Produção agrícola sustentável - campo de milho

Encher o tanque de um carro em Mato Grosso é mais vantajoso com etanol do que com gasolina. Além da economia direta no bolso do motorista, a cadeia produtiva desse biocombustível gera empregos, impulsiona a indústria, fortalece o mercado local e posiciona o Estado como figura central em energia limpa no País.
O presidente da Unem (União Nacional do Etanol de Milho), Guilherme Nolasco, classifica Mato Grosso como o “protagonista” no setor.
Segundo Nolasco, nos últimos dez anos, o milho tem ganhado força como um dos principais insumos da produção.
“Mato Grosso é o maior produtor de etanol de milho do país, com mais de 60% da produção. O pioneiro, por onde tudo começou. Milho em quantidade, qualidade, preços competitivos e a distância aos portos e dificuldade de armazenamento proporcionaram uma grande atração a esse setor”, afirmou.
Segundo ele, o Estado foi um “case de sucesso” e a própria Unem surgiu aqui, em 2017 — mesmo ano em que foi inaugurada, em Lucas do Rio Verde, a primeira grande operação do Brasil dedicada exclusivamente à produção de etanol de milho. Antes disso, a partir de 2015, a produção era “flex”, combinando cana-de-açúcar e milho, em uma usina localizada em Campos de Júlio.
A partir de então, o setor cresceu e, nesta safra, que vai de abril de 2025 a março de 2026, a Unem projeta que a produção de etanol de milho no Brasil deve atingir 10 bilhões de litros, sendo que 6 bilhões sairão de Mato Grosso.
Atualmente, das 24 biorrefinarias em operação no país, 11 estão em território mato-grossense, distribuídas entre Sinop, Sorriso, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Nova Marilândia, Campos de Júlio, Campo Novo do Parecis, Diamantino e Primavera do Leste. Outras estão em construção em Itapurá, Canarana, Porto Alegre do Norte e Sinop.
Engrenagem de valor
O milho de segunda safra, antes mero coadjuvante da cultura da soja, assumiu um novo papel com a indústria do etanol. Os produtores ganharam “previsibilidade”, com usinas fazendo compras antecipadas de até dois anos e impulsionando a produção.
Victor Ostetti/MidiaNews
Plantação de milho pronta para a colheita à beira da estrada
“De 2017, quando inaugurou a primeira grande operação exclusiva ao etanol de milho, até 2024, a área de produção de milho de segunda safra cresceu mais de 50%”, disse Nolasco.
Mas o impacto vai muito além dos campos. Uma biorrefinaria que leva cerca de dois anos para ficar pronta, por exemplo, gera entre mil e 1,5 mil empregos diretos, impactando a dinâmica da cidade em que ela é construída.
“A cada emprego direto, você chega a gerar 13 indiretos. Toda essa cadeia de suprimento, serviços, infraestrutura e logística está vinculada a essa cadeia de negócios. É um impacto muito grande”, acrescentou Nolasco.
Além disso, do milho derivam também produtos como o DDG (Distillers Dried Grains), usado na ração animal, e o óleo de milho, representando uma redução de resíduos e o uso eficiente dos recursos.
“Aquele milho que iria embora em grão para gerar emprego em outro país se transforma em bioenergia que traz benefícios ao meio ambiente, em ração animal, em óleo para a nutrição humana e outras aplicações. Você tem geração de valor, de empregos, de renda e impostos. É um ciclo virtuoso, onde não conseguimos encontrar ainda quem sai perdendo”, afirmou.
"Até falta mão de obra"
A reportagem do MidiaNews esteve em Primavera do Leste, onde funciona uma biorrefinaria de etanol de milho operada pela empresa FS Bioenergia, e pôde confirmar que o impacto do setor não se restringe apenas ao campo.
Um operador de máquinas, que preferiu não se identificar, deixou o Maranhão para trabalhar na colheita de milho na cidade e disse que, nesta época, há serviço em diferentes áreas.
Victor Ostetti/MidiaNews
Milho durante colheita, no Município de Primavera do Leste
“A gente ouve que tem muita oportunidade aqui. Sou operador de máquina e sempre venho colher milho, operar a colheitadeira, mas tem gente que vem pra plantar e colher algodão também”, relatou.
Segundo ele, a estadia é por temporadas. O trabalhador passa dois meses em atividade e depois retorna ao seu estado, voltando novamente no período da colheita. “Aqui é fácil de ganhar dinheiro. Venho, fico um tempo e volto para lá. A gente gasta aqui, vai no mercado, no bar”, afirmou.
Um pedreiro, que também não quis se identificar, saiu do Paraná com a esposa em busca de emprego e se estabeleceu em Primavera. “Aqui construo de tudo. A cidade cresce todo dia, sempre tem casa nova sendo erguida, muita gente mudando para cá”.
Segundo ele, até falta mão de obra na região. “Tem mais obra que pedreiro. Estou feliz aqui, a cidade é boa e tem de tudo”, disse.
Do campo à bomba
Mato Grosso exporta etanol de milho de Norte a Sul do País e cerca de 20% da produção permanece no Estado. São dois tipos de etanol: o hidratado, destinado diretamente ao abastecimento nos postos, e o anidro, que é adicionado em 30% à gasolina.
Segundo a Seplag (Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão), o Governo do Estado economizou, em 2023, mais de R$ 9 milhões em combustível, abastecendo apenas com etanol os veículos flex. À época, dos mais de 3,7 mil veículos oficiais, cerca de 50%, utilizavam etanol.
A economia no bolso do consumidor final pode variar ao longo do ano, mas com uma conta rápida é possível verificar qual é a melhor opção. Dividindo o preço do litro de etanol pelo da gasolina, se o resultado for igual ou menor que 0,7 (70%), o etanol é mais vantajoso. Segundo Nolasco, em Mato Grosso compensa abastecer com etanol o ano todo.
Dados de janeiro de 2025, divulgados pelo Sindipetróleo (Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis de Mato Grosso), apontam preço médio de R$ 4,23 para o etanol e R$ 6,34 para a gasolina (66%) na região Centro-Oeste.
“Depois que ele sai da usina e vai para distribuidora, tudo é etanol. Milho ou cana, ele perde a identidade. O que a gente pode dizer é que Mato Grosso, por toda a sua produção, muito superior à sua demanda, tem o melhor nível de paridade, a maior diferença de preço em relação à gasolina”, explicou Nolasco.
Mais que uma alternativa
O professor titular do Instituto de Química da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Ailton José Terezo, explica que o processo se baseia na “conversão enzimática do amido presente nos grãos de milho” em glicose, seguida da fermentação por leveduras e, depois, da destilação.
Segundo o docente, os biocombustíveis como etanol e biodiesel têm vantagem significativa em relação aos combustíveis fósseis, cuja origem está na extração e destilação fracionada do petróleo. “Portanto, não são renováveis e são uma grande fonte de emissão de gases de efeito estufa”, afirmou.
Victor Ostetti/MidiaNews
Produção de milho ao lado de rio, equilíbrio entre o agro e a natureza
Ameaça ao etanol
O crescimento do mercado de carros elétricos no Brasil também entra no debate. Segundo a ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), entre janeiro e maio de 2025 foram comercializadas 71.324 unidades, uma alta de 19,5% em relação ao mesmo período do ano passado. Mas, na visão de especialistas, isso não representa uma ameaça ao etanol.
Segundo Ailton José Terezo, ambos são tecnologias complementares para substituir os veículos movidos à gasolina e óleo diesel. “No caso dos carros elétricos, ainda não estão claros os impactos do uso dos recursos minerais para produção de baterias, além do descarte e reciclagem das baterias usadas”, explicou.
Para Nolasco, dentro do “cardápio de opções de transição energética”, os carros elétricos terão seu nicho, mas o etanol é uma “solução pronta com uma rede de distribuição consolidada” e preço acessível a todos os bolsos. A análise, segundo ele, precisa levar em conta todo o ciclo de impacto.
“Quando você faz o conceito de avaliação do berço ao túmulo, ou seja, desde a geração de impacto ambiental da produção das peças do carro, da montagem, do uso e seu descarte no meio ambiente, o etanol é um combustível do futuro à disposição e tem o seu lugar garantido”, disse.
Mais barato, sustentável e produzido dentro de casa, o etanol de milho transformou Mato Grosso em um gigante da bioenergia.
“O que um litro de gasolina gera de emprego em Mato Grosso? O etanol é um combustível feito aqui, gerando riqueza aos municípios, ao Estado, e transformando essa riqueza em empregos. Além de ser mais barato, gera toda uma economia que movimenta o comércio, os serviços e a indústria. Não tem porquê Mato Grosso não abastecer com etanol”, finalizou Nolasco.
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