Cuiabá, Sábado, 9 de Agosto de 2025
O REI DA NOITE
18.08.2019 | 08h20 Tamanho do texto A- A+

O libanês que reinventou a vida noturna e gastronômica de Cuiabá

Sami Kassab criou ícones como o Dimpu's, Over Night, Caneco 90 e Ópera Pub, e revolucionou a Capital

Alair Ribeiro/MidiaNews

Sami Maluf Kassab, visão e empreendedorismo mudaram a noite de Cuiabá

Sami Maluf Kassab, visão e empreendedorismo mudaram a noite de Cuiabá

BRUNA BARBOSA
DA REDAÇÃO

Um personagem que veio do Líbano teve um papel fundamental na vida noturna e gastronômica de Cuiabá.

 

Fugindo da guerra civil de seu país, em 1981, Sami Maluf Kassab chegou à Capital, aos 16 anos. Mais tarde, ele abriria algumas das principais casas noturnas da cidade entre os anos 80 e 90.

 

Sami esteve à frente, entre outros empreendimentos, do restaurante  Dimpu's, do american bar Over Night, da choperia Caneco 90, do Ópera Pub, e do Armazén, em Chapada dos Guimarães (veja fotos na galeria).

 

Inquieto e visionário, em 1985 ele e o irmão, Joseph Kassab, já haviam aberto o primeiro restaurante à la carte climatizado da Capital, o Dimpu´s.

 

Este foi apenas um dos empreendimentos de Sami, hoje com 55 anos. No total, aquele que um dia foi o "Rei da Noite" cuiabana teve 11 estabelecimentos entre bares e casas noturnas que marcaram gerações na cidade. 

 

"Acho que prefiro ser chamado de príncipe da noite", brinca Sami.

 

"Cuiabá não tinha aquelas 'coisas'. Abrimos o primeiro restaurante com ar-condicionado, a primeira pizzaria com profissionais de São Paulo. Nós ofericiamos um bom trabalho e uma boa comida. Isso marca realmente na lembrança. As pessoas me encontram e lembram das boates até hoje", orgulha-se. 

 

Alair Ribeiro/MidiaNews

Sami Kassab

 Fachada da casa de sinuca criada por Sami, na Avenida do CPA, em Cuiabá

Sami é apaixonado pela noite, assunto que faz com que seus olhos brilhem e o sorriso tome conta do rosto. Bem humorado, explica que na noite é possível conhecer a "essência das pessoas" e não a "máscara" que elas colocam para lidar com a rotina do dia-a-dia. 

 

"Acompanhei três gerações de cuiabanos diferentes. O Caneco 90 ficou conhecido como 'casa dos viajantes', porque as pessoas chegavam em Cuiabá e queriam sair para se divertir e conhecer gente nova. Vi muitos começarem a vida aqui, personalidades, médicos, engenheiros e políticos", conta. 

 

Para Sami, um empreendedor já nasce com a necessidade de propor novidades. 

 

"Acho que a pessoa não consegue parar [de empreender]. Sou um cara hiperativo, então minha mente está sempre trabalhando e buscando criar coisas novas", diz. 

 

Aposta na Avenida do CPA 

 

Depois de chegar a Cuiabá, Sami e o irmão decidiram procurar por um espaço para começar a empreender.

 

Decidiram abrir um restaurante, o Dimpu's, o primeiro à la carte da Capital. E a escolha foi arriscada: a Avenida do CPA, hoje repleta de prédios comerciais, lanchonetes e postos de gasolina, mas que na época era praticamente vazia. 

 

Apostando na ousadia, Sami resolveu climatizar o restaurante, que foi o primeiro a oferecer salão com ar-condicionado aos clientes. 

 

"Nossa proposta era fazer um à la carte diferente, com ar-condicionado. Naquela época não existiam ambientes climatizados. Acharam que nós éramos meio doidos de abrir um restaurante assim. As pessoas não estavam acostumadas. Realmente, ficamos com medo de estar fazendo a coisa errada", revela. 

 

Para arriscar com segurança, ao lado do restaurante à la carte, Sami também decidiu abrir uma pizzaria. "Se uma não desse certo, a outra daria", relembra, sorrindo. "Mas foi o contrário: os dois lugares foram sucesso total, lotavam todos os dias. Foi onde tudo começou", disse. 

  

Acompanhei umas três gerações de cuiabanos diferentes. Vi muitos começarem a vida aqui, personalidades, médicos, engenheiros e políticos"

 

O restaurante e a pizzaria foram um sucesso entre os cuiabanos e, como começou a trabalhar muito cedo, Sami decidiu realizar o sonho de estudar Arquitetura no Rio de Janeiro.

 

Ele não chegou a concluir o curso, e descobriu que sua paixão estava mesmo em ousar na criação dos próprios estabelecimentos. Chegou a se envolver com arte e teatro enquanto morava no Rio, conhecimento que o fez ter vontade de investir em espaços culturais. 

 

Enquanto estava na Cidade Maravilhosa, o empresário não deixou de empreender na noite cuiabana. Transformou a parte de restaurante à la carte do Dimpu's, em uma casa de sinuca, a Tati Snooker, que seguia uma tendência de estabelecimentos do tipo, com mesas de sinuca com madeiras trabalhadas em ambientes sofisticados. 

 

Dentro do mesmo espaço, Sami também investiu em um american bar, onde eram servidos coquetéis. O clima da casa era intimista, com música ambiente no piano e saxofone. 

 

"Virou lugar de encontro de 'namoradinhos'. Naquela época era um refúgio à meia luz para os casais. Foi quando parti para outra ideia: fazer o american bar em outro lugar, fora da casa de sinuca, porque as pessoas estavam inibidas. Ali geralmente havia muitos homens jogando", conta. 

 

Piano e saxofone

 

Certa vez ele precisou pagar uma conta em uma agência vip do já extinto Bemat, que até então ficava em um prédio comercial próximo à sede da Polícia Federal, na Avenida do CPA. 

 

Quando entrou no local, Sami reparou em sua arquitetura diferente e teve um estalo criativo. Em seguida, decidiu que abriria ali um american bar.

 

Assim nascia o Over Night, nome que se referia a uma operação bancária, um dos poucos investimentos seguros nos anos 80, época de inflação desenfreada. 

 

"Também me chamaram de louco por fazer um bar dentro de um prédio comercial. Mas foi um sucesso. Tive a 'sacada' de colocar o nome da aplicação noturna feita pelos bancos. Começou com piano e saxofone, era uma coisa mais lounge", lembra. 

 

Sobrevivendo ao "Plano Collor "

 

Alair Ribeiro/MidiaNews

Sami Kassab

Uma das festas promovidas no primeiro restaurante climatizado de Cuiabá

Há 29 anos, o então presidente Fernando Collor de Mello anunciava que confiscaria, por 18 meses, o dinheiro depositado nas poupanças. A medida fazia parte do pacote econômico editado por ele um dia após a posse, conhecido como "Plano Collor". Com o dinheiro congelado, muitos foram à bancarrota no Brasil.

 

Sami se lembra até hoje como a medida afetou seus negócios. Como os cuiabanos estavam sem dinheiro, precisou reinventar a Over Night. 

 

"O Collor bloqueou toda a grana, foi horrível. Os gastos supérfluos foram os primeiros a serem atingidos, porque ninguém mais tinha dinheiro. Entrei em desespero, porque a Over Night era praticamente nova", conta. 

 

Sami então decidiu transformar o american bar em um dancing bar, já que, na época faltavam estabelecimentos para pessoas que gostavam de sair a noite para dançar. O empresário precisou vender o carro para investir em som e iluminação. 

 

"Foi maravilhoso. Na hora em que transformei a casa, as pessoas voltaram 'com força'. Foram seis anos de sucesso, o lugar lotava. Cabiam pouco mais de 80 pessoas sentadas, mas a casa chegava a ter 600 por noite. Realmente foi uma época muito boa", lembra. 

 

Na década de 90 ainda não existiam DJs em Cuiabá, razão pela qual Sami precisava se esforçar para levar músicas diferentes para a boate. Durante passagens em festas em São Paulo, ele ficava antenado no repertório. 

 

Sami conta que costumava sair com até quatro fitas cassetes das festas na capital paulista, onde pedia que os DJs gravassem as músicas para ele. 

 

"Em São Paulo me davam dicas de onde comprar os LPs, eram todos importados. Naquela época não era tão fácil. Então eu precisava ir nos becos de São Paulo para comprar. Eram caríssimos, cada um tinha uma música. Mas era legal porque acabamos lançando músicas para os cuiabanos", recorda. 

 

A Over Night resistiu firmemente ao Plano Collor, mas não à chegada de um concorrente com proposta semelhante à da boate de Sami. Como o libanês conta, ele não gostava de ver as coisas se acabando com "tristeza". Então preferia fechar as portas quando via o movimento diminuindo. 

 

"Sempre preferi deixar coisas boas na lembrança das pessoas, e na minha também", afirma. 

 

Rock em Cuiabá 

  

Mudando de frequência, o libanês deixou a proposta da música disco internacional e decidiu investir em MPB e rock. Foi quando abriu o Opera Pub, na Avenida Isaac Povoás. A casa abria de segunda-feira a domingo, mas era na "Quinta Rock" que "bombava". 

 

"O bar foi sucesso total. O rock trouxe outra novidade para os cuiabanos rockeiros, que não tinham locais para frequentar", diz. 

 

Um tempo depois, Sami decidiu voltar a investir na Avenida do CPA, em Cuiabá, onde funcionava o Caneco 90. A antiga choperia foi demolida e deu lugar ao Posto 10, que chegou a ganhar prêmio como o posto de gasolina mais bonito do Brasil. 

 

O 'Opera Pub' foi sucesso total, o rock trouxe outra novidade para os cuiabanos rockeiros, que não tinham locais para frequentar"

 

O estabelecimento era diferente dos outros postos de Cuiabá, tinha locadora, a lanchonete Jet Burger, loja de conveniência e troca de óleo, além das intervenções artísticas que Sami conta que "inventava"  para os frequentadores. 

 

Agitando Chapada dos Guimarães 

 

Na década de 90, com a criação do Posto 10, Sami começou a ter mais tempo livre para se dedicar ao próprio lazer, como frequentar mais Chapada dos Guimarães aos finais de semana. Porém, apaixonado pela diversão noturna, não encontrou muitas opções na pacata cidade. 

 

"Me apaixonei totalmente por Chapada dos Guimarães, mas também me dava um tédio, tudo fechava cedo, as pessoas dormiam cedo. Morava em um sítio a 12 km do centro. Por volta das 22h, já não tinha mais nada aberto", lembra. 

 

Sami decidiu, então, pensar em uma forma de poder se divertir mais na cidade e decidiu abrir o Armazen Café e Cachaçaria. O novo estabelecimento mexeu com toda a rotina da cidade, que passou a receber mais jovens e adultos que buscavam pelas festas da nova boate da cidade. 

 

Era comum que algumas pessoas viajassem à tôa para o município, já que a casa lotava muito cedo e muitos acabavam sendo barrados na portaria. 

 

Mais de 600 pessoas costumavam frequentar a boate de Sami, que, mais tarde, teve que comprar o terreno ao lado para expandir o dancing bar. Além de ser obrigado a vender os ingressos antecipadamente para que ninguém ficasse na fila do lado de fora. 

 

"Não esperava que tanta gente fosse subir para Chapada dos Guimarães só para ir a uma casa noturna. Começava a vender os convites na quinta-feira e eles acabavam no mesmo dia. Lá [no Armazen] tinha cachaça, drinks com café, além de um espaço para praticar arco e flecha nos fundos", lembra. 

 

A decoração com gnomos também chamava atenção daqueles que frequentavam a casa noturna, que ficou aberta durante seis anos até os hábitos dos frequentadores começarem a incomodar Sami. A chegada do ecstasy em Chapada dos Guimarães e as brigas constantes na boate desanimaram o libanês. 

Alair Ribeiro/MidiaNews

Sami Kassab

Sami conta que sempre foi apaixonado pelas "diversões da noite"

 

"Realmente acabei não curtindo mais, não adianta ter uma casa cheia. Eu não estava mais me divertindo, porque virou moçada, bebida e briga. Ficava tenso do início ao fim. Avisei todo mundo que faria o último revéillon e fechei", conta. 

 

Mudança de Cuiabá 

 

Depois de encerrar as atividades do Armazém em Chapada dos Guimarães, Sami decidiu se mudar para Florianópolis (SC), onde realizou o sonho de misturar uma casa noturna a um espaço cultural em um casarão histórico de cinco andares da cidade. 

 

"O Budha Café foi a realização de um sonho. Transformei um casarão em um palácio de cinco pavimentos e morava no último andar. Então era meu sonho, abria a casa, recebia as pessoas, fechava e ia dormir. Sempre tinha uma exposição, uma performance, um show diferente", lembra. 

 

Com pesar, Sami conta que o estabelecimento demorou mais tempo para ficar pronto do que o tempo em que permaneceu aberto. Ele contou que os moradores do entorno começaram a implicar com a casa notura e ele acabou se sentindo atacado. 

 

"Estamos na terra dos outros, sou estrangeiro e lá, em Florianópolis, foi muito difícil. Senti muito 'bairrismo lá e tive dificuldade para manter a casa. Começaram a mandar fiscalização para fechar o local e me perturbar. Acabei fechando o Budha Café e não fiz mais nada naquela cidade. Só erramos uma vez", avalia. 

 

Sami permaneceu em Florianópolis durante 17 anos e voltou para Cuiabá há menos de um ano. Apesar do retorno, ele afirma não pretender investir mais no ramo de casas noturnas e bares na Capital. 

  

"Muita coisa mudou no comportamento e na cultura. As coisas não são mais como antigamente. O que vai ficar são as lembranças boas daquela época que foi muito divertida", disse. 

 

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GALERIA DE FOTOS
Sami Maluf Kassab/Arquivo Pessoal

SAMI

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Sami Kassab

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9 Comentário(s).

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Graziella Maridakis Risso  29.08.19 15h08
Te amo, Sami. És meu irmão único. Nossa maravilhosa relação é eterna. Pode contar sempre comigo. Que delícia ler tudo isso, que delícia ter participado da tua vida. Ad infinitun! Bjs
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vladimir palma  19.08.19 08h17
sinto saudades dessa epoca era top demais nunca mais a vida noturna não sera a mesma
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Gracilma Brandão  18.08.19 17h56
Que saudades de você Sami, você e seus empreendimentos marcaram a minha vida, feliz por você ter voltado.
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Mário Márcio da Costa e silva  18.08.19 13h55
Ótima reportagem, tempo bom,frequentei muito estes ambientes,Caneco 90 era top.
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Edivaldo Da Silva Santos   18.08.19 12h32
Só faltou zuzinho e hallid na matéria. Parabéns linda a matéria. Até porque relembrar o passado é viver 2 vzs . . Claudio Max meu amigo temos a história do garrafão merece ser lembrada.
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