Mudança de hábitos, de rotina, de endereço. Essas são algumas das "saídas" usadas pelas pessoas para retomarem as suas vidas após serem vítimas da violência urbana e se encontrarem acuadas pelo medo e pela insegurança. O crime está mudando o estilo dos brasileiros e, em Cuiabá, a realidade não é diferente.
Uma pesquisa, encomendada pelo Ministério da Justiça e publicada pela revista Veja, mostra como o comportamento dos moradores das 27 capitais do país mudou por causa da violência.
Na Capital de Mato Grosso, os sinais da insegurança se refletem claramente quando 72,7% dos moradores entrevistados declararam evitar sair à noite, ou chegar muito tarde em casa, por medo dos altos índices de criminalidade.
Além disso, os cuiabanos estão em 6º lugar no ranking da pesquisa quando a pergunta é sobre deixar de ir a certos bancos, e caixas eletrônicos, por causa da criminalidade: 59,2% responderam que sim.
Essa porcentagem é ainda maior, e chega a 62,6%, quando os entrevistados foram questionados se deixaram de frequentar certos locais da cidade, ou de ir a determinados bairros, por causa da violência.
"Aqui, 60% dos crimes contra a vida são praticados ou sofridos por jovens"
"Reclusão"
Para o coordenador do Núcleo Interinstitucional de Estudo da Violência e da Cidadania da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o sociólogo Naldson Ramos, o reflexo do medo pode ser notado claramente nos moradores da Grande Cuiabá, que passaram a optar, cada vez mais, pela reclusão em detrimento dos relacionamentos externos.
Em entrevista ao MidiaNews, ele afirmou que os cuiabanos passaram a fazer de suas residências verdadeiras “fortalezas”, recorrendo desde a instalação de cercas elétricas a circuitos internos de segurança, não medindo esforços na hora de transformar o seu lar em um lugar mais seguro.
“A classe média C, quando constrói a sua residência, a primeira coisa que faz é erguer muros e instalar cerca elétrica. As classes médias A e B instalam circuito interno de segurança, contratam vigias e até mesmo instalam guaritas, optam por um sistema de segurança muito mais sofisticado”, afirmou.
Ele comentou que, ao fazer isso, e deixarem de sair de casa, as pessoas acabam distorcendo a concepção de segurança, que deveria, por lei, ser fornecida pelo Estado. Isso quando não buscam se armar sem critério, na ilusão de que, portando um revólver, estarão mais seguras em um confronto direto com um criminoso.
"Você se fecha e a segurança, que é pública e é direito do cidadão, dever do estado e responsabilidade de todos, passou a ser responsabilidade só do cidadão."
“Você se fecha e a segurança, que é pública e é direito do cidadão, dever do estado e responsabilidade de todos, passou a ser responsabilidade só do cidadão. Ele acaba ficando recluso. Essa reclusão tira de nós, seres humanos, aquilo que tem sentido para a nossa vida, que são as relações humanas, a convivência com o outro, respeitando as regras. Como sabemos que muitas vezes as regras são desrespeitadas, ficamos reclusos”, disse.
Medo: consequência da informação
Ramos explicou que a mudança de comportamento, antes de ser ditada por um aumento no índice de criminalidade, é resultado também da evolução dos meios de comunicação, que hoje tem um poder de alcance muito maior para a divulgação do que acontece em locais extremos da cidade, levando, assim, o medo para mais próximo do cidadão.
“Não estou querendo dizer que a violência é culpa da imprensa, ou da forma como os veículos de comunicação a trata. O que eu quero observar é que a população hoje está muito mais informada do que há 30 anos. Naquela época, havia assassinatos, estupros e crimes bárbaros, mas eles ficavam restritos a uma comunidade menor, onde ocorria o fato, e não causavam uma sensação de insegurança muito grande na sociedade”, afirmou.
Segundo ele, a evolução dos meios de comunicação e dos aparatos tecnológicos de informação fez com que a criminalidade fosse difundida para todos os bairros, não existindo mais um território onde o cidadão possa se sentir 100% seguro.
Ramos argumentou que, antes, a criminalidade estava vinculada aos bairros periféricos, e a percepção da violência era muito menor.
“As pessoas passaram a se relacionar muito mais. Toda essa informação passa uma imagem de que a violência é muito grande e aí a população começa a mudar os seus hábitos por medo. E, às vezes, é um medo exagerado em relação a essa violência”, afirmou.
O sociólogo respalda seu argumento em números, se baseando em uma estatística recém-divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de que os crimes contra a vida resultam em uma taxa de até 10%, sendo que a taxa nacional de homicídios gira em torno de 5%.
Apesar do baixo índice nacional, estes seriam os crimes mais explorados pela imprensa, por causar uma comoção maior na sociedade.
“O crime contra o patrimônio lhe deixa indignado, mas você se consola. Agora os crimes contra a vida, que são muito explorados pelos meios de comunicação, são os que causam a comoção. Por isso, eu começo a mudar os meus hábitos”, disse.
Para Naldson, a globalização do crime resultou em uma “globalização do medo”.
"O crime contra o patrimônio lhe deixa indignado, mas você se consola. Agora o crime contra a vida é o que causa comoção."
“É uma transformação que nós tivemos no mundo contemporâneo, decorrente de todo esse processo de globalização do crime e do medo, o que, de certa forma, colocou em xeque o nosso sistema de justiça criminal, com esse código de 1940, e o nosso modelo antigo de polícia, que não dá conta de reduzir esses índices de violência e acabar com a sensação de medo e insegurança da sociedade”, explicou.
Juventude perdida
De acordo com a pesquisa do Ministério da Justiça, nos últimos anos a criminalidade no Brasil tem se concentrado na população mais jovem, de até 25 anos, onde ocorre a maior parte dos homicídios.
Apesar de o país ter evoluído e registrado uma queda acentuada dos assassinatos e um aumento considerável dos crimes contra o patrimônio, são os jovens que, em sua maioria, participam dessas atividades ilícitas, fato que também se reflete na Capital mato-grossense.
Segundo Ramos, os crimes contra a vida, como homicídios e tentativas de assassinato, são os que mais causam indignação na sociedade e, também em Cuiabá, são praticados por um percentual da população que deveria ser geradora de renda no Estado.
“Aqui, 60% dos crimes contra a vida são praticados ou sofridos por jovens na faixa etária que vai dos 12 aos 30 anos de idade, que seria a fase mais produtiva da sociedade”, disse.
Segundo ele, nessa idade eles estão morrendo em confrontos com a polícia ou entre si, isso quando não acabam sendo recolhidos pelo Estado e passam pelo frágil sistema socioeducativo, quando menores de idade, voltando às prisões, ao atingirem a maioridade. A sociedade estaria, então, praticando um verdadeiro “genocídio” da população mais jovem.
Thiago Bergamasco/MidiaNews "O crime contra o patrimônio lhe deixa indignado, mas você se consola"
Fragilidade do sistema
Para Ramos, o imediatismo e a necessidade de consumo são os grandes motivadores dos jovens a ingressarem na criminalidade, sendo o verdadeiro “câncer” a ser tratado e curado pelos governantes e pela sociedade.
“Os jovens são as pessoas que estão mais suscetíveis a sentir esses apelos para praticar esses atos ilícitos, porque eles têm pressa, querem para hoje, eles não tem perspectiva de construir uma carreira. Ele quer um celular, um novo tênis ou sair para a balada, mas não tem dinheiro. Os amigos, os companheiros, são as referências dele e também estão prontos para entrar no esquema. Aí, eles se encontram com os adultos, que se aproveitam do Estatuto do Menor para colocar o mais jovem para empunhar a arma”, argumentou.
Ele pontuou ainda que o sistema socioeducativo é falho e não auxilia na recuperação desses jovens, o que acaba criando um ciclo vicioso.
Solução
Os pesquisadores defendem que as autoridades políticas, civis e judiciárias, junto com os movimentos acadêmicos e sócias, façam uma reavaliação do sistema de controle social. Para Ramos, é necessário não só reformar o Código Penal, a polícia, o judiciário e o sistema penitenciário, mas focar também na elaboração e implantação de políticas públicas que valorizem a vida, a educação, o lazer e a cultura.
“Não adianta você criar um modelo de tolerância zero, porque você está trabalhando sobre os efeitos do problema, você só está encarcerando, não está resolvendo o problema para que a pessoa não vá para a marginalidade. Não está dando escola, não está dando emprego, não está dando a qualificação adequada. Isso não resolve nada. Você vai ficar enxugando gelo. Ou seja, para você acabar com a praga, você precisa ir à rainha, que está produzindo os filhotes. A rainha, eu diria, que é a nossa sociedade, que está doente”, criticou.
Ramos defende que a sociedade abandone o medo e provoque o governo, para que as mudanças sejam feitas.
“Tem que perder o medo e a insegurança e cobrar das autoridades as transformações necessárias. Mais polícia, mais segurança? Tudo bem. Mas também mais políticas públicas, mais escolas, mais iluminação pública, saneamento, esporte e lazer para os nossos jovens não se perderem nas drogas. E não apenas mais polícia, mais penas, mais prisões, porque essa fórmula já se mostrou caduca e não faz o efeito que se espera dela”, afirmou.
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10 Comentário(s).
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manoel rosa 31.07.12 08h37 | ||||
Parabéns pela reportagem e pela escolha do brilhante professor Naldson, pois o assunto é muito polêmico e precisa sim ser discutido com quem entende para que a sociedade tenha um entendimento mais apurado sobre a violência em nosso estado e afirmo que para controlá-la é necessário que os operadores da segurança pública saiam da falácia e passem a aplicar ações proativas em beneficio da sociedade. | ||||
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RAIMUNDO 30.07.12 13h11 | ||||
Quando esse senhor era funcionario da secretaria de Segurança e JUstiça, não fez nada para melhorar, e agora vem pouzando de vitima e contra o sistema onde foi omisso. | ||||
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Andre Silva 30.07.12 12h10 | ||||
Eu vejo sempre as pessoas dizendo que pra acabar com a violencia é preciso mais policia nas ruas. Nao concordo. DO QUE ADIANTA 100000000 DE POLICIAIS NA RUA se quando levam presos, a JUSTICA É OBRIGADA A SOLTAR PORQUE A LEI ASSIM DETERMINA. Podem colocar 100000000 policiais nas ruas que vai é aumentar a criminalidade porque o bandido ai sim sendo varias vezes mais presos vai perceber que IMPERA A IMPUNIDADE NO BRASIL POR CAUSA DAS LEIS. O que deve ser feito é acbar com essa corja de politicos que nao fazem nada pra mudarem as leis, porque se mudar a lei eles mesmos é que vao presos. | ||||
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pedro 30.07.12 11h58 | ||||
o problema de diminuur a criminalidade esta nas maos de nossos governantes, o que eles fazem ? eu não estou vendo nada.... | ||||
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mario tenuta 30.07.12 07h38 | ||||
tem que ter policia na rua, pois com a presença da policia os bandidos não assaltam...centro e bairros.. | ||||
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