Cuiabá, Sábado, 15 de Novembro de 2025
ROSANA LEITE
04.03.2025 | 05h30 Tamanho do texto A- A+

Auroras e Marias: viva o carnaval!

Nesse festejo popular eram entoadas músicas onde todas as idades dançavam

As festas populares sempre disseram muito sobre a sociedade. São momentos criados e pensados por seres humanos, carregando toda carga inerente a eles e elas. As marchinhas e músicas destinadas para curtir, ou “brincar” o carnaval, também estão adstritas a desafios sociais, conflitos e desconstrução.

Há pouco tempo atrás, nesse festejo popular eram entoadas músicas, onde todas as idades dançavam, curtiam e cantavam

           

Há pouco tempo atrás, nesse festejo popular eram entoadas músicas, onde todas as idades dançavam, curtiam e cantavam, sem qualquer contestação. As letras traziam conteúdos, muitas vezes, pouco educativos e politicamente incorretos, mas que poucos e poucas percebiam. Era tão comum a forma desrespeitosa com que os grupos mais vulnerabilizados socialmente eram tratados, que as cantigas apenas traduziam o lamentável sentimento.

           

A marchinha de carnaval intitulada “Aurora”, uma clássica composição do artista Mário Lago, por exemplo, teve o tema que girou em torno da “sinceridade” e da “promessa de vida melhor” a uma mulher. Com ironia e uma pitada de amargor, o eu lírico da música repetia por diversas vezes que se a Aurora fosse sincera, poderia desfrutar de uma vida luxuosa, inclusive, com um apartamento com porteiro e elevador, e usufruir do tratamento de “madame”.

           

A marcha de carnaval “Aurora” diz que a ascensão social para as mulheres deve ser enxergada e conectada à lealdade dentro do relacionamento amoroso. Mais ou menos como se as mulheres só se unissem a alguém amorosamente para poderem “desfrutar” de luxo, riqueza ou vida abonada.

           

O grande compositor Lamartine Babo criou em 1929, e lançou a canção nacionalmente no Rio de Janeiro dois anos após, intitulada “O teu cabelo não nega”. Na música, de cunho racista, dizia que a “mulata” possuía um cabelo que não negava a sua raça, mas como a “cor não pega”, ou seja, não é contagiosa, poderia sim ter o amor da “mulata”.

           

Sidney Magal, na era de 70, através da música “Se te agarro com outro te mato”, muito bem fez jus à malfadada “legítima defesa da honra”. Justamente em momento onde homens “lavavam a honra com sangue”, ele não teve dúvidas de que a sua música seria sucesso. E foi! Inclusive, na letra dizia que a mataria, mandaria flores, e depois escaparia. Algo novo?

           

Há pouco tempo atrás, na década de 80, o cantor Luiz Caldas embalou a dança com o seu “Fricote”. Na música, de forma bastante clara e objetiva, dizia que a “nega do cabelo duro não gostava de pentear os cabelos”. E mais, trazia o assédio e o abuso sexual com a qual essa figura da música poderia ser tratada. Porquanto, quando ela passava na baixa do tubo, o “negão” começava a gritar que ela deveria ser pega, em tom de malícia para passar batom e outras “coisitas” mais.

           

Já a música que embalou a década de 90, de nome “Faixa Amarela”, teve no grande intérprete Zeca Pagodinho um dos seus famosos sucessos. O autor, de maneira romântica, conduz o início musical afirmando que tudo faz pela sua amada: a presenteia, faz declarações de amor em faixa, e por aí afora. Todavia, se aquela que ele denomina “donzela” vacilar receberá castigo, uma banda de frente, quebrará cinco dentes e quatro costelas.

           

Já a “Maria Sapatão” assim o era por estar na “moda”, com total desrespeito a orientação sexual. Essa foi uma canção cantada aos sábados no “Cassino do Chacrinha”, quando as mulheres lésbicas foram demasiadamente expostas, e tratadas com menosprezo. A “Cabeleira do Zezé” o aclamava: “será que ele é?”. E “A Mulata Bossa Nova” foi escrita em razão de Vera Lúcia Couto ter sido eleita a primeira mulher negra titulada como Miss Brasil. Assim, a música relatou que ela esnobou as loiras e as morenas do Brasil.

           

Foi preocupante, mas essas canções “pegaram” firme no imaginário popular, sendo cantadas e dançadas em todos os lugares. No ano de 2018, mostrando que os tempos são outros, a Estação Primeira de Mangueira trouxe no samba enredo “História Para Ninar Gente Grande”: “Brasil, o teu nome é Dandara/ E a tua cara é de cariri/ Não veio do céu/ Nem das mãos de Isabel/ A liberdade é um dragão no mar de Aracati.”  

 

Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual e mestra em Sociologia pela UFMT.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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