Estudar pode gerar muitas oportunidades e ser gratificante, tendo benefícios que envolvem desde a construção de uma carreira até melhorias para a saúde mental.
Porém a trajetória do conhecimento profissional nem sempre é fácil. E para algumas pessoas, os obstáculos que dificultam os estudos são ainda maiores. É o caso de idosos que, depois de muito tempo parados, voltam a estudar. Eles lidam com inseguranças e dificuldades de adaptação, mas muitos deles têm o desejo de se superar.
João Zanutti, de 72 anos, que não frequentava as salas de aula havia mais de três décadas, decidiu voltar a estudar quando já era um sexagenário. O curso que escolheu para voltar à ativa foi Geografia, na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
“A Geografia é fantástica e me ensinou a pesquisar. Até digo que ela não só conta a História, mas também participa, ensinando a pesquisar e interpretar o passado”, explica.
Seu João, que é natural de Apucarana (PR), mora em Cuiabá há 33 anos. Chegou na Capital em 1989 e construiu sua história com Aparecida Rossi, sua esposa há 52 anos.
Teve seis filhas, onze netos e sete bisnetos. Ele não hesita ao falar sobre sua ligação com as terras mato-grossenses.
“Chegamos aqui sem nada. Fomos amparados pelo povo cuiabano e pelo povo várzea-grandense. Minha família já tem história aqui e se eu tivesse que falar o que sou, diria que sou um verdadeiro cuiabano e várzea-grandense. O fim da minha vida será aqui”, conta emocionado.
A paixão pelo curso de Geografia foi inspirada pela sua esposa. Aparecida iniciou o curso antes de João e, quando estudava, era observada pelo marido.
Não demorou para que ele pegasse gosto pelos estudos dela e quisesse estudar também. Agora, afirma que as 40 matérias proporcionadas na formação foram essenciais para expandir sua visão de mundo.
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João e sua esposa, Aparecida Rossi, durante viagem de campo
João explica que sempre teve o apoio da família para estudar. Foram as filhas que fizeram sua inscrição no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e acompanharam os resultados.
Ele lembra que um dia, após chegar em casa, sentiu certa agitação, pois suas filhas não sabiam como contar sobre a aprovação para estudar Geografia na UFMT de Rondonópolis. Quando descobriu, de imediato aceitou ir morar sozinho na cidade. Deixou suas propriedades sob os cuidados da família, mas, depois de um tempo, conseguiu transferir o curso para Cuiabá.
Nesse período em que morou fora, houve alguns obstáculos. Entre eles, ter que dormir por mais de um ano em um posto de gasolina e ter toda a mobília de sua quitinete roubada. Além disso, para poder estudar, abriu mão de sua empresa que fabricava baterias para caminhão. Conta que o comércio tinha vários funcionários e um bom movimento, mas que não se arrepende de ter escolhido fechar as portas.
“Também surgiram imprevistos como greves e a pandemia. Foram mais de seis anos para eu me formar. Eu não esperava toda essa repercussão por causa da idade”, explica.
Atualmente, João ainda ganha a vida vendendo e consertando baterias de caminhões, mas atende a clientela em sua casa, na qual tem espaço para exercer o trabalho. Diz que é um ofício difícil, devido ao peso dos equipamentos e ao desgaste causado pelo chumbo, e que pretende encerrar as atividades ainda esse ano.
Além de geógrafo, é formado em Educação Física pela UFMT, mas exerce a profissão gratuitamente. Todo o trabalho que faz relacionado a esportes é prestado como serviço social.
“É um trabalho social com crianças e adolescentes. Trabalhei cinco anos no Mixto, nunca cobrei nada e fui muito bem tratado ensinando o pessoal a jogar bola. Depois, surgiu um convite do Mato Grosso de abrirmos uma escola. Fui pra lá e fiquei seis anos. Tudo gratuito, nunca cobrei nada”, conta.
Agora que encerrou o curso de Geografia, João trabalha socialmente no Bairro Cidade de Deus, em Várzea Grande, ensinando futebol a meninos de todas as idades.
“Não posso ir todos os dias, mas vou sábado e domingo de manhã. Dou aula para mais ou menos uns 40 meninos de todas as idades. Até quando chega alguém de idade mais avançada e quer treinar, vai treinar. É uma beleza”.
Para João, a educação física não está relacionada apenas a esportes, mas também com a inclusão social. Para ele, atividades esportivas devem ser acessíveis a todos.
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João em dia de final no Estádio Verdão
Ao ser questionado sobre qual o maior desafio que uma pessoa de mais idade pode enfrentar ao voltar para os estudos, João responde que é ter autoconfiança.
“O maior desafio é acreditar em si mesmo, porque você está dentro de uma sala de aula e se julga inferior em relação às pessoas que estão ali. Com o decorrer do tempo, você pega amizade com os jovens e eles te tratam como outro jovem. Acho que a descriminação está na própria cabeça da gente”, explica.
João também fala que é comum as pessoas de mais idade encontrarem dificuldades de relacionamento com colegas mais jovens na faculdade, mas que isso diminui com o tempo.
“Temos um pouco de rejeição na hora da escolha para fazer um trabalho. Ficamos um pouco de lado, mas sempre surge uma oportunidade de um ou outro, mas eu ficava avaliando nos dias de prova. Eu nunca era o pior da sala. Às vezes, alguém mais jovem tinha nota inferior a minha. Isso foi me animando, não me deixava parar”, relembra.
Em relação ao tratamento recebido dos professores, João não poupa elogios. Conta que, em raros casos, percebia alguma discriminação e, mesmo quando ocorria, era muito sutil.
“Às vezes, acontece até inconscientemente. A maior parte é muito qualificada e te trata com todo o carinho do mundo”.
Lembrou até mesmo do dia em que uma de suas professoras chamou discretamente a sua atenção, caso que ainda o arranca boas risadas.
“Teve dia de eu estar dormindo na sala de aula e, quando percebi, a professora estava do meu lado dando aula e falando bem alto para eu acordar. Ela não me chamou a atenção, mas eu percebi que ela fez aquilo para que eu acordasse. Foi fantástico”, sorri.
Quando João chegou na reta final do curso, sentiu a pressão diminuir um pouco com as matérias. Aproveitando a pequena folga, começou a estudar on-line Pedagogia pela Unopar, conciliando duas faculdades, trabalho e família. “Meu caminho é ser professor, não tem outro”, afirma.
A vontade de estudar Pedagogia foi inspirada pelo desejo de aprimorar o ensino e as relações com seus alunos de futebol.
Mesmo exercendo tantas atividades simultaneamente e com muitas conquistas recentes, João Zanutti não para de estabelecer objetivos. Conta que uma de suas vontades, atualmente, é espalhar a fé evangélica.
“Venho de uma família católica, mas sou novo convertido da assembleia. Meu objetivo futuro é ter um carro e sair pregando o evangelho, eu e a minha mulher. Ela não sabe disso, estou contando agora”.
Sua esposa, Aparecida, disse que foi pega de surpresa pela ideia, mas que gostou e pretende participar, pois adora viajar. Inclusive, a paixão por conhecer o mundo foi uma das razões que a fez estudar geografia.
João conta que tem uma visão diferente sobre sonhos. Para ele, sonhos podem acabar a qualquer momento e por isso ele prefere objetivos. Como não se cansa de aprender, sua última graduação o ensinou um grande princípio: a persistência.
“Você tem que ter objetivo na vida e seguir ele. Não começar e parar. Tem que ter planejamento. Você quer um objetivo, planeja do começo ao fim e segue”, comenta entusiasmado.
Ele explica que uma de suas maiores motivações são seus alunos de futebol, pois considera muito importante dar o exemplo para poder cobrar algo deles.
“O que me segurou na sala de aula foi justamente a molecada que eu treino, porque eu sempre os incentivava a estudar. Como é que vou chegar no campo e olhar para eles, falar para estudarem, sendo que eu estou correndo da faculdade?”, desabafa.
João Zanutti pode ser inspiração para muita gente, principalmente para pessoas de sua idade que duvidam do seu próprio potencial e têm medo de assumirem novos compromissos.
“Voltem para a escola, estudem, principalmente quem já que está em casa e aposentado. Eu trabalhava e estudava, não tem coisa melhor. Nós estamos vivos, você tem condição. Eu estava há 35 anos longe de uma sala de aula e consegui. Não sou melhor que ninguém, qualquer um pode”, entusiasma.
Além da motivação, João explica que manter a mente ativa traz diversos benefícios para a saúde.
“A partir do momento que você começa a estudar, tudo muda. Você fica mais ativo e hábil. O cérebro passa a trabalhar. Conversando com pessoas que não estudam, você percebe que elas têm dificuldade até de falar. Isso faz parte da nossa idade”.
Ele conta que a repercussão de ter terminado a faculdade já sendo idoso foi tão grande que alcançou pessoas de fora do Brasil, recebendo frequentemente mensagens de jovens que vão se matricular em algum curso e levam os pais para estudarem também.
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3 Comentário(s).
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Rosângela Rossi 21.08.22 11h27 | ||||
A sensibilidade como é retratada a historia de meu pai me impressiona, me emociona. Mas percebo quão gratificante pode ser uma experiência de vida determinada, guiada por objetivos sólidos e sociais, objetivos que vão além das conquistas pessoais. Que sua história de vida sirva de motivação e inspiração para tantas pessoas quanto seja possível, pessoas já cansadas pela rotina de trabalho necessraio que garantem minimamente apenas a subsistência das próprias famílias. Que sua trajetória sirva de gaz para mudar outras vidas vividas. | ||||
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Ana 21.08.22 10h12 | ||||
Otimo exemplo para as pessoas! Parabens, Sr. João! | ||||
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Dilsinho 21.08.22 09h28 | ||||
Exemplo e motivação. Parabéns pelas conquistas. | ||||
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