Cuiabá, Quarta-Feira, 18 de Junho de 2025
ROBERTO BOAVENTURA SÁ
18.06.2025 | 05h30 Tamanho do texto A- A+

Dos “malucos” e da “retórica”

Ex-capitão sempre que falou em retórica, o fez sem consciência histórico

Quase uma semana após o depoimento de Bolsonaro no STF, e ainda há o que considerar sobre os termos “malucos” e “retórica”, ambos usados pelo ex-presidente para tentar se safar das acusações de crimes diversos. Começarei pela tal “retórica”.

 

Antes, porém, registro a felicidade de ter podido ver dois brasileiros tão diferentes frente a frente no STF, em um momento tão importante de nossa história: um – de toga –  indagava sobre golpe; o outro – de terno social – respondia, fosse o que fosse, pois, conforme regras das “quatro linhas da Constituição”, nem era obrigado a isso. Jair não precisava produzir mais provas contra si, além das já produzidas durante seu mandato.

 

Aquela cena no STF, aguardada por democratas realmente patriotas, só ocorreu porque estamos em um Estado Democrático de Direito, mesmo que imperfeito. Caso vivêssemos em uma ditadura, advinda de golpe, desejado e arquitetado por todos os réus do mesmo processo penal, consoante acusação da PGR, esse tipo de espaço legal não existiria. Logo, ao invés de transmissão pela TV daquele evento jurídico, motivado por desvios constitucionais, restar-nos-iam sombras e odores fétidos dos porões de prédios, como o do filme “Ainda Estou Aqui”, onde são praticadas torturas e mortes, sempre definidas ao sabor de interpretações e interesses de seres e agrupamentos inomináveis.

 

Mas vamos à “retórica” de Bolsonaro, que, na verdade, é outra coisa. O ex-capitão, em seu depoimento, sempre que falou em “retórica”, possivelmente, o fez sem consciência histórico-linguístico-filosófica do termo. Durante seu governo, ao invés de exercer a “Retórica”, uma das heranças do pensamento de Aristóteles, que pressupunha ao orador uma intelectualidade desenvolvidíssima para seu exercício, Bolsanaro nunca passou dos limites de praticar a indevida verborragia, que, aliás, lhe é marca registrada desde sempre. Ao contrário da Retórica, na verborragia, cabe todo tipo de baixaria linguística: palavrões, mentiras, ameaças vis, disseminação de ódio, desrespeitos...

 

A propósito, políticos verborrágicos – seres sempre desqualificados, da direita e/ou da esquerda – só se projetam por conta de seus iguais: eleitores pouco ou nada exigentes em termos de “logos”, que é uma das sustentações da Retórica em si; ou seja, aquilo que é “responsável por prover a conexão entre o discurso racional e a estrutura racional do mundo”, conforme anota Willyans Maciel, já no início de um trabalho acadêmico seu, sobre as primeiras reflexões do conceito exposto pelo pré-socrático Heráclito de Éfeso. Assim, sem a devida consciência, obviamente, Bolsonaro agrediu também a Retórica em sua longa lista de violências.  

 

Para sustentar o que digo, bastaria transcrever qualquer um dos vários enunciados de Bolsonaro, ditos durante o próprio depoimento, tentando explicar suas “maluquices” linguísticas: palavras ao vento, desprovidas de verdades, como ele próprio afirmou; ou seja, pura “verborragia”, que, para o Michaelis On-line, é o “uso excessivo de palavras e de muita fluência para dizer coisas de pouco ou nenhum sentido ou importância”.

 

Tudo muito pertinente a Bolsonaro, sempre verborrágico, e nunca retórico, como se imagina. E a verborragia, em seu interrogatório, como se fosse “defeito de fábrica” de um ventríloquo, fê-lo deixar as feições de leão para assumir as de um gatinho dengoso, de tão simpático que estava à frente de “Xandão”, vítima de sua insana verborragia.

 

E foi essa metamorfose do leão para gatinho, ironizada em redes sociais adversas ao bolsonarismo, que o fez reincorporar uma prática que lhe é antiga: não carregar feridos, e, sim, salvar sua própria pele, quando se sente acuado. Para tentar limpar sua barra, o que deverá ser dificílimo, categorizou como “malucos” seus mais fiéis dentre os fiéis de seus seguidores: aqueles cabeças de papel que marcharam em frente a algum quartel.

 

Dos “malucos”, rifados, sem dó, por Bolsonaro, o seu ex-ministro da Educação – Abranham Weintraub – foi um dos que ficaram tiriricas. Em rede social, Weintraub declarou ter sido “muito otário” por ter acreditado em Bolsonaro. Oh! Na verdade, aquela criatura deve, enfim, ter se percebido como o velho e real Tiririca, quando este, não sem dignidade, usava nariz de palhaço para ganhar a vida em programas chulos de auditório.

 

Weintraub, confessando-se “muito otário”, o fez tarde demais, mas antes tarde... Outros “otários” – tipo raíz – do bolsonarismo jamais perceberão o quão bizarro e estéril foi o papel que fizeram em frente a quartéis, pois, para isso, teriam de ter a decência de buscar informações em fontes adequadas para não mais voltar a fazer o papel social de otários. Isso me parece difícil, posto terem sido convencidos (como em lavagem cerebral) de não mais se informarem pelo jornalismo profissional que, com todos os seus defeitos, será sempre mais confiável do que o ambiente abjeto e, tantas vezes, criminoso, vivido em várias bolhas das redes sociais.

 

Para confirmar isso, digo que, caso não vivessem em bolhas, os “otários” abandonados saberiam que o golpe tramado – daí o crime – JAMAIS ocorreria. Para saber disso, bastava ter visto, p. ex, , a matéria da BBC News Brasil que publicou, em 28/09/22, a seguinte notícia: “Senado dos EUA aprova recomendação de romper relação com o Brasil em caso de golpe”. Outras mídias profissionais também deram a mesma notícia.

 

Antes disso, enviados pelo então presidente Joe Biden, dos EUA, se reuniram com os chefes das Forças Armadas e deixaram claro que aquele país não apoiaria uma ruptura institucional no Brasil, conforme se pode conferir no link que segue: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/12/08/quem-evitou-golpe-em-2022-foram-os-eua-entrevista-antonio-lavareda.htm?cmpid=copiaecola).

 

Daí, mesmo que provocadas por aventureiros golpistas, as Forças Armadas não tiveram unidade suficiente para entrar na canoa furada. Por ironia, parece que apenas e justamente o marinheiro não percebeu bem o tamanho do furo de seu barco para uma viagem de tanto risco. Outro “oh”!

 

Depois dessas informações, que dificilmente circulariam nas bolhas bolsonaristas, que, sem pudor, cultivam apenas a mentira e o ódio, acreditar em golpe era mesmo uma coisa de “maluco”, como disse Bolsonaro... Enfim, uma verdade sua dita aos seus otários. 

 

Roberto Boaventura da Silva Sá é Dr. em Ciências da Comunicação/USP.

 

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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