O Hospital de Câncer de Mato Grosso é a esperança de milhares de pessoas que precisam de tratamento contra a doença diariamente no Estado, mas muitos pacientes acabam prejudicados pela demora do sistema de saúde em autorizar o atendimento, segundo o presidente da instituição, Laudemir Moreira Nogueira.
Em entrevista ao MidiaNews, o advogado e gestor do hospital filantrópico desde 2014, fez duras críticas à Central de Regulação, que, segundo ele, atrasa o início do tratamento e reduz as chances de sobrevivência dos pacientes.
“Na prática, acho que o sistema funciona errado. Ele cria filtros que dificultam o acesso do paciente ao setor finalístico, que é o Hospital de Câncer. [...] Se o acesso fosse mais rápido, o risco de vida seria menor. A Central de Regulação, do jeito que foi concebida, atrapalha o tratamento”, afirmou.
Nogueira explicou que hoje quem tem suspeita da doença não pode marcar uma consulta diretamente no hospital. Primeiro precisa passar por uma Unidade Básica de Saúde e aguardar encaminhamento, sem previsão de quando será atendido.
Essa espera, conforme ele, pode ser fatal, já que o câncer é uma doença agressiva e pode se espalhar rapidamente.
“Existe até uma frase: ‘o câncer não espera, ele mata’. Se há uma suspeita, a pessoa deveria poder consultar logo com um especialista, que tem formação técnica e equipamentos adequados. [Com a Central de Regulação] o paciente pode passar meses convivendo com a dúvida – e isso é cruel”, afirmou o presidente.
Na entrevista, Nogueira também falou sobre as principais dificuldades do hospital, os avanços tecnológicos no tratamento do câncer, além do apoio recebido e da atuação dos voluntários.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews - Qual é a situação atual do hospital?
Laudemir Nogueira - O Hospital de Câncer vive numa luta permanente de crescimento, de aprimoramento das suas atividades. Nesse momento, nós já atingimos, graças a Deus, ao trabalho junto com a sociedade, níveis de qualidade maravilhosos. Nós temos altíssimas tecnologias. O nosso corpo médico é de especialistas.
Mas há muitas dificuldades financeiras, naturalmente, porque o nosso principal cliente é o SUS (Sistema Único de Saúde), e a remuneração do SUS está muito defasada. Segundo estudos de entidades do setor, atualmente a remuneração paga pelo SUS cobre cerca de 45% do custo total das instituições cuja principal clientela é o próprio sistema público de saúde.
Victor Ostetti/MidiaNews
Laudemir Nogueira, presidente do Hospital de Câncer de MT
MidiaNews - Qual é o custo mensal do hospital?
Laudemir Nogueira - Nosso custo mensal gira entre R$ 9 e R$ 10 milhões. Essa variação de cerca de R$ 1 milhão ocorre por causa das compras, principalmente de medicamentos de alto custo, que em determinados meses aumentam a despesa.
MidiaNews - A instituição recebe auxílio do governo do Estado?
Laudemir Nogueira - Não, nós não temos auxílio do governo. O que nós temos é um contrato de prestação de serviço com o governo. O único auxílio oficial que o hospital recebe é a isenção da cota previdenciária patronal, já que mais de 60% dos serviços são prestados ao SUS — no caso do Hospital de Câncer, quase 100%. Além disso, não pagamos ICMS nem imposto de importação. Fora esses benefícios fiscais, o hospital não recebe nenhum outro apoio do Estado.
MidiaNews – Os atendimentos são feitos pela Central de Regulação? Há muita burocracia nesse sistema?
Laudemir Nogueira – Eu tenho críticas à Central de Regulação desde sempre. Sei que o poder público não concorda, porque entende que precisa de freios e contrapesos, mas, na prática, acho que o sistema funciona errado. Ele cria filtros que dificultam o acesso do paciente ao setor finalístico, que é o Hospital de Câncer.
Na minha visão, o paciente deveria ter acesso direto. Detectou o câncer, inicia-se o processo de autorização, porque o tratamento tem custos elevados e não dá para fazer sem orçamento. Mas a barreira imposta – “não, você só pode atender isso” – acaba impedindo, inclusive, o crescimento do hospital. E não falo apenas do Hospital de Câncer. Em outras especialidades também é assim. Quantas pessoas aguardam por meses uma consulta com cardiologista? Se o acesso fosse mais rápido, o risco de vida seria menor. A Central de Regulação, do jeito que foi concebida, atrapalha o tratamento.
MidiaNews – O senhor pode explicar como esse filtro atrapalha?
Laudemir Nogueira – Se você quiser marcar uma consulta com um especialista do Hospital de Câncer, não consegue diretamente. Digamos que você note uma mancha. Não pode vir aqui. Precisa primeiro procurar uma Unidade Básica de Saúde, um posto de saúde, onde há apenas atendimento primário. O clínico geral avalia e, se entender que é o caso, solicita encaminhamento. Aí você entra numa fila, sem saber quando será atendido. Isso é errado.
O câncer não espera, ele avança 24 horas por dia. Existe até uma frase: “o câncer não espera, ele mata”. Se há uma suspeita, a pessoa deveria poder consultar logo com um especialista, que tem formação técnica e equipamentos adequados. O clínico geral faz muito, mas tem limitações. Enquanto isso, o paciente pode passar meses convivendo com a dúvida – e isso é cruel.
Por isso digo que o filtro funciona contra a população. Entendo que o Estado precise de algum controle, mas o modelo atual prejudica os pacientes. Sou crítico e sei que muitas vezes minha voz é vencida, mas enquanto puder, vou questionar esse sistema.
MidiaNews – E o papel do Hospital de Câncer só começa depois dessa identificação inicial?
Laudemir Nogueira – Sim. Quando a consulta com o especialista é marcada, aí sim é possível iniciar o tratamento. O problema é o tempo que isso leva. Temos casos documentados. Um paciente chegou ao hospital com suspeita de câncer de tireoide. O especialista em cabeça e pescoço solicitou o exame, mas não temos autonomia para realizá-lo em qualquer quantidade: existe um limite imposto. Esse paciente demorou dois anos para conseguir fazer o exame. Quando voltou com o resultado, a situação já era irreversível. Ele precisou passar por uma cirurgia muito agressiva, que às vezes retira toda a região afetada.
Temos voluntários que confeccionam próteses para esses pacientes. Recentemente, atendemos um senhor que havia perdido o nariz inteiro. Imagine o impacto na autoestima.
Mas também vivemos momentos emocionantes. O sorriso de um paciente oncológico é a coisa mais linda do mundo. Temos o “sino da superação”. Quando o tratamento termina, o paciente toca o sino e sorri, muitas vezes entre lágrimas de alegria. O câncer é silencioso, dolorido, contínuo. O tratamento machuca o corpo e a alma. A família inteira adoece junto. Por isso, dentro do hospital, precisamos oferecer o mesmo cuidado e acolhimento.
MidiaNews – Esse grupo de voluntários, como funciona?
Laudemir Nogueira – O hospital tem hoje cerca de 700 voluntários cadastrados, tudo de forma muito organizada.
Quem deseja ser voluntário é bem-vindo, mas não pode simplesmente chegar e começar a atuar. Primeiro é feito um cadastro e, depois, uma entrevista para identificar em que área a pessoa pode contribuir melhor.
A maioria quer atuar na pediatria. Mas eu costumo dizer: “o Hospital de Câncer não é um aquário e nossas crianças não são peixinhos”. O trabalho é muito sensível. Se a pessoa não tiver preparo e compromisso real de doar o que tem de melhor, acaba atrapalhando. Voluntariado não é ir ao hospital para tirar selfie. É oferecer conhecimento, atenção, escuta. Os pacientes precisam de alguém que dialogue com eles, que os ouça. Por isso, todas as clínicas do hospital têm espaço para esse apoio.
Além disso, contamos com muitos parceiros importantes. Grandes empresas ajudam. A Bom Futuro, por exemplo, doa todos os anos o enxoval do hospital, em parceria com a Ampa (Associação Matogrossense dos Produtores de Algodão).
MidiaNews – Além dos medicamentos de alto custo, o hospital também enfrenta necessidades em tecnologia que impactam ainda mais as finanças?
Laudemir Nogueira - Sim, precisamos renovar e ampliar nosso parque tecnológico. Hoje temos dois aceleradores lineares para radioterapia: um novo e outro já ultrapassado, que não suporta mais atualizações e pode parar a qualquer momento. Atendemos cerca de 180 pacientes por dia nesse tratamento e, na realidade, deveríamos ter três equipamentos.
A substituição custa em torno de R$ 15 milhões, valor que varia porque o aparelho é 100% importado e cotado em dólar, já que não é produzido no Brasil. Desde o início do ano buscamos apoio do governo do Estado, mas ainda não tivemos resposta satisfatória.
É uma demanda urgente. A Constituição, no artigo 196, deixa claro que a obrigação de garantir saúde é do Estado. O hospital é apenas prestador de serviço. Por isso estamos cobrando do poder público — município, Estado ou União. No caso específico, nosso contrato é com o governo de Mato Grosso, e desde janeiro pressionamos pela liberação do projeto. Se isso não acontecer, vidas podem ser colocadas em risco.
MidiaNews - Qual é a função específica desse aparelho? E a consequência da falta dele para as pessoas que precisam desse tratamento?
Laudemir Nogueira - Trata-se do tratamento de radioterapia. O câncer pode ser tratado de três formas: cirurgia, para retirada do tumor; quimioterapia; e radioterapia. Dependendo do caso, o paciente precisa passar pelas três etapas. A radioterapia, de forma simples para o leigo entender, funciona como um raio-x moderno que direciona feixes de energia diretamente ao núcleo do tumor, destruindo suas células.
MidiaNews - Quais são as principais dificuldades da instituição atualmente?
Laudemir Nogueira - Financeira. Nós temos um corpo técnico, médicos especialistas, na plenitude daquilo que é posto como demanda. Todos muito bem comprometidos e qualificados com a instituição.
A grande dificuldade é financeira. Se não tivéssemos essas dificuldades financeiras, o hospital estava em outro nível. Além da má remuneração do SUS, nós tivemos muita dificuldade na gestão passada em relação ao contrato com o município de Cuiabá. Nós ficamos oito anos com muita dificuldade. A administração passada do município de Cuiabá se apropriou de valores vultosos do hospital. Ainda hoje, eles devem aproximadamente R$ 14 milhões de reais para o hospital.
Esse valor está documentado no ofício que a Secretaria Municipal de Saúde, nessa atual gestão, encaminhou para nós. Nós estamos negociando com o prefeito [Abilio Brunini]. Ele se mostrou disposto a atender isso. Estamos no processo de negociação. Mas são R$ 14 milhões de reais. É muito dinheiro.
MidiaNews – E as consequências dessa apropriação acabam recaindo sobre os pacientes?
Laudemir Nogueira - Não tenha dúvida. Isso compromete não a qualidade do atendimento, compromete as finanças do hospital. Nós nunca deixamos de atender uma única pessoa por conta disso. O hospital nunca parou um minuto sequer. Porém, você deixa de evoluir em outros segmentos.
O hospital teve que buscar empréstimo bancário para suprir aquilo que [a prefeitura] deixou de nos pagar. O valor desse empréstimo que pagamos mensalmente, poderia estar pagando o financiamento da aquisição de novos equipamentos. Então, foi muito ruim a relação financeira do hospital com a gestão municipal passada.
MidiaNews - Com quais especialidades o Hospital de Câncer trabalha atualmente?
Laudemir Nogueira - De forma geral, contamos com profissionais especializados em quimioterapia pediátrica e adulta, cirurgia oncológica e radioterapia, além de médicos radioterapeutas. Temos ainda equipes de suporte em diversas áreas, como cardiologia e anestesiologia. O hospital também mantém várias residências médicas, entre elas em cirurgia oncológica, clínica médica, anestesiologia, UTI, bucomaxilofacial e radioterapia. Nossa equipe é altamente qualificada e formada por profissionais de excelência.
MidiaNews – Houve avanços tecnológicos para ajudar os especialistas no tratamento do câncer?
Laudemir Nogueira – Sim. Temos novos equipamentos de diagnóstico. Neste fim de semana, recebemos um aparelho de ressonância magnética, o primeiro em Cuiabá com tecnologia de ponta, adquirido por meio de investimento do hospital em parceria com médicos, no valor de R$ 6 milhões. Não houve participação do poder público. Além disso, estamos entregando uma nova UTI com 18 leitos — também sem nenhum financiamento estatal, fruto de parceria com o agronegócio, que tem sido um grande aliado do hospital.
MidiaNews – Esse aparelho ajuda a ampliar o atendimento aos pacientes?
Laudemir Nogueira – Sem dúvida. Além de mais moderno, o novo aparelho é muito mais rápido. Um exame que antes levava cerca de 15 minutos agora pode ser feito em apenas 5 ou 6 minutos, o que aumenta a capacidade de atendimento. A nova UTI também é um avanço: tínhamos 10 leitos e agora passaremos a ter 18, em uma estrutura moderna e humanizada.
MidiaNews – O hospital consegue acompanhar os avanços tecnológicos do país e do mundo ou as dificuldades financeiras ainda pesam?
Laudemir Nogueira – Em termos de equipamentos, conseguimos acompanhar. Hoje temos cirurgia robótica — somos o único hospital que atende SUS em Mato Grosso a oferecer esse recurso. Nenhum hospital público ou filantrópico no Estado dispõe dessa tecnologia. Infelizmente, o poder público ainda não remunera esse procedimento, mas ele é fundamental. A cirurgia robótica reduz drasticamente o tempo de internação: aquilo que levaria dias na UTI e na enfermaria pode ser reduzido a 20% ou 30% desse período. Apesar de o custo do procedimento ser mais alto, o ganho em bem-estar, segurança e recuperação do paciente é incomparável.
MidiaNews – Qual é a diferença entre a cirurgia convencional e a robótica?
Laudemir Nogueira – A cirurgia convencional exige um corte grande. Já a robótica é minimamente invasiva: feita por vídeo, com pequenas incisões, quase como furinhos, que permitem a retirada do tumor e até a reconstrução do tecido. Além disso, a mão humana tem limitações de movimento durante a cirurgia, enquanto o robô possui articulação de 360 graus, o que aumenta a precisão e a chance de remover totalmente o tumor.
MidiaNews – Quantos pacientes o hospital atende atualmente?
Laudemir Nogueira – São milhares. Realizamos, em média, 500 cirurgias de alta complexidade por mês, cerca de 180 sessões de radioterapia por dia e aproximadamente 350 a 400 quimioterapias adultas diárias. Atualmente, o hospital atende cerca de 2.500 pacientes em quimioterapia.
No caso das crianças, temos aproximadamente 85 a 90 em tratamento. Quanto à radioterapia, atendemos diariamente 180 pacientes, mas infelizmente há fila de espera, pois não há equipamentos suficientes para a demanda. Além disso, o hospital fornece cerca de 1.600 refeições por dia para pacientes e acompanhantes, mostrando a dimensão da instituição.
O hospital conta com 700 funcionários e cerca de 130 médicos em seu corpo clínico, o que torna o atendimento bastante expressivo.
MidiaNews – E como a sociedade contribui para a manutenção do hospital?
Laudemir Nogueira – A sociedade é muito presente. Temos ótimas parcerias que ajudam com doações de alimentos e recursos diversos. Também há eventos no interior, como leilões, jantares e rifas, organizados pela comunidade em prol do hospital.
Com esses recursos, mantemos um ônibus equipado com mamógrafo, raio-x, consultório médico, sala de ginecologia e sala para exame de PSA. De fevereiro a novembro, ele percorre cerca de 60 municípios, atendendo em média 500 pessoas em cada um. São atendimentos nas especialidades de urologia, mama, bucomaxilo, ginecologia e dermatologia.
Se alguma anormalidade é detectada nesses exames, a pessoa é encaminhada imediatamente para o hospital, onde o tratamento é feito a custo zero para a sociedade. No caso do câncer de pele, realizamos o procedimento de retirada do tumor e enviamos o material para biópsia.
MidiaNews – Com esse atendimento itinerante, quantas pessoas já foram diagnosticadas com câncer?
Laudemir Nogueira – Em média, cerca de 10% das pessoas atendidas em cada município apresentam algum tipo de câncer. Considerando os 60 municípios atendidos, o número é expressivo. Segundo médicos e estatísticas, é um índice alarmante, especialmente para câncer de pele e de próstata em Mato Grosso.
MidiaNews – Há algum fator específico, como o clima de Mato Grosso, que explica o alto número de casos de câncer de pele?
Laudemir Nogueira – No caso do câncer de pele, a cor clara da pele contribui, mas não é o único fator. São vários elementos, incluindo fatores genéticos, excesso de exposição ao sol e, às vezes, contato com materiais que agridem a pele. A causa do câncer de pele é complexa e multifatorial.
MidiaNews – E as pessoas mais jovens tendem a descobrir o câncer em um estágio mais avançado?
Laudemir Nogueira – Aí estamos falando do câncer pediátrico, que acomete crianças e adolescentes até 18 anos. Temos muitos casos nessa faixa etária. Às vezes, os cânceres infantis já aparecem em estado avançado. Por quê? Não há uma cultura de prevenção nem uma estrutura de diagnóstico preciso disponível para todos. Quem tem maior poder aquisitivo, ao perceber qualquer anormalidade, leva a família rapidamente para exames e tratamento. O ideal seria que cada cidade-polo do estado tivesse um centro de diagnóstico completo.
Para mulheres, por exemplo, ter acesso à mamografia, laboratórios de ginecologia de qualidade, exames de ressonância e ultrassonografia é fundamental. Assim, seria possível um diagnóstico precoce, encaminhando o paciente ao especialista com antecedência. Essa é a nossa luta. O hospital de câncer tem como missão principal prever e antecipar problemas. Quando o diagnóstico ocorre no início, as estatísticas mostram que as chances de cura são altas, com percentuais significativos.
É evidente que existem tipos de câncer para os quais não há cura, mas conseguimos amenizar o sofrimento. No hospital, temos uma equipe de cuidados paliativos. Muitas pessoas têm uma ideia distorcida sobre eles, achando que se tratam apenas de pacientes em estado terminal. Não é assim. O cuidado paliativo começa desde o diagnóstico e envolve um tratamento humanizado.
MidiaNews – Qual a importância desse acolhimento para o tratamento dos pacientes?
Laudemir Nogueira – É fundamental. Eu costumo dizer: “o principal remédio para o câncer é solidariedade, apoio e respeito”. Culturalmente, quando alguém recebe a notícia de que um familiar tem câncer, a primeira reação é pensar que está tudo perdido. Isso não é verdade.
O câncer pode, sim, levar a vida da pessoa, mas um atendimento humanizado e respeitoso não apenas melhora o tratamento, como desperta no paciente a vontade de lutar. Ele percebe que tem apoio e respeito ao seu lado. Isso é essencial.
Fazemos muitos eventos no hospital em prol do paciente: aniversários, casamentos, batizados, festas. Um caso marcante foi de uma menina de 8 ou 9 anos cujo sonho era conhecer a Basílica de Aparecida e o mar. Ela também queria que os pais se casassem. A diretoria do hospital, junto com o serviço social e voluntários, organizou tudo: passagens, estadia, transporte para toda a família. Foram sete dias de viagem. Ela teve uma boa evolução médica, participou do casamento dos pais e, uma semana depois, faleceu. Isso não tem preço. A criança se foi, mas sua alma ficou leve, e a família recebeu apoio inestimável.
Quanto o hospital gastou com isso? Nada. Quem custeou foram parceiros. Por quê? Credibilidade. Essa é a principal moeda que o hospital devolve à sociedade: resultados concretos, transparência e firmeza no trabalho.
MidiaNews – Em que ano foi esse caso?
Laudemir Nogueira – Em 2023, se não me engano. Já faz dois anos, mas foi em 2023. O MídiaNews descobriu, podem buscar nos arquivos. Foi um momento muito bonito.
Tivemos outros casos igualmente emocionantes. Um senhorzinho quis se casar antes de morrer. Ele se casou de manhã e faleceu à noite, mas realizou o sonho da esposa. A família ficou satisfeita em vê-lo partir com dignidade. Não se trata apenas de lidar com a perda, mas de garantir que o paciente viva os últimos momentos de forma humana e respeitosa.
MidiaNews – Sobre esse acolhimento, os profissionais têm algum treinamento ou regra específica para atender os pacientes corretamente?
Laudemir Nogueira – Sim. Todo tratamento segue protocolos técnicos, e temos um protocolo interno de humanização. Todos os médicos são orientados a segui-lo. Quando alguém não cumpre, é convidado a se retirar. Somos rigorosos. Qualquer denúncia que chega, verificamos imediatamente. Dependendo da gravidade, nem converso com o profissional: agradeço pelo tempo dedicado, mas ele está fora.
O hospital é departamentalizado, com presidente, vice-presidência, diretoria financeira, técnica e clínica, cada um com suas atribuições. Isso garante organização e a aplicação correta dos protocolos de humanização.
MidiaNews – Há estimativa de quantos pacientes conseguem se recuperar na instituição por ano ou por mês?
Laudemir Nogueira – Eu não tenho esse número exato, mas o Inca (Instituto Nacional de Câncer) possui esses dados. Cada tipo de câncer tem um índice específico de cura. Por exemplo, no caso da leucemia infantil, quando diagnosticada no início, a chance de cura é praticamente de 100%. A maioria dos cânceres tem altas chances de sucesso quando descobertos precocemente. Mas há tipos que não têm cura em nenhum lugar do mundo, infelizmente. O câncer não escolhe classe social, cor, sexo ou idade. É muito triste.
MidiaNews – O hospital tem estimativa de quantos pacientes acabam não resistindo à espera por tratamento?
Laudemir Nogueira – Não temos esse número, mas acredito que seja significativo. Só para você ter uma ideia, hoje, na fila da radioterapia, temos oficialmente entre 45 e 50 pacientes aguardando vaga para iniciar o tratamento.
O ideal seria termos três máquinas de radioterapia. Cada uma atenderia cerca de 80 pacientes por dia, o que permitiria tratar 240 pessoas diariamente. Atualmente, trabalhamos das 7h às 23h. Isso representa um risco muito grande, porque o equipamento também precisa descansar. Mesmo assim, entre correr o risco de sobrecarregar a máquina e deixar o paciente esperando, preferimos atender o paciente.
Tenho buscado sensibilizar a cúpula da saúde do Estado para essa necessidade. Ainda não avançamos como gostaríamos, mas acredito que vamos conseguir, até porque temos uma boa parceria com o governo estadual.
MidiaNews – Um estudo publicado em uma revista internacional de câncer apontou aumento de 79% na incidência da doença em adultos com menos de 50 anos, entre 1990 e 2019. Em Mato Grosso, também é perceptível esse crescimento entre os mais jovens?
Laudemir Nogueira – Sim, é perceptível. A cada ano temos mais casos, infelizmente. Conversando recentemente com a coordenadora da pediatria, por exemplo, ela relatou que o número de pacientes aumenta, em média, de 12% a 15% ao ano entre as crianças.
Nos adultos, essa estatística não aparece de forma tão expressiva principalmente por causa da falta de diagnóstico precoce. Existe ainda uma questão cultural: o homem, muito mais do que a mulher, resiste a procurar atendimento médico. Levar um homem para fazer um exame de próstata, por exemplo, ainda é complicado. Há muito preconceito, que não deveria existir. Falta também investimento em campanhas públicas educativas, que mostrem a importância da prevenção.
Vemos o governo gastar milhões em campanhas desnecessárias, quando poderia investir em campanhas simples e eficazes, orientando os homens a realizarem, a partir dos 40 anos, exames de próstata, colonoscopia e outros de forma regular. O câncer de reto, por exemplo, tem causado muitas mortes em homens, e poderia ser identificado precocemente com uma colonoscopia, procedimento que, em alguns casos, já permite a retirada do problema. Mas onde fazer isso? A oferta é insuficiente.
Construir hospitais é fundamental, claro. Mas diagnóstico e tratamento também precisam ser prioridade. Tenho a expectativa de que o governo esteja caminhando nessa direção.
MidiaNews – Segundo o Instituto Nacional de Câncer, o câncer de pulmão é o mais letal no país. Os sintomas, como tosse, rouquidão e cansaço, podem ser confundidos com os de um resfriado. Isso pode explicar a descoberta tardia da doença? Em Mato Grosso há muitos diagnósticos desse tipo de câncer?
Laudemir Nogueira – Sim, há muitos casos de câncer de pulmão. Não posso dar números precisos porque não tenho formação técnica, sou advogado, mas vejo diariamente pacientes chegando ao hospital já em estágio avançado da doença.
Por isso reforço: diagnóstico precoce é a chave. E, depois dele, é preciso ter um centro de tratamento bem estruturado. Não adianta abrir um serviço de oncologia em determinada cidade sem profissionais qualificados e sem condições adequadas de atendimento.
O tratamento oncológico é diferente de qualquer outro. Ele precisa ter, acima de tudo, caráter humanitário. Caso contrário, não há evolução. É necessário contar com equipes comprometidas — e isso custa muito para uma instituição filantrópica.
Para se ter ideia, desde 2002 o SUS paga R$ 10 por uma consulta. Hoje, o Estado paga R$ 30 ao Hospital de Câncer. Nós precisamos pagar R$ 75 para conseguir manter o profissional. Enquanto isso, uma consulta particular com especialista chega a R$ 800, R$ 900 ou até R$ 1 mil. A imensa maioria da população não tem condições de arcar.
Se houvesse remuneração adequada, teríamos mais profissionais. E isso vale apenas para a consulta. No diagnóstico, os custos são ainda maiores. O que o SUS paga por um exame laboratorial não cobre sequer a ampola usada para coletar o sangue, muito menos reagentes, equipamentos, estrutura física e profissionais. A conta só fecha com o apoio da sociedade.
MidiaNews – Essa dificuldade financeira também afeta a farmácia de alto custo?
Laudemir Nogueira – Não, é uma situação diferente. O que entristece é que o SUS tem uma lista de medicamentos para o tratamento do câncer bastante defasada. Há vários medicamentos modernos, aprovados pela Anvisa e pela Conitec, que não são disponibilizados.
Isso é um erro. Muitas vezes, um tratamento com esses medicamentos pode custar R$ 180 mil ou R$ 200 mil, mas tem potencial de curar, principalmente em casos de câncer de mama. Sem eles, o paciente fica mais tempo em tratamento, o custo é ainda maior, e muitas vezes o desfecho é a morte. O câncer recidiva, o paciente perde qualidade de vida. Falta uma análise de custo-benefício mais humanizada.
Deveria haver uma conta simples: quanto custa o tratamento tradicional? Quanto tempo ele dura? Qual sua eficácia? Quanto custa o tratamento moderno? Qual o resultado esperado? Quanto vale uma vida? Mas isso não é feito.
O ideal seria: se há parecer clínico, com respaldo científico, aprovado pela Anvisa e pela Conitec, o medicamento deveria ser disponibilizado. Mas, na prática, se você chegar à farmácia de alto custo com um laudo médico, relatórios e literatura internacional, provavelmente vai ouvir: “Esse medicamento não está na lista, não podemos atender”. Na maioria dos casos, só se consegue acesso com ordem judicial.
E isso não é culpa da farmácia, e sim do sistema, da burocracia e da falta de visão humanitária na formulação das políticas públicas.
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