O caso da estudante que esfaqueou uma colega de sala na Escola Cesário Neto há poucos dias, em Cuiabá, reacendeu o debate sobre violência entre jovens.
A psicóloga Bruna Macedo, que lida há 14 anos com esse público, se mostrou preocupada com o nível de violência no ato da estuante.
"Foi um acontecimento muito mais grave do que estamos acostumados a ver", disse a profissional.
Para Bruna, uma das explicações para o comportamento violento dos jovens é a forma como os pais estão educando os filhos. "Os pais hoje não querem ser autoritários, e muitas vezes beiram a permissividade", explica Bruna.
MidiaNews – De uns tempos para cá, temos visto com bastante frequência casos de violência nas escolas. Inclusive, há poucos dias uma aluna tentou matar uma colega em sala de aula em Cuiabá. Quais são as razões para tantas agressões?
Bruna Macedo – As razões são diversas e complexas, mas vejo em meu consultório que uma das razões é a forma como os pais estão educando as crianças e os adolescentes. Faltam limites e regras claras. Os pais hoje não querem ser autoritários, e muitas vezes beiram a permissividade passando longe do meio-termo que é o estilo parental democrático, que consiste em respeitar a criança, ser firme, gentil e preocupado em criar conexão.
Quando não colocamos limites e regras claras, deixamos a criança ou o adolescente comandar a sua vida, justamente em um momento em que tudo que precisam é de um guia que lhe dê segurança para crescer, amadurecer.
Imagine viver em um ambiente onde as regras e os limites são comandados por você, ou seja, as frustrações normais da vida cotidiana beiram a 0, pois me alimento com o que quero, na hora que quero, assisto ou jogo quantas horas eu quiser, vou dormir na hora que eu bem entender, meus pais só fazem o que eu quero. Quando esse adolescente for viver a vida real fora deste ambiente de proteção, seu limiar de frustração será muito baixo e, quando a frustração acontecer, provavelmente sua reação será desproporcional ao fato, visto que não estão habituados a serem contrariados.
MidiaNews – A senhora acompanhou o caso da estudante que furou o pescoço de uma colega de sala em Cuiabá? Não acha que foi algo mais grave do que estamos acostumados a ver nas escolas?
Bruna Macedo – Acompanhei este triste acontecimento apenas pela mídia. É com muita tristeza que vejo tudo isso, pois é o ápice da violência. Foi um acontecimento muito mais grave do que estamos acostumados a ver. Discussões e até brigas acontecem com frequência no âmbito escolar, mas uma violência como a que aconteceu é bem mais rara. A falta de habilidade em resolver problemas conversando é o maior gargalo da nossa sociedade. Não aceitar a opinião do outro, não aceitar que as coisas podem sair do nosso controle.
MidiaNews – O retorno ao convívio depois de dois anos de isolamento pode explicar um pouco dessa agressividade nas crianças e adolescentes?
Bruna Macedo – É um fator a ser considerado, mas não pode ser a única explicação. Quando uma violência dessa acontece, ela tem multifatores. Devemos levar em consideração que o ser humano é composto da genética, ambiente, criação, vivências, interpretações etc.
Para fazer essa afirmação teríamos que avaliar o que esse jovem fez durante esses dois anos de isolamento. Questionamentos a serem feitos: teve uma relação saudável com sua família, manteve as relações de amizade mesmo que online, continuou com a rotina de estudos, teve o acompanhamento parental quanto ao tempo e conteúdo que viu na internet e jogos, praticou algum tipo de esporte e se alimentou adequadamente? Todos esses critérios são importantíssimos para que uma criança ou adolescente tenha uma vida física e mental saudável.
MidiaNews – Um jovem que cresceu e cresce vivenciando violência na família ou no meio em que convive tende a ser mais violento?
Bruna Macedo – Um jovem que vem de uma família violenta ou que mora em um local onde a violência faz parte de seu cotidiano tente a normalizá-la. Quando normalizamos a violência, ela acaba por fazer parte de nós. Passamos a não nos assustarmos mais com barbaridades. Se aprendermos em casa que a melhor maneira de resolver nossas questões é através de violência, a tendência é replicar isso para as nossas relações familiares, amizades etc. É importante ressaltar que isso não é uma regra, ou seja, um indivíduo pode sim vir de uma família desregulada emocionalmente e vir a se tornar uma pessoa que sabe resolver seus problemas sem violência.
MidiaNews – Quando indícios de violência são notados entre os jovens, qual a melhor postura a ser adotada pelos educadores e pelos pais?
Bruna Macedo – Quando detectamos que uma criança ou adolescente está violento, ou seja, usa da força física ou de palavras agressivas para resolver suas questões com as pessoas ao seu redor, a melhor estratégia é a conversa, a escuta ativa e também fazer com que essa criança ou adolescente arque com as consequências de suas atitudes. Fingir que nada aconteceu ou diminuir o fato não resolverá e nem ensinará o que é certo e errado para ninguém. Sempre bato na tecla da conversa - fale com o adolescente. Nós não podemos deixar de conversar sobre tudo e ser a pessoa que eles confiam para se abrir.
MidiaNews – A senhora acredita que há uma falta de acompanhamento psicológico nas escolas para os jovens?
Bruna Macedo – Acredito que sim. Todas as escolas, sejam públicas ou privadas, deveriam ter no mínimo um psicólogo para dar suporte emocional para os alunos e profissionais. Hoje os problemas emocionais estão cada vez mais evidentes e o melhor momento de cuidar é todo dia. Não adianta fazer campanhas se não há o acompanhamento diário. Por isso a importância de ter um psicólogo diariamente nas escolas. Tenho a convicção que faria total diferença na vida escolar tanto dos alunos quanto dos professores.
MidiaNews – O que pode ser feito para evitar que os jovens cometam violências com seus colegas de escola?
Bruna Macedo – Quanto mais diálogo, melhor. As escolas poderiam fazer mais rodas de conversas entre as crianças e os jovens. Ter uma disciplina voltada para a educação emocional seria muito importante desde a educação infantil até o ensino médio, pois ter um espaço onde se possa falar de sentimentos amplia nossa visão de nós e do mundo ao redor.
MidiaNews – Como o tratamento psicológico pode fazer os jovens mais saudáveis mental e emocionalmente?
Bruna Macedo – Hoje, com o aumento nos casos de depressão, ansiedade e síndrome do pânico, se faz cada vez mais necessário o acompanhamento psicológico desde a infância, pois quanto antes tratamos, menos sofrimento e melhores são as possibilidades de aprendizagem de comportamentos mais adaptativos que trarão uma qualidade de vida e um desenvolvimento mais saudável.
MidiaNews – Existem doenças mentais que, caso não tratadas, podem atuar como estimulantes de um comportamento agressivo?
Bruna Macedo – Existem, por exemplo, crianças com transtorno opositivo desafiador que, se não tratado, podem sim se tornar mais agressivo. Mas o tratamento com a terapia cognitiva comportamental é excelente.
MidiaNews – A senhora acredita que a pandemia dificultou o desenvolvimento social dos jovens?
Bruna Macedo – Acredito que sim, pois os jovens deixaram de viver dois anos de experiências que trariam repertório social. Mesmo que eles tenham mantido as amizades através das redes sociais, nada será igual às situações vividas no mundo real. Agora eles estão correndo atrás do tempo perdido, mas infelizmente não conseguimos recuperá-lo. O que era para ser vivido com 12 anos, 13 anos não será vivido da mesma forma com 15 anos, pois a maturidade é outra.
MidiaNews – Na sua opinião, o que pode ser feito nas escolas, tanto públicas quanto particulares, para minimizar a violência entre estudantes?
Bruna Macedo – Os estudantes devem ter cada vez mais espaços onde eles possam ser escutados, ter pessoas dentro das escolas realmente preocupadas com eles, sem pré-julgamentos, sem banalizar os sofrimentos inerentes dessa faixa etária.
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2 Comentário(s).
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Eduardo 26.09.22 10h35 | ||||
Tudo começa em casa. Escola é para ensinar. Educação é em casa. Em regra (óbvio que existem exceções), filhos de pais frouxos cometem as maiores barbaridades. Desde agressões covardes em boates, quebrando garrafas e copos no rosto das pessoas, até se enfiarem embaixo de alguma árvore ou atropelarem alguém dirigindo bêbados na rua. Melhor seu filho chorar em casa porque você disse não pra ele, do que você chorar em cima de alguma cagada que ele fez porque não disse não pra ele quando deveria. Isso se não for o tipo de pais que acham que o filho nunca tem culpa e nem faz nada errado. Todo mundo tem frustração e isso ajuda a crescer. Achar que deve ser feliz 100% do tempo é a pior coisa que se pode desejar para alguém. | ||||
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Juliana Farias Duarte Seixas 25.09.22 12h46 | ||||
Óbvio que não é culpa dos pais e que o autoritarismo não resulta em bom funcionamento na educação de pessoas. Ninguém responde bem ao autoritarismo, isso sim gera rancor, sentimentos de ódio e mais reprodução de violência. Pra falar do que aconteceu na escola é preciso ouvir as pessoas, há fatores complexos sim envolvidos, mas um fator social que vivemos é a de uma abertura sim a discursos que incitam a violência e ódio, banalizando a violência e não incentivando a civilidade em nossa sociedade. | ||||
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