baia de chacororé

Um dos mais belos cartões postais de Mato Grosso, a Baía de Chacororé, no Pantanal, vive sua maior seca das últimas décadas. Imagens que circularam nos últimos dias mostram o local, que em período de chuva era um grande lençol d'água, transformado em um imenso pasto.
É comum haver períodos de baixa na região entre os meses de maio e outubro, por conta da escassez de chuvas. A partir de outubro, a frequência de precipitação é maior, fazendo com que o rios ganhem volume. No caso da baía, a água não está chegando até o final.
O engenheiro e professor aposentado da UFMT, Rubem Mauro Palma Moura, diz que a culpa desta escassez severa é da construção de uma estrada por parte da Prefeitura de Barão de Melgaço, onde está localizada a baía.
Ele explicou que, com o nível baixo de água durante a estiagem, era possível andar de carro nessa via de terra que era ao nível do solo. Porém, o poder público, há cinco anos, vem aterrando até que se transformou em uma estrada acima da água quando há cheia.
“Todo ano, na seca, eles vão aterrando. Até que agora chegou a um ponto em que é preciso tomar alguma providência. Não pode fazer uma obra dessas sem licenciamento ambiental. Você não pode fechar um corixo, isso é um crime ambiental”, afirmou o professor.
Essa estrada elevada impede a passagem de água do rio para a baía de Chacororé.
“Construíram uma estrada margeando o rio que deve ter uns 14 ou 15 quilômetros com aterro de um metro e meio de altura em determinados pontos. É um dique. Então a água não passa mais para lá”, denunciou Moura.
Sem a passagem de água, a fauna aquática deixa de existir. Os peixes, segundo o professor, não conseguem chegar até o Pantanal, que vai se deteriorando.
“Não passando água, não passa vida, não passa ova do peixe, não passa alevino, não passa o peixe adulto... Foi virando um ambiente morto e seco”, alertou Rubem.
Reprodução
Baía de Chacororé durante período de estiagem normal
Destruição de barragens e corixos
Além da estrada que margeia o curso da água, Moura também disse que ações de pescadores também contribuem com a destruição da baía. Porém, de acordo com ele, é um processo que já se estende por mais de 10 anos.
Abaixo da cidade, na margem esquerda do Rio Cuiabá, os pescadores começaram a impedir o escoamento da água para as baias de Chacororé e Siá Mariana por meio de construção de diques.
“Em seguida, fizeram um dos maiores crimes, fecharam os corixos. O corixo é um curso d’água, um recurso hídrico, que quando o rio começa a subir, por ele vaza essa água e inunda a planície pantaneira”, apontou o engenheiro.
Além disso, as barragens de pedras, que foram construídas há mais de 15 anos para minimizar a saída de água no encontro das baías no período de estiagem, foram destruídas pelos pescadores profissionais.
Para retirar o peixe com mais facilidade, segundo Moura, os pescadores abriram as barragens, diminuindo a altura da água e a dimensão da área alagada. Assim, fizeram com que concentrasse mais peixes em um espaço menor para jogar a rede.
“Eles usam rede de mais de mil metros de extensão”, afirmou.
Há pouco mais de 10 anos, foi construída uma nova barragem, com solo e pedras, para tentar impedir essa ação dos pescadores, mas, novamente, acabou sendo destruída.
“Foi pedra e solo e de uma largura muito grande, dava para andar de carro por cima dessa barragem. Nós achávamos que isso seria difícil dos predadores estragarem. Mas estragaram de novo”, comentou Moura.
Reprodução
Baía de Chacororé na cheia, com água chegando ao local
“Triste de se ver”
O dentista Rodrigo Vandoni, de 38 anos, cresceu frequentando a propriedade da família no local, que hoje ele aluga para temporadas, a Casa de Chacororé.
Ele relembra que o local era tomado por vida em abundância, durante sua infância. Ainda sem noção de proteção ambiental e piracema, ele contou que sua família costumava pescar na baía durante a cheia.
“No mês de novembro, dezembro, a baia já estava cheia, no período que os peixes estavam desovando. Lembro-me que não existia período de defeso, piracema, e era uma abundância de peixes. Tinha lambari, piraputanga...”, relembrou Rodrigo.
“A gente pescava muito um peixe chamado jiripoca, que é um bagre, um peixe que só fica em água muito limpa e com oxigenação boa. Hoje em dia a gente não consegue mais encontrar”, completou.
O dentista também costumava navegar com a família entre as baías de Chacororé e Siá Mariana durante todo o ano. Hoje, no entanto, com muito custo isso é possível durante a cheia.
“Lembro-me que o aniversário do meu avô era em setembro, o nosso barco grande ficava na água. Navegava o ano inteiro, às vezes com mais dificuldade, outras menos. Mas hoje em dia a gente só consegue navegar quando a baía está muito cheia”.
Rodrigo disse que ele e a família têm um carinho muito grande pela região e luta pela sua preservação. Para ele, encontrar o Pantanal nessa situação é de grande dor emocional.
“Era uma região muito linda, muito rica. Hoje é triste de se ver”, lamentou.
Outro lado
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) disse que o processo de seca da região das baías se dá pela obstrução dos corixos e destruição das barragens, seja pela ação humana ou pelo tempo.
No entanto, não comentou sobre a construção da estrada elevada, que o engenheiro aponta como principal contribuinte para a seca no local.
A Pasta disse ainda que já começou a refazer as barragens, mas os trabalhos foram interrompidos por conta das chuvas.
Leia a nota na íntegra:
Está em andamento na Baía de Chacororé, em Barão de Melgaço (113 km de Cuiabá), uma série de adequações para manter a planície alagada. A intervenção é feita com base nos estudos técnicos realizados pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) em 2020, e é acompanhada pelo órgão ambiental.
A secretária de Estado de Meio Ambiente, Mauren Lazzaretti, conta que entre as ações principais na região estão a desobstrução de canais que levam água para a baía e a reconstrução de barragens que mantêm a planície alagada.
“O que causa impacto de fato é a obstrução dos corixos que levam água, e dos barramentos que acabam sendo destruídos ou pela ação humana, ou pelo tempo. Estes barramentos devem ser sempre refeitos porque são de pedra, areia, e não podemos fazer uma barragem de concreto para preservarmos a localidade”, explica.
O relatório aponta que estes fatores exercem impacto negativo na região, e não estradas ou obras realizadas pelo Estado.
Em parceria com a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Sinfra), as ações começaram em novembro do ano passado com a limpeza da estrada que dá acesso à barragem. Mas, as ações tiveram de ser interrompidas em razão das fortes chuvas na região, o que inviabilizou a circulação dos maquinários pela estrada. O serviço deve ser retomado assim que as condições no local permitirem.
O relatório técnico indicando as ações a serem executadas no local foi elaborado em agosto de 2020, e tem sido utilizado como base para a execução do serviço de enrocamento (depósito de uma barreira de pedra), a fim de proteger a barragem contra efeitos erosivos causados pelos fluxos de água. O objetivo da intervenção é a preservação da biodiversidade no local.
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