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ISOLAMENTO
11.04.2020 | 19h03 Tamanho do texto A- A+

Psiquiatra: “Ninguém vai sair ileso; ninguém está 100% confiante"

Andrea Fetter Torraca aconselha a manter rotina e usar redes sociais para interagir com os amigos

MidiaNews

A psiquiatra Andrea Fetter Torraca, que dá dicas para lidar com a ansiedade no período de isolamento social

A psiquiatra Andrea Fetter Torraca, que dá dicas para lidar com a ansiedade no período de isolamento social

CÍNTIA BORGES
DA REDAÇÃO

Os efeitos psicológicos do isolamento social, aconselhado por autoridades da Saúde devido à pandemia do novo coronavírus, podem potencializar o sofrimento de quem já sofre com transtornos de ansiedade.

 

Para a psiquiatra Andrea Fetter Torraca, no entanto, as pessoas podem educar o olhar e fazer do período um momento de crescimento e positivo. 

 

“Ninguém vai sair ileso de uma situação dessa. Uns estão aprendendo bastante, outros não. O principal é manter a rotina. [...] É momento de pensar sobre o que está acontecendo, não se cobrar muito. Aproveitar o tempo que você nunca tem para descansar, para estudar o que você nunca estudou, para conversar com pessoas com quem você não teve tempo de conversar”, disse, em entrevista concedida ao MidiaNews por telefone nesta semana.

 

A psiquiatra ainda aconselha a levar “um dia de cada vez”, como forma de reduzir a ansiedade e o medo.

 

“A rotina dentro de casa é importante para você conseguir manter essa sanidade mental. Conversar com as pessoas, não ficar tanto exposto ao noticiário. É evitar. É se manter informado pelo Ministério da Saúde, o que procede ou não”, afirma.

 

Confira os principais trechos da entrevista:

 

MidiaNews

Andréa Fetter Torraca

"Tenho pacientes que já haviam deixado de usar a medicação que retornaram com sintomas de medo, como o da morte e de se contaminar"

MidiaNews - Uma pesquisa feita na semana passada por uma start-up de tecnologia mostrou que os brasileiros estão mais estressados, ansiosos e entediados devido à pandemia. A senhora tem percebido isso em seu consultório?

 

Andrea Fetter Torraca – Sim! Pacientes que já têm transtorno de ansiedade, como síndrome do pânico, ou outros tipos de ansiedade, estão piorando os sintomas. Tenho pacientes que já estavam sem sintomas - e mantinham uma rotina de exercícios físicos regulares, iam para igreja e faziam outras atividades externas - mas agora tiveram o quadro piorado devido ao isolamento.

 

Tenho pacientes que já haviam deixado de usar a medicação e que retornaram com sintomas de medo, como o da morte e de se contaminar, ou de algum ente ter o vírus. 

 

As pessoas estão expostas a muita informação que a gente não sabe se é real ou fake news. Muito amedrontamento. E as pessoas não sabem selecionar o que serve e o que não serve para ela. O que está fazendo mal ou não.

 

O que percebo é que a mídia deixa as pessoas mais ansiosas ainda. Às vezes as pessoas não têm tanto medo da doença, mas da parte financeira. Como se tivéssemos em estado de guerra. As pessoas mais vulneráveis entram nessa “matrix” do medo.

 

Por exemplo, vemos políticos tentando manter esse “terror” para ter um ganho secundário ali, que é poder quebrar as pessoas, para depois dar a muleta. Porque se você olhar estatisticamente uma pandemia, a incidência da mortalidade é pequena.

 

O que acontece é que não dá para adoecer todo mundo de uma vez só. Porque para essas pessoas que piorarem não vai haver assistência de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), de respirador...

 

O que deixa as pessoas mais tristes é não ter uma objetividade de recomendações. A indefinição gera mais ansiedade do que o medo da própria doença.

 

MidiaNews - Quais os impactos psiquiátricos que o isolamento social pode trazer?

 

Às vezes as pessoas fogem do convívio familiar indo trabalhar e até realizando atividade física, como um futebol com os amigos, para não ter contato e não resolver os problemas intrafamiliares. Esse período aumenta muito o estresse dentro de casa

Andrea Fetter Torraca – A rotina da pessoa é modificada. E tem uma iminência de um risco de vida, tanto para ela quanto para os familiares, principalmente os mais velhos. Agora, as pessoas enfrentam a própria vida: ‘O que está faltando para mim?’, se questionam.

 

Toda a rotina é alterada. Não se trabalha mais, tem que ter cuidado ao sair de casa... Entra em contato real com as dificuldades entre os familiares.

 

Às vezes as pessoas fogem do convívio familiar indo trabalhar e até realizando atividade física, como um futebol com os amigos, para não ter contato e não resolver os problemas intrafamiliares. 

 

Esse período aumenta muito o estresse dentro de casa. Manter a rotina, como ter horário para o trabalho online, ter atividades de lazer e fazer exercícios físicos, ajuda bastante.

 

MidiaNews – E como lidar com esses atritos dentro de casa? Entre pais e filhos, maridos e esposas.

 

Andrea Fetter Torraca – Cada um vai ter uma maneira de lidar com a situação. É preciso ter rotina para a criança, porque senão elas ficam insuportáveis dentro de casa. São coisas simples: arrumar a mesa, fazer tarefa, brincar, cozinhar.

 

Acontece que as mães não estão acostumadas com esse convívio, e isso é tão ruim para criança quanto para ela. Alguns dias depois fica uma rotina maçante.

 

O marido também precisa se conscientizar de que é preciso dividir tarefas. A mulher normalmente assume tudo, e aí depois não consegue gerenciar tudo. A hora em que um estiver irritado, o outro fica quieto, espera o outro acalmar e aí vai conversar sobre o assunto. E aí eles conseguem se reorganizar como casal.

 

MidiaNews – O que mais a senhora tem observado?

 

Andrea Fetter Torraca – Isso nem tem na literatura, mas o que observo nos carrinhos de mercado é a quantidade grande de bebida de alcóolica. Então, o quanto está aumentando a ingestão de bebidas alcoólicas e até de drogas por conta da quarentena.

 

Tem muitos pacientes que são mais caseiros e não sentem muito. Os idosos também são mais adaptáveis. O que sentem mais é a falta dos netos, que não vão mais visitá-los. Mas as atividades dentro de casa, como cuidar do jardim, organizar a casa, fazem eles não sentirem tanto. 

 

Tenho uma paciente que, devido o isolamento social, parou de trabalhar por ser autônoma. Ela tinha síndrome do pânico que estava bem compensada e acabou voltando. Cada pessoa desenvolve de um jeito. Até um certo grau é normal, mas depois é preciso pedir ajuda médica.

 

MidiaNews – E quando pedir ajuda médica?

 

MidiaNews

Andréa Fetter Torraca

Pacientes que se sentirem bem devem ficar em casa. Consultório só em casos graves

Andrea Fetter Torraca – Quando a pessoa começa a não dormir direito, sentir alteração no sono, alterar o apetite. Quando a interação social estiver muito frustrada. 

 

MidiaNews – A senhora citou a bebida alcóolica, que pode ser considerada uma fuga, mas há pessoas que estão buscando a fuga na comida. Como fazer para não atacar a geladeira e controlar melhor a ansiedade?

 

Andrea Fetter Torraca – A primeira coisa é planejar o dia e os horários. Assim já fica mais fácil. Fazer comida mais saudável. É planejar desde cedo: o cardápio e o que vai fazer para comer com mais consciência. Mas alguma coisinha a mais vai acontecer. 

 

Ninguém vai sair ileso de uma situação dessas. Uns estão aprendendo bastante, outros não. O principal é manter a rotina: fazer uma leitura, atividades físicas, organizar a casa.  Pensar: “Como posso viver melhor com o que tenho nesse momento?”.

 

Usar as redes sociais para falar com familiares e amigos também é importante. Ajuda a dispersar essa sensação de solidão. Pensar sobre o momento que está acontecendo, não se cobrar muito. Aproveitar o tempo que você nunca tem para descansar, para estudar o que você nunca estudou, para conversar com pessoas com quem você não teve tempo de conversar. 

 

E se tiver recaídas do ponto vista psiquiátrico, como o retorno de sintomas depressivos e de ansiedade, tem que procurar ajuda profissional para ajustar a medicação.

 

MidiaNews – Para a senhora, o que gera mais ansiedade nas pessoas? O medo da própria doença ou do desemprego e da perda de padrão de vida?

 

Andrea Fetter Torraca – Paciente que tem uma síndrome do pânico, por exemplo, já tem um medo de morrer, de perder o controle. Sintomas físicos, como o taquicardia, o medo exacerba demais. É o medo da própria doença. Mesmo em pacientes saudáveis, ele fica com esse temor na cabeça e aí nesses casos tem que entrar com medicação. Porque aí tem um fator estressor que justifica essa possibilidade de morte muito próxima.

 

E outras pessoas têm outro transtorno de ansiedade, que é a ansiedade generalizada, que é quando começa a ter mais medo do futuro. “O que vai ser de mim amanhã? Eu terei dinheiro ou não para arcar com minhas contas? Como vai ser?”, se questionam. 

 

São duas coisas que podem alterar o andamento dos transtornos ansiosos.

 

A rotina dentro de casa é importante, para você conseguir manter essa sanidade mental. Conversar com as pessoas, não ficar tanto exposto ao noticiário

MidiaNews – Percebe-se que a sociedade hoje está com muito medo.  Como combater esse medo sem minimizar os riscos da doença?

 

Andrea Fetter Torraca – Não é um momento estável para ninguém. Ninguém está estável e confiante 100%. É um momento de expectativa e de levar um dia por vez da melhor forma possível. Não devemos ser reativos às circunstancias. É ser mais proativo. “Isso procede?”, “O quanto posso dar de importância nisso na minha vida?”. 

 

Se você conseguir conversar com você mesmo ou iniciar uma psicoterapia para ver como você pode fazer isso na sua vida, será ótimo.

 

É por isso que a rotina dentro de casa é importante, para você conseguir manter essa sanidade mental. Conversar com as pessoas, não ficar tanto exposto ao noticiário. É evitar. É se manter informado pelo Ministério da Saúde, o que procede ou não.

 

As pessoas olham e pensam: “Nossa, morreram cinco”. A gente que é da área da saúde pensa: “Mas quantos morreram por infarto, ou por dengue hemorrágica?”. As pessoas acreditam que está morrendo só por isso. Não. Está havendo diversos tipos de morte.

 

MidiaNews – Lavar as mãos tem sido uma das principais indicações dos médicos no enfrentamento à pandemia. Esse tipo de situação pode ser ruim para pessoas que têm transtorno obsessivo compulsivo (TOC), já que muitas delas lavam as mãos diversas vezes ao dia?

 

Andrea Fetter Torraca – Sim. Em um paciente que tem o transtorno devido a simetria e ordem, não afeta. Mas se for um TOC de contaminação piora demais. Pode ter dermatite de contato, pode ter lesões de pele com infecções secundárias. O TOC realmente piora. Ainda não tive nenhum no consultório, mas tem sim. 

 

MidiaNews – Quais outras dicas a senhora daria para se manter bem durante esse período de quarentena.

 

Andrea Fetter Torraca – A principal é manter a rotina. Dormir e acordar no mesmo horário, ter horário para almoçar, para ler, para trabalhar, para fazer exercícios físicos, que é muito importante. Hoje há muitas aulas online. 

 

Nesse período muitas pessoas vão começar a descobrir o que alivia a ansiedade neles. Ter hobbies, por exemplo, é importante. Tem gente que gosta de pintar, fazer crochê, cozinhar, organizar a casa. Tudo isso são medidas para diminuir o tédio.

 

Conversar com as pessoas dentro de casa. Vão aumentar muito as agressões verbais e físicas das pessoas dentro de casa, mas vai também se organizar muito a dinâmica familiar para os que tiverem bem intencionados.

 

Procurar usar as redes sociais – Instagram, WhatsApp – para conversar. E também tentar não se cobrar, porque todas as nossas expectativas terão que ser abortadas. A viagem que você faria daqui um ou dois meses terá que ser adiada. 

 

Para pessoas que se programam muito certinho é como se tirasse a vida da pessoa, mas é preciso saber que nem tudo a gente controla. A gente faz a previsão, mas nem sempre é do nosso jeito. É ter a humildade para saber: cada dia é um dia, e eu não estou no controle e preciso me cuidar. Farei o melhor por mim, pela minha casa e isso vai passar.

 

E se tiver recaídas de transtornos mentais, procurar atendimento médico.

 

MidiaNews – Como estão acontecendo as consultas, em razão do isolamento? 

 

Andrea Fetter Torraca – Pela Associação Brasileira de Psiquiatria, a gente pode continuar atendendo no consultório em casos mais graves. Tanto médico como paciente usam máscara, e só em caso de emergência mesmo. Obedecemos ainda o distanciamento e adotamos outras medidas como as janelas do consultório sempre abertas e álcool em gel ofertado aos pacientes. 

 

Agora foi liberada a telemedicina, que antes não era, para atendimento desses pacientes. E as receitas também são feitas de maneiras digital e são enviadas diretamente por SMS para o paciente.

 

MidiaNews – A senhora sente algum temor dos pacientes em procurar o consultório?

 

Andrea Fetter Torraca – Eu estou deixando o paciente muito bem informado. Em regra, o paciente se tiver bem pega a receita para dois ou três meses e vem depois. 

 

O atendimento está sendo feito só em pacientes em estado grave. E o que é grave em psiquiatria? É a ideação suicida, um quadro psicótico, uma ansiedade porque o paciente não consegue dormir, se alimentar. Aí ele precisa ser atendido rápido.

 

 

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3 Comentário(s).

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cristiane  13.04.20 21h10
Muito obrigada pelas informações Dra... a melhor entrevista que li até agora sobre saúde mental na quarentena...
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Sonia da costa alves coelho  13.04.20 10h09
Essa psiquiatra muito boa ela é muito gentil atende seus pacientes com muito amor!!
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elza de araujo leite  12.04.20 20h28
melhor psiquiatra de cuiaba, conversa muito com o paciente, acerta rapido no diagnostico e medicaçao, é excelente!!!!!
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