucional, não apenas para sua própria formação, mas também para garantir o acesso de outros estudantes com deficiência visual ao curso.

 

“A acessibilidade de pessoas com deficiência, 95% das vezes, não é uma questão de dinheiro. Não é só comprar material, investir em piso tátil, corrimão ou escadas adaptadas", afirmou.

 

"É claro que isso é muito importante, especialmente para quem tem dificuldades de locomoção. Mas quando falamos de deficiência visual ou auditiva — principalmente visual — a acessibilidade é, acima de tudo, atitudinal”, explicou.

 

“É o quanto de atitude as pessoas que estão com o poder da caneta, os coordenadores de curso e os professores, vão tomar para ajudar o aluno”, faz a reflexão.

 

Acesso ao ensino

 

Segundo Igor, a inclusão e o ingresso de pessoas com deficiência no ensino superior no Brasil dependem tanto de investimento quanto de acolhimento.

 

Ele destacou a necessidade de garantir espaços de fala e de poder para essas pessoas, como parte essencial das transformações que promovem equidade.

 

“O primeiro passo é ouvir o aluno. Chamar, conversar: “Como você estudou até aqui?”, sugere.

 

Ao final, Igor reconhece o apoio institucional da universidade, e de seus reitores, embora com ressalvas à faculdade.

 

“A UFMT sempre esteve do meu lado. Não a Faculdade de Medicina, mas a UFMT como instituição”, concluiu.

 

O primeiro passo é ouvir o aluno. Chamar, conversar: “Como você estudou até aqui?

Acolhimento em Cuiabá

 

Apesar das barreiras iniciais, Igor lembrou com carinho da relação que construiu com a cidade de Cuiabá e com as pessoas que conheceu ao longo da graduação.

 

“A primeira impressão que eu tive de Cuiabá foi incrível. Eu gostei muito do povo. Eu fiz uma família em Cuiabá. Tenho família aí ainda — não de sangue, mas uma família de domingo, daquelas que a gente briga para decidir em qual casa vai almoçar “, relembrou.

 

Além das amizades, Igor também se destacou em outras áreas durante o período em que viveu na capital mato-grossense.

 

Uma delas foi o stand-up comedy. O estudante se apresentou em diversos espaços da cidade, especialmente em restaurantes e eventos culturais, com um estilo de humor ácido e crítico.

 

“Eu fiz muito stand-up. Gostava bastante. Fazia para conseguir algum dinheiro e me virar em Cuiabá, para pagar minhas contas”, contou.

 

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Igor Nogari

 

Outra frente de atuação foi na área da educação, onde trabalhou como professor de cursinhos e ofereceu aulas particulares para estudantes do ensino médio. A experiência o marcou profundamente e despertou um novo interesse: o ensino.

 

“Dei muitas aulas. Hoje penso seriamente em investir mais na minha carreira dentro da sala de aula”, relatou.

 

Atualmente, Igor está de volta à casa dos pais, no Paraná, mas já projeta o retorno a Cuiabá, onde pretende seguir com a carreira médica e buscar uma vaga em um programa de residência.

 

‘Pretendo voltar. Vou tentar residência. A gente pretende investir em alguma coisa”, afirmou.

 

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