Com gêmeos internados, mãe faz vaquinha e consegue R$ 40 mil

Na tentativa de ajudar no tratamento do filho de 20 anos, que precisou ser intubado por conta da Covid-19, a publicitária Célia Alves precisou comprar um medicamento que desapareceu das prateleiras e distribuidoras. Pela alta procura, o Tocilizumabe está sendo vendido por atravessadores. Por seis ampolas, ela pagou R$ 40 mil. 

Tudo isso com a ajuda de uma campanha na internet, que inicialmente era voltada aos parentes, mas que acabou viralizando.

João Antônio Fontella, que está intubado na UTI de um hospital particular, e o irmão gêmeo, João Gabriel Fontella, tiveram os sintomas da doença praticamente ao mesmo tempo.

Na quarta-feira (30), João Gabriel finalmente voltou para casa depois de dez dias internado na enfermaria. 

A situação de João Antônio, no entanto, ainda inspira cuidados. 

Ao MidiaNews, ela conta que a agressividade da Covid-19 nos filhos, principalmente no caso de João Antônio, surpreendeu a família. Os gêmeos são saudáveis, praticam esportes e não possuem comorbidades. 

É uma situação que realmente nunca se espera. É impressionante como eles ficaram cansados e debilitados

"A Covid-19 é muito incerta, foi tudo muito rápido. Um menino [João Antônio] de 20 anos, sem comorbidade, joga vôlei e não é sedentário. É uma situação que realmente nunca se espera. É impressionante como eles ficaram cansados e debilitados".

Eles foram internados com dois dias de diferença e Célia, que está grávida de quatro meses, se viu sozinha quando o marido e o filho mais velho também testaram positivo para a doença. 

O marido da publicitária chegou a tomar a primeira dose da vacina contra a Covid-19 por ser diabético. 

Por conta disso, ele não desenvolveu formas graves da doença, tendo apenas coriza e tosse. 

Célia também foi vacinada por estar grávida. Como não foi contaminada, a digital influencer, que divide sua rotina com quase 47 mil seguidores no Instagram, precisou se isolar da família. 

Para ela, foi um dos momentos mais difíceis. 

"Tento manter a calma, porque sei que o desespero não vai me ajudar. Ainda mais porque o nervosismo não prejudica só a mim, mas também ao bebê. Mas foi muito difícil não poder ver os gêmeos, ficar longe do meu filho mais velho e do meu marido". 

Medicamento em teste para casos graves 

A inciativa de usar o Tocilizumabe, que começou a ser testado em pacientes que que evoluíram para quadros graves da Covid-19, no caso de João Antônio surgiu pouco antes dele precisar ser intubado. 

Um estudo feito pela iniciativa Recovery, capitaneada pela Universidade Oxford, na Inglaterra, apontou que o medicamento pode reduzir a mortalidade em casos críticos da doença. 

O medicamento é utilizado por pessoas com artrite reumatóide. Apesar dos cientistas terem identificado pontos positivos do Tocilizumabe em casos graves da Covid-19, não há garantia de como cada organismo reagirá ao medicamento. 

"Conseguimos uma pessoa para vender, porque nas distribuidoras não encontramos. O remédio é vendido em ampolas, dependendo do peso do paciente. Meu filho precisaria de seis e o valor foi de R$ 40 mil". 

Reprodução

João Gabriel ficou internado na enfermaria e fez uso de oxigênio, mas recebeu alta ontem

A cunhada de Célia chegou a conseguir o medicamento pela metade do preço, mas com a venda agendada apenas para a tarde do dia seguinte.

Como o médico alertou que João Antônio não poderia esperar esse tempo, a família decidiu pagar pelo valor. 

Por conta do horário, o pagamento só foi possível através de várias transferências via Pix - que possui limite de R$ 1,5 mil por transação -, divididas entre vários familiares que se uniram para ajudar a publicitária. 

"Conseguimos transferir R$ 8 mil naquela noite. Falamos para ele [o vendedor] que era o que conseguíamos naquele momento e, como ele conhecia minha cunhada, aceitou aguardar o dia seguinte. Pegamos o remédio e levamos para o hospital naquele noite mesmo". 

O jovem acabou precisando ser intubado após a saturação chegar a 60% na manhã do dia seguinte. 

Os médicos, então, explicaram para Célia que o Tocilizumabe precisaria de 48 horas para fazer efeito e chega a ficar no organismo durante 11 dias. 

Para Célia, a dificuldade de encontrar o Tocilizumabe e o preço inflacionado é prejudicial não só para pacientes com Covid-19, mas também para as pessoas diagnosticadas com artrite reumatóide. 

"O alto custo está prejudicando as pessoas que poderiam se salvar tomando esse remédio. Como esses 'atravessadores' compram tudo que chega nas distribuidoras, as pessoas que têm artrite reumatóide, e precisam, não estão conseguindo comprar também. Recebi mensagens de pessoas que compraram cada ampola por R$ 22 mil. Imagina?". 

Corrente do bem 

No dia seguinte, 21 de junho, a família de João Antônio começou a pensar em possibilidades para quitar o restante da dívida do remédio. Foi então que a irmã de Célia pediu para que ela fizesse uma mensagem. 

O pedido de ajuda seria enviado apenas para os familiares e os amigos mais próximos. 

O texto escrito pela publicitária acabou viralizando em outros grupos de amigos e se espalhando. 

"Pensávamos em ver o que conseguiriamos de ajuda e tentar um empréstimo. Mas, graças a Deus, conseguimos todo o valor e até mais do que precisávamos no mesmo dia. Hoje estamos com uma reserva para conseguir pagar os outros custos que tivemos e que virão com o tratamento dos gêmeos". 

Como esses 'atravessadores' compram tudo que chega nas distribuidoras, as pessoas que tem artrite reumatóide e precisam, não estão conseguindo comprar

Até o dia 25, João Antônio fazia uso de 100% de oxigênio e, praticamente, já não conseguia respirar sozinho. Por conta de complicações no rim, o jovem ainda precisou passar por hemodiálise. 

Piora no quadro 

A gravidade do caso fez com que a médica intensivista alertasse para a necessidade de uma ECMO (Oxigenação Extracorpórea por Membrana). 

A técnica está sendo utilizada em pacientes com quadros graves de comprometimento do pulmão pela Covid-19 e consiste na retirada do sangue através de uma veia para uma bomba e por uma membrana artificial, que faz a função do pulmão.

Com isso, é possível elimintar o gás carbônico e oxigenar o sangue, que então é devolvido para o organismo. 

O procedimento não está sendo feito em Cuiabá e, por conta disso, Célia precisou entrar com uma liminar na Justiça para que a transferência e a ECMO sejam custeadas pelo Estado. 

A notícia foi um novo baque para a família, já que no começo do ano, o marido de Célia perdeu a mãe, que contraiu Covid-19 aos 68 anos. 

A expectativa, no entanto, é de que não seja necessário que o jovem passe pelo ECMO. Os níveis de oxigênio utilizados por João Antônio caíram para 50% e os médicos já começaram o "desmame" da sedação. 

"Caso ele continue assim, vamos conseguir que não precise da ECMO. Mas ainda é tudo muito preliminar, estamos super felizes com a evolução. Mas o caso dele ainda é muito grave". 

Mas os médicos acreditam que o Tocilizumabe influenciou na pequena melhora no quadro de João Antônio. 

"Estamos vendo os resultados agora. Ficamos praticamente uma semana sem piora. Agora tivemos a notícia de que o oxigênio usado diminuiu, então, acreditamos, sim, que pode ter sido o remédio. De seis pacientes tratados com ele pelo médicos, cinco não precisaram ser intubados". 

Mesmo após alta médica, tanto João Gabriel, que não precisou de UTI, quanto João Antônio, vão passar por acompanhamento médico por conta das sequelas deixadas pela Covid-19. 

Confiante na recuperação do jovem, Célia afirma que tenta não se desesperar. 

"Se Deus quiser em breve teremos boa notícias dele também".