Creche Vó Cristina 15-05-2019
Vivendo um dia de cada vez, a Creche Vó Cristina, localizada no Bairro Jardim Mossoró, em Cuiabá, luta para sobreviver com falta de alimentos e pessoas para ajudarem a cuidar de 77 crianças.
A casa não tem ajuda do Governo, nem da Prefeitura e conta com doações de voluntários para se manter.
Criada em 1985, a creche foi regularizada e hoje passa a ser uma associação que atende crianças de baixa renda de mais de seis bairros de Cuiabá e Várzea Grande. Todo o trabalho é realizado apenas por Vanildiely de Melo Silva, de 45 anos, mais conhecida como Jane.
Jane conta que é um desafio diário e uma responsabilidade imensurável tocar a creche sozinha. Ela até conta com alguns voluntários, porém são esporádicos, não há uma frequência assídua de ajudantes.
“Eu dependo dos voluntários. Se tiver voluntários, eles vão fazer uma limpeza, vão ensinar as crianças a fazerem uma tarefa. Eu não tenho uma regra diária. É meio que casa de vó. Não tem uma rotina, porque eu não tenho os voluntários para isso”, expõe.
Ela ainda afirma que não possui uma organização mensal dos mantimentos e materiais de higiene da associação. Jane aponta que quando percebe que vai faltar algum alimento, anuncia para os pais ou tira do próprio bolso.
“Faltam algumas coisas, mas nem na casa da gente tem tudo. Às vezes, acontece de faltar fralda. Quando falta alguma coisa, eu aviso para os pais. Quem tem a mais em casa, traz”, explica.
A coordenadora conta até mesmo com a sorte para conseguir pagar as contas de energia e gás.
“Toda vez que está para vencer a luz, alguém aparece oferecendo ajuda. Água é isenta. Já o gás eu sofri muito, mas agora temos um fogão à lenha. Pode acabar o gás a hora que quiser”.
Jane esclarece que não recebe doações em dinheiro, pois tem medo de não conseguir prestar contas.
Além disso, ela revela que já teve o nome da creche sendo usado em campanhas de arrecadação financeira, mas nunca viu o dinheiro.
“De repente alguém me conta que estão fazendo campanha para ajudar a creche, só que nunca chega. Eu sofro muito. Acontece muito isso. Ai as pessoas me perguntam sobre o dinheiro, mas não tem dinheiro e eu nem pego doação em dinheiro”, lamenta a cuidadora.
Ela também cobra uma taxa de R$ 100 na matrícula, porém não tem mais nenhum custo depois.
“Mas é só no primeiro mês que os pais ajudam, depois não tem mais nada. Não tem mensalidade. De vez em quando vem um pai com alguma doação”, afirma.
Com a frente fria que chegou à Capital, os menores precisam de agasalhos e fraldas. Além disso, Jane também aponta que falta arroz e leite para as refeições das crianças.
Alair Ribeiro/MidiaNews
Vanildiely de Melo Silva lamenta a falta de voluntários para ajudar nas tarefas diárias
Pobreza e violência
A coordenadora revela que as crianças atendidas pela Creche Vó Cristina vivem em situação de dificuldade financeira e até mesmo violência dentro de casa.
Jane conta que cinco irmãos eram violentados pelo pai e precisaram fugir de casa com a mãe.
“O pai judiava muito deles a ponto de eles chegarem com o nariz quebrado aqui e eu chamar a polícia”, relembra.
Certo dia ele morreu. No velório, a mais velha deu “graças a Deus” por não apanhar mais, conforme Vanildiely.
Depois, a mãe passou a se envolver com um ex-detento. O homem, então, começou a abusar das meninas.
“Isso me desgastava, eu ficava sem saber o que fazer. Até que um dia o homem enlouqueceu e ele quis matar a mãe. A mãe teve que fugir com as crianças”, relata.
Outro menino teve a mãe encontrada morta no córrego a poucos metros da creche. Por conta disso, ele ficou traumatizado.
“Você vê a carência dele. Ele tem uma alergia que aparece quando o emocional dele está abalado. Nesse dia das mães, na segunda-feira ele já chegou todo empolado. Ele chora muito”, afirma Jane.
Também existem crianças que foram abandonadas pelos pais e são criadas por outros parentes.
Trabalho árduo e amor
Vanildiely acorda todo dia às 4h. Ela começa com os afazeres de casa, às 6h20 a cuidadora já está na creche preparando o café da manhã das crianças, que é servido às 8h. Às 11h30 Jane já está com o almoço pronto. 15h os menores tem o lanche da tarde. Essa rotina é impecável.
“Tem a hora de eles irem para a escola, então você tem que estar com o almoço pronto. Mas ficam 35 na parte da manhã, na parte da tarde ficam umas 30 crianças”, explica.
Ela atende crianças de seis meses até 16 anos. A coordenadora já chegou a receber um bebê de dois meses.
Mesmo tendo resistido no começo, Jane se tornou uma verdadeira mãe para os menores. Quando não trabalha, ela fica pensando nas crianças.
Ela conta que tinha uma menina que estava doente, mas não conseguia tirá-la da cabeça. Depois da missa de domingo, ela saiu de Várzea Grande e foi até o Coxipó, em Cuiabá, para ver como a garota estava.
“A mãe estava na roda bebendo e a menina doente. Ai eu perguntei: ‘Vai levar a menina no hospital?’”, relata.
Quando ela chegou em casa, depois das 22h, foi chamada atenção pelo marido. Ele pede para ela se abstrair um pouco das responsabilidades, no entanto ela afirma não conseguir.
“Eu chego em casa e meu marido fala que eu tenho que entender que eu não sou mãe, sou só cuidadora, não tenho que pegar a responsabilidade para mim. Mas acabo sendo mãe”.
A coordenadora já dormiu três meses na creche com algumas crianças porque a mãe as abandonou e não tinham pai.
“Eu dormia aqui na creche para poder ficar com elas. Parece que é filho mesmo porque você fica desesperado”, desabafa.
Alair Ribeiro/MidiaNews
As crianças mais velhas ajudam a cuidar das mais novas
História de solidariedade
Vanildiely “herdou” a creche da sua avó, Cristina Pereira de Melo, que era missionária. Em 2012, Cristina foi internada no hospital com diversos problemas de saúde. A idosa então chamou seus três filhos e pediu que eles tocassem a creche para ela, porém eles se recusaram.
A avó então chamou Jane e fez o pedido para ela assumir a associação. Ela aceitou, porém achou que seria temporário, ela planejava cuidar das crianças por apenas seis meses.
“Eu falei para ela: ‘Vó, eu fico. Eu cuido das crianças até a senhora voltar’. Foi a pior besteira que eu fiz. Quando eu saí do hospital, ela entrou em coma. Ela estava só esperando alguém para assumir”, relembra.
No dia 12 de junho ela completa sete anos a frente da creche. No começo, a cuidadora revela que tinha medo, pois achava que era muita responsabilidade. Hoje, ela o trabalho se tornou sua vida.
Cristina veio de Goiás para Cuiabá e percebeu a necessidade de diversas mães em deixarem seus filhos com alguém para poderem trabalhar. A missionária então passou a acolher a criançada em sua casa.
Pouco depois, ela ganhou um terreno no Bairro Jardim Mossoró, onde fez a sede. Inicialmente, era um espaço improvisado para abrigar os menores, pois não tinha dinheiro para construir uma estrutura adequada.
“Quando ela ganhou esse terreno, ela fez tudo. Alguns pais ajudaram a limpar. Ela fez só uma taperinha. Ai as pessoas começaram a saber que ela estava cuidando de criança e vinha ajudar”, conta a neta.
Com isso, alguns doadores e voluntários foram construindo algumas peças. O primeiro cômodo que ela ganhou foi a cozinha, depois foi aumentando os espaços.
“Até hoje chegam pessoas que foram fazendo outras coisas. Cada pessoa que vem faz um pouco”, afirma Jane.
Na época, Cristina chegou a atender 115 crianças carentes. Assim como a neta, ela cuidava de tudo sozinha. Para conseguir dar conta das tarefas, a idealizadora começou a pedir para as crianças mais velhas a ajudarem a cuidar das menores. A creche tinha desde bebês de seis meses até adolescentes de 16 anos.
Quando Jane tomou a direção, ela decidiu fazer uma seleção e, de 115 crianças, ficou com apenas 50.
“Assumir a responsabilidade foi muito difícil. Eu já peguei 115 crianças de cara. Como eu sabia que ela já não ia mais voltar, eu comecei a selecionar porque tinha criança até de 16 anos. Eu fiquei só com os menores. Hoje os menores que eu peguei estão saindo agora com 15, 16 anos”.
A creche fica situada na Avenida B, número 345, no Bairro Jardim Mossoró, em Cuiabá.
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4 Comentário(s).
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| Flávia Faleiro 22.05.19 14h56 | ||||
| Olá boa tarde eu trabalho aqui na creche, como voluntária O contato é 65 99218-89-77 Flávia Jane 65 99240-78-18 | ||||
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| claudia 20.05.19 09h19 | ||||
| Qual o contato para quem pretende ajudar ? | ||||
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| Marcos 19.05.19 19h40 | ||||
| Linda história de uma pessoa iluminada e difícil de se encontrar hoje em dia. Parabéns pela atitude, empenho, dedicação e resiliência. que Deus te ajude e encontre alguma empresa solidária que assuma as despesas da creche! Torço por ti Jane. | ||||
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| Lidiane Seba 19.05.19 19h26 | ||||
| Gostaria do contato da diretora Jane, ou endereço exato da creche. Grata! | ||||
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