Cuiabá, Segunda-Feira, 15 de Dezembro de 2025
GONÇALO ANTUNES DE BARROS
15.12.2025 | 05h30 Tamanho do texto A- A+

Democracia: entre regras e desobediências

Quais seriam os fundamentos para uma plenitude democrática?

A democracia não é um móvel pronto: é obra em andamento, feita de instituições, hábitos e desacordos. Costuma-se defini-la por eleições livres. É pouco.

Plataformas digitais aceleram o debate, mas premiam o ruído. A economia da atenção favorece certezas instantâneas e linchamentos morais

 

Como lembrava Norberto Bobbio, o método eleitoral é condição necessária, não suficiente: contam também direitos fundamentais, publicidade dos atos e alternância no poder.

 

Joseph Schumpeter foi além ao chamar de “método competitivo” a disputa porvotos; útil, mas estreito, porque a qualidade da vida democrática não se mede só pelatroca de governantes, e sim pela capacidade de conter o poder e incluir vozes.

 

Quais seriam os fundamentos para uma plenitude democrática? A primeiraâncora está em Montesquieu: separar funções, equilibrar competências, multiplicar freios. Democracia é moderação institucional.

 

A segunda vem de Tocqueville: sem associativismo, imprensa plural e costumes de autogoverno, as regras viram casca; o risco é a “tirania da maioria” por conformismo.

 

A terceira, de Benjamin Constant e Isaiah Berlin: proteger a esfera individual contra a vontade onipotente do “todo” — a liberdade moderna precisa de direitos e de razões, não de virtude compulsória.

 

Pela tradição republicana, ser livre é não ser dominado: não basta ausência de interferência; é preciso que ninguém possa mandar arbitrariamente (Philip Pettit e Quentin Skinner).

 

Daí a exigência de leis impessoais, controles independentes e condições materiais que evitem dependências que silenciam. A isso, John Stuart Mill agrega o núcleo da liberdade de expressão: calar dissidências empobrece a verdade e infantiliza a cidadania. Quando a crítica é punida, o voto vira ritual.

 

Mas a democracia também é deliberação. Para Jürgen Habermas, decisões legítimas pedem publicidade de motivos e reciprocidade argumentativa: governar é convencer com razões acessíveis a cidadãos razoáveis. Tal perspectiva pode ser chamada de razão pública: em temas fundamentais, as justificativas devem falar a todos, não só a convertidos. Sem esse “ethos”, cresce o populismo plebiscitário, que troca debate por aclamação (Rawls).

 

O olhar sociológico ajuda a aterrar o ideal. Em Weber, toda autoridade precisa de legitimidade; quando só o carisma conta, a política degenera em culto à personalidade, os procedimentos viram ornamento e a decisão passa a oscilar ao sabor do líder.

 

Outro grande destaque do pensamento sociológico, Émile Durkheim lembra que instituições são fatos sociais: exteriores aos indivíduos, coercitivas e dotadas de vida própria. Elas resistem a voluntarismos e não se dobram ao ímpeto de “reinventar tudo” a cada crise. Quando laços comuns afrouxam, sobrevém a anomia — perda de referências normativas — e os conflitos se agravam.

 

Em outra vertente, Pierre Bourdieu ilumina a democracia pelo ângulo da linguagem como poder. Os espaços públicos são “campos” com regras próprias, nos quais agentes disputam capital simbólico — prestígio, autoridade, credibilidade — para definir a doxa, isto é, o que passa por “natural” ou “razoável”.

 

Quem domina o código legítimo (técnico, jurídico, econômico) não apenas descreve o mundo: faz valer uma certa visão do mundo.

 

É assim que o juridiquês, o economês, o tecnicismo administrativo e certos editorialismos funcionam como fronteiras invisíveis: transformam diferenças de capital cultural em diferenças de voz, produzindo violência simbólica — a aceitação, pelos próprios dominados, de classificações que os silenciam.

 

E as tensões contemporâneas? Plataformas digitais aceleram o debate, mas premiam o ruído. A economia da atenção favorece certezas instantâneas e linchamentos morais.

 

O antídoto não é censura; é transparência ativa, educação midiática, jornalismo rigoroso e instituições que exponham dados, estudos de impacto e alternativas

rejeitadas.

 

Assim, democracia não é unanimidade; é conflito civilizado. Hannah Arendt lembrava que a política nasce quando nos reunimos para falar e agir; o espaço público é conquista, não automatismo.

 

É por aí...

 

Gonçalo Antunes de Barros Neto é formado em Filosofia, Sociologia e Direito.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).




Clique aqui e faça seu comentário


COMENTÁRIOS
0 Comentário(s).

COMENTE
Nome:
E-Mail:
Dados opcionais:
Comentário:
Marque "Não sou um robô:"
ATENÇÃO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. Comentários ofensivos, que violem a lei ou o direito de terceiros, serão vetados pelo moderador.

FECHAR

Preencha o formulário e seja o primeiro a comentar esta notícia



Leia mais notícias sobre Opinião:
Dezembro de 2025
15.12.25 08h33 » Dia das Mulheres Advogadas
15.12.25 05h30 » A fila que não anda
14.12.25 05h30 » A ciência é criacionista
14.12.25 05h30 » A Parábola do Rei Nu
14.12.25 05h30 » O amor em tom caramelo!
13.12.25 05h30 » A Era do BBF