O presidente da Abrasel-MT (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Daniel Teixeira, de 53 anos, classificou como “alarmismo” e “equívoco” a recomendação do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, de evitar bebidas destiladas em meio à polêmica sobre intoxicações e mortes por metanol associadas ao consumo de bebidas alcoólicas adulteradas.
Em entrevista ao MidiaNews, nesta segunda-feira (6), o empresário disse que a falsificação não é nenhuma novidade e o que falta é fiscalização.
“É uma recomendação alarmista, um equívoco em relação às empresas que trabalham corretamente. Não é novidade que existe falsificação; o que não acontece é fiscalização. O poder público não focou energia nisso, o que já era preciso ter feito”, afirmou.
Para Teixeira, o que chama a atenção nos episódios recentes de intoxicação é a adulteração de bebidas com produtos nocivos à saúde.
“A gente faz algumas recomendações: olhar primeiro a origem. Produto com preço muito barato, tem que desconfiar. Não existe milagre. Se alguém está vendendo um produto por um valor muito baixo, ou é roubado ou é um produto falsificado”, disse.
Teixeira falou também sobre as falhas na fiscalização dos órgãos competentes, os riscos de comprar de fornecedores duvidosos e fez um alerta à população.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews - Já houve impacto na frequência de clientes ou no tipo de bebida que eles consomem após os casos recentes de intoxicação?
Daniel Teixeira - A gente não percebe isso aqui. Pela informação que tenho, em São Paulo sim, onde houve os casos mais graves.
MidiaNews - O ministro da Saúde recomendou que a população evite bebidas destiladas, especialmente as de rolha. Qual avaliação faz sobre essa orientação?
Daniel Teixeira - É uma recomendação alarmista, um equívoco em relação às empresas que trabalham corretamente. Não é novidade que existe falsificação; o que não acontece é uma fiscalização. O poder público não focou energia nisso, o que já era para ter feito.
Mas as empresas vendem produtos legais, de origem lícita, e você não ouve notícias de problemas com consumidores que beberam em bares e restaurantes com alvará, pelo menos em Mato Grosso. Mesmo porque não interessa para um restaurante correr um risco desses. Imagina: o sujeito vai um dia lá, toma uma bebida falsificada e passa mal. É risco para a imagem, risco de fechamento da empresa. Não compensa financeiramente. Não há volume de venda que justifique comprar algo 30% mais barato e correr o risco de sofrer uma ação indenizatória ou até um processo criminal por causa disso.
A adulteração não é algo novo. A informação que nós temos é de um prejuízo de mais de R$ 20 bilhões nos últimos cinco anos, segundo a Associação Brasileira de Bebidas Destiladas.
MidiaNews - Há algo que chame a atenção do setor com esses novos casos de intoxicação?
Daniel Teixeira - Bebida objeto de contrabando e bebida falsificada, desde que o mundo é mundo, a gente sabe que existe. Mas a manipulação disso com um produto que faz mal à saúde realmente é recente. E isso torna a situação mais grave ainda, fazendo com que os órgãos de fiscalização precisem estar mais atentos, porque agora virou uma questão de saúde pública. Deixa de ser uma simples contrafação, quer dizer, um contrabando ou uma sonegação de impostos, e passa a ser um crime que gera morte. E isso é muito grave.
Essa fiscalização deveria ter sido feita antes, porque essas empresas não nasceram do dia para a noite. Até a rapidez com que a polícia as encontrou indica que já se tinha algum conhecimento. Acho importante dizer que a falta de fiscalização e de repressão, em muitas circunstâncias, pode gerar esse tipo de problema. E não só nesse caso: há outros produtos produzidos à margem da fiscalização, sem alvará e sem boas práticas sanitárias, que também podem causar danos à saúde.
Acho que é hora de os órgãos de fiscalização terem mais rigor, mais atenção, e de haver mais investimento para que essas coisas não se repitam, porque morreu gente por conta disso. Já está na hora de levar mais a sério. A informalidade gera isso, e a gente tem muita informalidade no Brasil hoje.
MidiaNews - A cerveja tem menor risco de adulteração?
Daniel Teixeira - O que a gente sabe é que, financeiramente, não compensa para o falsificador investir nisso. Primeiro, pela margem de lucro: a cerveja tem um preço menor do que uma garrafa de uísque. Segundo, porque usar um produto de baixa qualidade na cerveja chama atenção, altera muito o gosto. A gente sabe que o que foi usado nesses uísques é um produto que não deixa muita marca, praticamente não tem gosto — você não percebe que é um produto manipulado, de origem clandestina.
MidiaNews - Há diálogo entre a Abrasel e órgãos como Vigilância Sanitária, Procon e Polícia Civil para reforçar ações de fiscalização?
Daniel Teixeira - A relação é aberta e sempre foi. A gente está sempre disponível para isso. Inclusive, a Abrasel hoje investiu em um curso de boas práticas e um curso para empresários e interessados em identificar produtos objeto de manipulação e falsificação. São dois cursos por dia, online, que basta acessar o link para fazer. São cursos rápidos, de uma hora, e bem interessantes — todo dia de manhã e todo dia à tarde, durante a semana.
A gente faz algumas recomendações: olhar primeiro a origem. Produto com preço muito barato, tem que desconfiar. Produto muito fora do mercado, não existe milagre. Se alguém está vendendo um produto por um valor muito baixo, ou é um produto roubado, ou é um produto falsificado. O próprio produto em si, a cor, por exemplo, já pode levantar suspeita. Uma cor muito diferente do original, o tipo de embalagem... Se você passa a mão na etiqueta ou na marca, percebe: a original tem características mais sofisticadas; a falsificada é lisa, praticamente impressa em gráfica.
O produto original tem um selo da Receita Federal, que é difícil de falsificar. Então é possível perceber quando é falsificado, sim. O que não dá, eventualmente, é ir numa adega, como em São Paulo, nas periferias, e pedir uma bebida já feita pelo barman. Aí realmente é difícil identificar, porque já vem pronta.
Mas é nessa hora que o consumidor deve frequentar lugares que conhece, que são certificados, que têm alvará, e analisar o preço também. Um drink com valor muito baixo, você tem que desconfiar.
MidiaNews - Em relação aos descartes de garrafas e embalagens, existe fiscalização específica para evitar adulteração?
Daniel Teixeira - A nossa recomendação é que quebrem as garrafas. E, se não conseguirem quebrar toda a garrafa, que pelo menos quebrem a boca, para evitar reutilização. Essa é a recomendação que fazemos aos empresários.
MidiaNews - Que medidas os próprios empresários podem adotar para se proteger de fornecedores suspeitos?
Daniel Teixeira - Guardar a nota fiscal e não comprar de fornecedores suspeitos. Essa é a forma mais fácil de se proteger. Como eu disse, não compensa o risco. Você economiza 30% numa garrafa comprando de algum fornecedor mais barato e pode ter um problema gravíssimo, com repercussão até criminal. Além do dano reputacional — porque, se houver realmente algum problema e isso manchar a imagem da sua empresa, fechar seu negócio, para recuperar sai muito mais caro do que aquilo que se economizou.
MidiaNews - Que mensagem o senhor deixaria ao público?
Daniel Teixeira - É importante que os clientes mantenham a fé naqueles estabelecimentos que costumam frequentar. Caiu um avião da TAM, ‘eu vou parar de voar na TAM?’ Ninguém parou. A Air France também teve acidentes, e ninguém deixou de voar nela.
Coisas pontuais acontecem. Agora, você está frequentando um estabelecimento há dez anos, nunca houve problema, e de repente decide não beber mais porque houve um caso isolado? As pessoas têm que entender que quem está estabelecido, quem tem alvará, os empresários sérios, vão continuar apesar desses problemas.Infelizmente, a falsificação vai continuar acontecendo, independente do que aconteceu agora, porque a fiscalização é falha e o submundo do crime é muito mais ágil, muito mais eficiente do que os órgãos de repressão.
Acho que é um alarmismo desnecessário e, infelizmente, essa recomendação é feita por quem não fez a fiscalização que deveria. Agora, todo mundo tem que fazer o dever de casa: o empresário continuar comprando de empresas autorizadas e idôneas, o consumidor não improvisar, para não se transformar em vítima, e os órgãos públicos reforçarem a fiscalização — mas onde de fato existe o problema.
Estamos muito solidários às vítimas, às pessoas que sofreram com isso. Estamos muito sensíveis. Mas também sabemos que criamos empregos e famílias dependem do nosso negócio, e elas não podem ser impactadas por um alarmismo ou por uma recomendação feita, eventualmente, sem certo cuidado.
Temos que dar a devida importância ao fato, mas as medidas precisam ser sérias e objetivas. Elas têm que ir à fonte do problema: as fábricas, o crime organizado por trás do metanol, que, segundo consta, é importado. Acho que é preciso reforçar realmente a repressão — e não dizer para o consumidor parar de usar.
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