Cuiabá, Domingo, 14 de Setembro de 2025
CENTENÁRIO DE MAY DO COUTO
14.09.2025 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

A história da mulher que quebrou paradigmas e presidiu clube em Cuiabá

Professora, esportista, vereadora e promotora, ela deixou um legado marcado por força e pioneirismo

Reprodução

Ana Maria do Couto, que atuou como professora, radialista e presidiu o Clube Esportivo Dom Bosco

Ana Maria do Couto, que atuou como professora, radialista e presidiu o Clube Esportivo Dom Bosco

LIZ BRUNETTO
DA REDAÇÃO

Em 13 de setembro de 1925, há exatos 100 anos, nascia em Cuiabá Ana Maria do Couto, mais conhecida como May do Couto. Em sua breve passagem pela vida — partiu aos 46 anos — deixou um legado de força, coragem, pioneirismo e, sobretudo, generosidade e ternura.

 

Quebrou paradigmas e foi quem foi em tão pouco tempo. Alguém que saiu de baixo, galgando degraus que ela mesma construiu. Uma história que não se corrompe

De família simples e tradicional cuiabana, May escreveu seu nome na história de Mato Grosso. Foi professora de Educação Física concursada pela UFMT e a primeira esportista mato-grossense a conquistar um título fora do Estado.

 

Em “mil e uma frentes”, atuou como advogada, radialista, apresentadora de televisão e se formou contadora. Na política, destacou-se como vereadora e presidente da Câmara Municipal de Cuiabá.

 

Em 1969, tornou-se a primeira mulher a presidir o Clube Esportivo Dom Bosco. Dois anos depois, como promotora da Justiça Militar, morreu em 17 de outubro de 1971, vítima de câncer no estômago.

 

Duas instituições estaduais em Cuiabá levam o nome de May em homenagem a ela, lembrada também pelo seu lado social forte. Uma é a escola do Bairro CPA II e a outra a Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May, localizada no Bairro Jardim Industriário.

 

 A astrônoma Telma Cenira Couto da Silva, de 68 anos e sobrinha de May, compartilhou com carinho as histórias que mais a marcaram e afirmou que, para ela, o centenário da tia é sinônimo de saudade.

 

“Eu sinto sempre muita saudade dela. Nós éramos muito ligadas, ela foi para mim uma segunda mãe e eu não falo isso porque foi famosa, falo pelo que ela representou para mim. Minha admiração era por Tia May”.

 

Cabelos ao vento

 

Telma tinha apenas 14 anos quando May morreu, tempo suficiente para a convivência quase diária marcá-la para sempre como símbolo de luta. “Admirava o lado profissional dela, mas a admiração maior era pelo que ela significou para mim. Foi uma pessoa que até hoje é importante para mim. Até hoje!”, afirmou.

Yasmin Silva/Mi­diaNews

Telma Cenira

A astrônoma Telma Cenira Couto da Silva, de 68 anos, sobrinha de May

 

Entre as lembranças corriqueiras citadas por Telma estavam desde a cor das unhas de May até seus cabelos esvoaçantes enquanto dirigia.

 

“Ela dirigia, gostava de carros. Naquela época, os carros não tinham ar-condicionado e lembro do cabelo dela voando. Coisas assim, bobas. Por exemplo, mamãe só pintava a unha de cor-de-rosa, Tia May, de vermelho. Ela era aquela coisa de luta, de ídolo”, disse.

 

Telma contou que se sentia vista por May, mesmo com a pouca idade. “Ela me ouvia, me deu lições de vida. E quando passo por dificuldades penso: ‘Não jogo a toalha, não. Eu aguento. Sou sobrinha de May do Couto. Não caio, não’”.

 

“Ela era alegre, pra cima, fazia festa, passava em casa, buzinava e pegava a gente para ir tomar banho no final da tarde no rio Cuiabá e no Coxipó. Mamãe ficava louquinha”.

 

Entre as histórias que mais marcaram a jovem Telma estava a vez em que, ainda criança, por volta dos sete anos, foi salva de uma “assombração” por “Tia May”.

 

“Eu sempre fui muito danada, chegava com o joelho todo arrebentado. Cheguei um dia machucada da rua, eu tinha medo de assombração, e me mandaram olhar em direção ao quintal. Quando eu olhei, vi um lençol branco se mexendo e falando assim: ‘Não teima mais com a sua mãe’”.

 

Telma recordou ter gritado a plenos pulmões até que “Tia May” a salvou, tal qual uma heroína.


“Foi um horror. Eu não parava de chorar e gritar. Tia May não estava em casa e, quando chegou, ficou bem chateada de terem feito isso comigo. Me abraçou e falou assim: ‘Tia May está aqui, não tem fantasma nenhum’. Ela foi a minha salvadora”, afirmou.

Yasmin Silva/MidiaNews

Telma Cenira mostrando seu acervo

Telma Couto olhando álbum de recordações em que a May aparece

 

“Morte da alegria”

 

A morte de May foi uma verdadeira tragédia na família Couto, não somente pela terrível perda, mas por tudo o que seguiu.

 

No final de 1969 surgiram os primeiros sinais da doença e ela viajou ao Rio de Janeiro, como fazia sempre que podia, mas dessa vez para se consultar com um parente médico. O diagnóstico veio, mas apenas os irmãos — três homens e uma mulher — foram comunicados.

 

Em conjunto, eles decidiram não contar a May, nem à mãe, dona Chiquita, sobre a doença. “O médico chamou a família e disse que ela estava com câncer, que teria mais uns seis meses de vida, e Tia May ainda viveu por quase três anos”, recordou Telma.

 

Dona Chiquita foi consumida pelo luto. Ficou inconsolável e dizia se sentir traída, especialmente pela filha mulher, mãe de Telma, Lenir Couto da Silva, que não contou a ela sobre a doença de May.

 

“Foi muito difícil. A minha vida, antes dela morrer, era uma. Depois que ela morreu, foi outra. Não foi só a morte dela, parece que foi a morte da alegria. Levei um tempo para me recuperar disso. Quand fiz 15 anos, não fiz festa. Fiquei um ano usando só preto e branco”, afirmou.

 

Telma foi a última pessoa a segurar a mão de May e, por pouco, não chegou a tempo. Ela pediu aos pais para ser acordada cedo para ir ao hospital e despertou ao som dos sinos da igreja.

 

“Eu ‘voei’ para a Santa Casa e entrei quase correndo no quarto dela. Sentei na cama, apertei a mão dela e pensei: ‘Força, Tia May’. Não deu cinco minutos e ela morreu. Eu nunca me esqueci”. 

Mi­diaNews

Casa de Ana Maria do Couto

O "Casarão Abandonado", quando ainda preservava sua arquitetura original

 

Dona Chiquita, conforme Telma, dizia que só ia ser feliz de novo quando me encontrasse com a May.  Hoje está enterrada ao lado da filha no Cemitério da Piedade.

 

Lenda urbana

 

Uma das histórias mais emblemáticas sobre May do Couto, repudiada por boa parte da família, é a do "casarão assombrado". Localizado entre as ruas Diogo Domingos Ferreira e Manoel Garcia Velho, no Bairro Bandeirantes, ele hoje não é nem sombra do que foi um dia.

 

O que muitos não sabiam é que May morou poucos meses na casa. Segundo Telma, a maior parte dos móveis encomendados de São Paulo chegou um mês depois da morte dela. Solteira e sem filhos, morava com dona Chiquita e uma tia, Dona Nenê.

 

A sobrinha acreditava que a história começou após dona Chiquita ter sido consumida pelo luto. Ela mantinha as luzes da casa sempre desligadas e colocava para “rodar” o último discurso de May feito para o ex-governador de Mato Grosso, Pedro Pedrossian.

 

“Tudo escuro, ouvindo a voz de Tia May vindo lá de dentro. O que é que você faz? Corre! Não é? Eu queria ver, mas eu nunca vi nada”, afirmou Telma, que graças à May superou seu medo de fantasmas.

 

“Embora outros não gostassem, porque achavam um absurdo falar que a May do jeito que era, com o coração muito bom, generosa, nunca estaria assombrando uma casa. Eu achei ótimo, ajudou a carregar a história dela”.

 

“Era mais ela”

Yasmin Silva/Mi­diaNews

Casa de Ana Maria do Couto

Como está hoje o "Casarão assombrado", após mudanças significativas em sua arquitetura

 

Telma descreveu a tia como uma pessoa segura, muito “mais ela”, que não dava ouvidos a ninguém e conseguiu, por próprio mérito, ocupar espaços que, à época, eram restritos aos homens.

 

“Ela era mais ela, tinha aquele espírito ousado. Quebrou paradigmas e foi quem foi em tão pouco tempo. Alguém que saiu de baixo, galgando degraus que ela mesma construiu. Uma história que não se corrompe. Ela era um ser humano incrível. Falo isso de testemunho. Realmente, foi uma grande mulher”.

 

Para Telma, as novas gerações têm muito a se inspirar na história de May.

 

“Uma pessoa que acreditava em si e não se incomodava com a palavra dos outros. Acho que foi um exemplo de que é possível conseguir as coisas lutando por si. Não precisando de outros caminhos para chegar a um lugar acima”.

 

Leia mais:

 

Nos 50 anos da morte de May, sobrinha recorda legado pessoal

 

A verdadeira história do "casarão assombrado" de Cuiabá

 

Centenário de Ana Maria do Couto, a May

 

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Telma Cenira

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Telma Cenira mostrando seu acervo

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Praça Ana Maria do Couto

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Praça Ana Maria do Couto

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Casa de Ana Maria do Couto

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Casa de Ana Maria do Couto

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Acervo Ana Maria do Couto

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Acervo Ana Maria do Couto

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Acervo Ana Maria do Couto

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Acervo Ana Maria do Couto

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Acervo Ana Maria do Couto

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Acervo Ana Maria do Couto




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