Cuiabá, Segunda-Feira, 15 de Setembro de 2025
CINEASTA DO XINGU
17.09.2023 | 10h20 Tamanho do texto A- A+

Premiado, diretor indígena de MT faz do cinema uma arena de luta

Takumã Kuikuro é o primeiro indígena a vencer uma premiação nacional de cinema

Reprodução Acervo/MI

Takumã Kuikuro iniciou no mundo do cinema por meio do projeto Vídeo nas Aldeias

Takumã Kuikuro iniciou no mundo do cinema por meio do projeto Vídeo nas Aldeias

ANDRELINA BRAZ
DA REDAÇÃO

Entre rios, matas e práticas culturais presentes na aldeia Kuikuro, no alto do Xingu em Mato Grosso, cresceu o cineasta Takumã Kuikuro. Ele é o primeiro indígena a vencer o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro na categoria curta documentário com a produção “Território Pequi”.  

 

Com uma educação focada nos saberes tradicionais, Takumã não frequentou escolas nos centros urbanos. Pelo contrário, aprendia diariamente com os seus pais sobre a sua comunidade e a natureza. O objetivo era transformá-lo em um  “grande lutador”, capaz de produzir e trabalhar em prol da comunidade a que pertencia. 

 

Faço cinema pelo o que sinto e sinto que já nasci como diretor

Mas suas ambições mudaram ainda na infância, quando passou a conviver com antropólogos, linguistas e pesquisadores que frequentavam a região do Xingu para o estudo e documentação dos hábitos dos povos tradicionais.  

 

Foi nessa época, em meados dos anos 2000, que Takumã entendeu a importância do registro para a concervar sua tradição. Esse era seu chamado: documentar a vida na aldeia para preservar a tradição milenar de seu povo. 

 

Quando o projeto “Vídeo nas Aldeias”, criado em 1996 com objetivo de incentivar a produção audiovisual indígena por meio do suporte técnico e financeiro, chegou na região do Xingu, por meio do antropólogo Carlos Fausto e do cineasta Vincent Carelli, Takumã sabia que essa era uma oportunidade única.  

 

Para dar continuidade no projeto, cada região deveria escolher um aluno que participaria das capacitações oferecidas pelo projeto. Com 14 anos, Takumã não era fluente em português; o idioma era sua barreira, mas a vontade de aprender era sua motivação. Não escolhido pela sua comunidade, ele conseguiu a vaga por meio da insistência.  

 

“Cada comunidade escolhia uma pessoa para ser capacitada pelo Vídeo nas Aldeias. Mas como eu não falava português, não fui escolhido. Participei do projeto pelo interesse. Fiquei meio calado, observando o que estava acontecendo. Assim fui aos poucos pegando um pouco de conhecimento sobre cinema. Então, foi como uma escola para mim. Lá aprendi sobre enquadramentos, ângulos e português”, afirma Takumã.  

 

Ao longo do processo, Takumã conta que houve muitas desistências entre os participantes. “No começo ninguém entendia, as pessoas não aceitavam o que estávamos fazendo. Eles diziam que só branco podia fazer isso [documentário]. Eu dizia: ‘Tá tudo bem, mas acho que podemos tentar fazer alguma coisa’”, recorda.  

 

“Não tive muito incentivo da comunidade ou dos meus pais. Mas eu faço cinema pela vontade e pelo sentimento. Faço cinema pelo o que sinto e sinto que já nasci como diretor. Porque cinema é sentimento”, declara Takumã. 

 

Uma câmera e uma lente são ferramentas de luta

Por meio do projeto, ele captou suas primeiras imagens e as levou para a fase de edição na sede do Vídeo nas Aldeias, em Olinda (PE). Ao retornar para a aldeia, as mostrou para a comunidade em um telão. 

 

“Foi nesse momento que começaram a perceber que estávamos fazendo algo importante dentro da comunidade e começaram a valorizar nosso trabalho”, relembra. 

 

Com o reconhecimento dentro da comunidade, Takumã passou a cada dia mais investir nos registros da cultura dos Kuikuro. O seu trabalho o levou longe. Em 2011, ao lado dos diretores Carlos Fausto e Leonardo Sette, ele lançou o documentário “Hiper Mulheres”. Recebida no Festival de Cinema de Gramado, a obra venceu inúmeras premiações nacionais e internacionais.  

 

Pouco tempo depois, no ano de 2017, ele recebeu um prêmio honorário de bolsista na Queen Mary Univesity London, na Inglaterra. A experiência rendeu uma produção audiovisual intitulada “Londres Como Uma Aldeia”. 

 

“Fiz Londres Como Uma Aldeia para fazer uma comparação entre as comunidades de lá com os nossos costumes. Não fiz esse filme para a cidade, fiz ele para a aldeia. Faço meu trabalho dentro da aldeia para mostrar para fora, mas nesse eu fui para fora, em Londres, para mostrar para a aldeia”,  declara. 

 

Com  suas produções abordando aspectos do comportamento humano, Takumã se considera um pesquisador. Para ele, a produção documental é uma forma de registro que possibilita a preservação da memória dentro e fora da comunidade.

 

“Esse é o papel do cineasta dentro da aldeia. Além dos trabalhos que faço, eu fui capacitando outros povos indígenas. Eu sei que sofremos muito preconceito mas a gente vai encarando esse preconceito porque temos que mostrar que nós também temos capacidade para produzir as coisas”, declara.   

  

O audividual indígena como ferramenta de luta 

 

A primeira edição do Festival de Cinema e Cultura Indígena foi realizada em Brasília em dezembro do ano passado. Seu idealizador foi Takumã. Para ele, o projeto visa expor as produções audiovisuais realizadas por indígenas e assim fortalecer a luta dos povos tradicionais por meio da arte.    

 

Takuma Kuikuro

Takuma Kuikuro e Fernando Meirelles

Takumã Kuikuro ao lado dos cineastas Fernando Meirelles e Natalia Scartoon

“Eu sempre falo assim: vamos demarcar telas. O cinema indígena serve para tudo, ele pode ser pesquisa para as universidades e, também, pode ser uma ferramenta para fortalecer a nossa luta. Porque uma câmera e uma lente são ferramentas de luta”, afirma.  

 

Entre suas muitas obras que registram o momento sociocultural das aldeias, Takumã acredita que seu melhor trabalho é o documentário “Febre da Mata”, obra realizada no ano de 2022. 

 

Produzido como uma forma de denunciar o desmatamento e os incêndios que assolam as terras indígenas no Xingu, o filme teve a fase de pós-produção produzida pela produtora O2, fundada pelo cineasta indicado ao Oscar, Fernando Meirelles. 

 

Sua obra mais recente, a produção intitulada “Território Pequi”,  aborda a importância do fruto do pequizeiro para a comunidade do alto Xingu. O documentário em questão foi premiado, no último dia 23 de agosto, como o grande vencedoro da categoria “Melhor Curta Documentário” no festival Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de 2023, realizado na cidade do Rio de Janeiro. 

 

Contudo, Takumã acredita que a vitória não é apenas um mérito seu, mas de toda a comunidade. 

 

“Isso veio da comunidade. Esse filme não é só meu, porque quem aparece na tela é a minha família. Então, para mim, ganhar esse prêmio tem uma importância muito grande para representar que esse prêmio pode ser para qualquer indígena do Brasil. Isso foi uma forma de abrir a porta para sonharmos em um dia chegarmos ao Oscar”, afirma Takumã. 

 

 

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