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Há 30 anos Grande Cuiabá sofria com "enchente dupla"; imagens

MidiaNews esmiuçou jornais da época para recordar o flagelo que atingiu a cidade em 1995

Maurício Barbant/Arquivo Público de Mato Grosso

Vista aérea de Cuiabá durante as enchentes de 1995

Vista aérea de Cuiabá durante as enchentes de 1995

ANGÉLICA CALLEJAS
DA REDAÇÃO

As tempestades que atingiram Cuiabá entre janeiro e o início de fevereiro trouxeram de volta o temor e a lembrança de grandes cheias que atingiram a cidade. Uma delas aconteceu há exatos 30 anos, deixando milhares de desabrigados. Nesta semana, o MidiaNews esmiuçou jornais da época para relembrar aquela que foi a segunda maior cheia do Rio Cuiabá, atrás apenas da catástrofe de 1974.

 

Na manhã de 9 de janeiro de 1995, uma segunda-feira, a imprensa da Capital estampava o temor com o nível do rio, que se aproximava da cota de alerta de 8,5 metros, e começava a transbordar sobre as casas dos ribeirinhos. O primeiro bairro da Capital a ser afetado foi o Praeiro. 

 

No dia seguinte, a reportagem principal do Jornal Diário de Cuiabá já falava de 191 famílias desabrigadas, número que representava cerca de mil pessoas, o que levou o prefeito à época, o coronel José Meirelles (PSDB), a decretar estado de emergência. 

 

Ailton Siqueira/Diário de Cuiabá, 10/01/1995

"Os desabrigados do Praeirinho, na manhã de ontem, trabalhavam para retirar móveis e aparelhos das casas atingidas pela água"

"O nível do rio Cuiabá chegou a 8,96 metros às 17 horas de ontem e ainda hoje pode atingir a marca de 9,5 metros, pouco menos de um metro do nível registrado em 1974, quando o rio viveu a maior cheia de sua história", começava a chamada da reportagem do Diário.

 

Em Várzea Grande, o cenário era pior. A informação era de que ao menos 12 bairros haviam sido atingidos, tirando 3 mil moradores de suas casas. A principal região tomada pela água foi o Cristo Rei, onde se localizava o bairro Santa Luzia, que teve 70% do seu perímetro alagado.

 

"A situação já é de desespero total", escreveu o jornal abaixo da foto que ilustra uma matéria da repórter Sandra Carvalho publicada em 11 de janeiro, sobre a possibilidade de o rio atingir 11 metros, devido às incessantes chuvas na cabeceira.

 

Naquele dia, eram contabilizados 1.226 desabrigados. Já em 12 de janeiro, o número subiu para 1.586, sendo registrado mais que o dobro de desabrigados em uma das regiões da cidade em comparação com o dia anterior. Entretanto, a notícia principal era de que as chuvas tinham cessado em Rosário Oeste, onde fica uma das cabeceiras do rio Cuiabá. 

 

Apesar disso, o estrago na Capital ainda assustava. Ao menos dez bairros ficaram inundados pela enchente, que avançava cada vez mais.

 

A legenda que acompanhava uma foto aérea que mostrava parte da extensão do rio, ladeado pelas casas ribeirinhas engolidas pela água, trazia o fantasma da catástrofe climática de 1974. "Há exatamente 20 anos Cuiabá não sofria uma enchente como esta, que deixasse desabrigados e provocasse tantos estranhos. Só em 1974", dizia o jornal.

 

"No bairro Santa Isabel, a situação é lastimável. Algumas casas foram totalmente destruídas, enquanto outras estão com água até o teto, deixando mais de 35 famílias desabrigadas. A preocupação dos moradores é com a recuperação dos imóveis após a enchente e com as doenças que poderão assolar os moradores".

 

Ailton Siqueira/Diário de Cuiabá, 12/01/1995

Há exatamente 20 anos Cuiabá não sofria uma enchente como esta, que deixasse desabrigados e provocasse tantos estranhos. Só em 1974

"Há exatamente 20 anos Cuiabá não sofria uma enchente como esta, que deixasse desabrigados e provocasse tantos estranhos. Só em 1974"

Em outra reportagem, o jornal informava sobre a situação em Várzea Grande. Uma vistoria do Corpo de Bombeiros expôs o cenário crítico das vítimas da região de Bom Sucesso, que estavam sem estoque de alimentos. 

 

No Cohab Santa Clara, vizinho ao Santa Luzia, centenas de moradores que ainda pagavam por seus imóveis recém-adquiridos viviam o martírio da indecisão de abandonar ou não seus lares.

 

Na sexta-feira, 13 de janeiro, o governador à época, Dante de Oliveira (PSDB), foi atendido pelo Governo Federal, que enviou um helicóptero e uma equipe de salvamento do Ministério da Aeronáutica para auxiliar na retirada dos desabrigados, que já somavam 1.736 pessoas. 

 

Dante se queixava do fato de não haver nenhum helicóptero no Estado. "Parece absurdo mas não há em Mato Grosso nenhum helicóptero, público ou particular", reclamou o governador.

 

A previsão

 

No mesmo dia, o períodico noticiou que a cheia tinha sido prevista três meses antes, em setembro de 1994, pelo engenheiro Domingos Iglésias Valerio, coordenador especial de operações da Defesa Civil do Estado. 

 

Segundo a reportagem, Domingos Iglésias havia informado a possibilidade ao órgão após analisar dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) e do Ciagro (Centro Integrado de Informações Agrometeorológicas).

 

"Hoje, os dados meteorológicos confirmam a previsão do engenheiro. Apenas nos dez primeiros dias deste mês, choveu em Cuiabá 161 milímetros, contra os 72,3 registrados no mesmo período no ano passado", consta na reportagem de 13 de janeiro.

 

Nos dias seguintes, o jornal informava o recuo do nível do rio Cuiabá e trazia um balanço da enchente, além de informar que parte dos moradores estava autorizada a retornar para suas casas.

 

"Nos bairros, muitas casas já estão livres das águas e os moradores demonstram interesse em retornar. O Praeirinho e o bairro São Matheus foram os mais prejudicados pela catástrofe, a maior dos últimos vinte anos".

 

O segundo transbordo

 

Ainda se recuperando do trauma, a população da Grande Cuiabá foi novamente flagelada com uma segunda enchente em menos de um mês. Dessa vez, o rio Coxipó também transbordou, atingindo moradores da região da Chácara dos Pinheiros. A força das águas ainda levou a ponte de ferro construída sobre o rio.

 

"Quando o nível do rio Cuiabá começou a baixar, na enchente de janeiro passado, tanto as Coordenadorias Estadual e Municipal de Defesa Civil orientaram os ribeirinhos para não retornarem às suas casas porque os riscos continuariam até o final do período chuvoso [...]", relatava o Diário de Cuiabá.

 

"Os desabrigados, no entanto, fecharam os olhos para as orientações e, por conta própria, retornaram às suas casas, se esquecendo de que em breve o rio poderia voltar a encher. [...] O rio encheu novamente e os desabrigados - ainda não há um levantamento de quantas famílias já foram vitimadas - começaram a retirar seus pertences".

 

No dia seguinte, o nível do rio Cuiabá chegou a 10,48 metros, e a manchete era: "Governo decreta estado de emergência; já são 25 mil os desabrigados em MT". Em Cuiabá e Várzea Grande, casas, comércios e indústrias foram tomados pelas águas, que começaram a ter problemas no fornecimento de água potável.

 

Além disso, quatro pontes importantes no tráfego dos municípios, a Júlio Muller, Ponte Nova, Mário Andreazza e a Ponte do Coxipó sofreram interdição parcial ou total, gerando mais transtornos.

 

Dessa vez, o balanço de desabrigados foi alarmante. Somente em Cuiabá e em Várzea Grande chegou a 32 mil, segundo o coordenador especial de operações da Defesa Civil do Estado à época.

 

Diário de Cuiabá, 16 de janeiro de 1995

Banner informativo sobre prevenção das doenças no período da enchente

Banner informativo sobre prevenção das doenças no período da enchente

O perigo das doenças

 

Uma das reportagens de saúde da publicação dia 13 de fevereiro trazia a denúncia sobre a má gestão das unidades de saúde da Capital e a preocupação com o aparecimento de doenças resultantes das enchentes.

 

"Febre tifóide, hepatite B e D, leptospirose, febre amarela, malária falciparum (que causa morte) além da intensificação da meningite com o risco eminente do aparecimento do dengue hemorrágico são alguns dos males que vão proliferar na cidade depois que a chuva fez emergir as águas dos esgotos, acentuando a situação de despreparo sanitário de Cuiabá", dizia o jornal.

 

"Nas policlínicas do CPA 1, falta tudo e na do Verdão, onde há incidência da dengue, e no Centro de Saúde do Planalto a situação também é a mesma". 

 

Já na publicação de 16 de janeiro, o tema voltou a ser foco diante da liberação das casas e do retorno dos moradores aos bairros desolados.

 

"Nas ruas inundadas do bairro Praeirinho, além da fedentina que impera principalmente no canal, toneladas de lixo estão obstruindo esgotos, prejudicando dessa maneira, o escoamento das águas que formam poças de lama".

 

No dia 18 de janeiro, o Diário de Cuiabá traz a primeira morte por leptospirose na Capital. 

 

Destruição das casas ribeirinhas

 

A enchente evidenciou o problema estrutural das casas construídas próximas ao rio Cuiabá, na extensão da Avenida Beira Rio. Diante disso, José Meirelles anunciou um plano de demolição, que seria iniciado quando as águas baixassem. A estratégia foi a mesma adotada na enchente de 1974, que inundou por completo o bairro Terceiro. 

 

Naquela época, o então governador José Fragelli determinou o patrolamento de todo o bairro, a fim de evitar a reconstrução das casas. Anos depois, entretanto, o local voltou a ser moradia de milhares de cuiabanos.

 

"Na Prefeitura de Cuiabá já existe um projeto de reurbanização das margens do rio Cuiabá, a começar pela Avenida Beira Rio, na altura da Feira do Porto. O projeto prevê a construção de calçadões e o reflorestamento da margem que hoje pode ser comparada a uma favela", revelava o Diário.

 

As primeiras demolições ocorreram no dia 18 de janeiro, quando dez barracos na praça Luiz de Albuquerque, às margens do rio, foram destruídos pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, no que foi chamado de "operação de emergência".

 

Anos depois, a construção da Usina de Manso conseguiu regular e impedir as cheias no Cuiabá. Apesar disso, a cidade ainda tem milhares de pessoas vivendo em áreas de risco à beira de córregos.

 

 

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Victor Ostetti/MidiaNews

Scans jornais enxentes

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Maurício Barbant/Arquivo Público de Mato Grosso

Enchente de 1995 do Rio Cuiabá

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Enchente de 1995 do Rio Cuiabá

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Enchente de 1995 do Rio Cuiabá

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Enchente de 1995 do Rio Cuiabá

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Enchente de 1995 do Rio Cuiabá

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Enchente de 1995 do Rio Cuiabá

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Enchente de 1995 do Rio Cuiabá

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Enchente de 1995 do Rio Cuiabá




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4 Comentário(s).

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Christian Silva  17.02.25 07h05
Nas imagens, na capa de um jornal, trás a Noticia que a FNS esta preocupada com a Dengue...Será que aprendemos? Estado também esta fazendo sua parte? ou esta somente preocupado?
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Nilson Cella   16.02.25 13h05
Toda essa tragédia poderia apesar de toda destruição e sofrimento, o roteiro de um filme, Baseado em fatos reais.... Muito triste isso 😞😞
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ANDERSON DOUGLAS MINARI  16.02.25 11h13
Poderia falar da maior enchente do Rio Vermelho em Rondonopolis seria uma otima materia muita gente nao sabe eu com 33 anos de Rondonopolis nao sei o ano certo só Boatos obrigado
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Robélio Orbe  16.02.25 10h11
A nossa querida "Cidade Verde" foi abençoada pela Usina do Manso, protejendo-a do que seria a maior enchete da sua história, maior do que a de 1974.
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