Imagine uma cidade como Recife, que conta com quase um milhão e seiscentos mil habitantes. Agora imagine que esse município todo fosse habitado por crianças e adolescentes, e que todos trabalham. Pois bem, esse é o total de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no país, dos quais mais de 586 mil estão envolvidas em algumas das suas piores formas, de acordo com a última PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua).
Porém, sabemos que esse contingente de 1.6 milhão de crianças e adolescentes trabalhadores(as) não inclui crianças e adolescentes em exploração sexual, no trabalho infantil doméstico, no comércio e distribuição de drogas ilícitas, e também as que vivem nas ruas. Ou seja, o número de vítimas do trabalho infantil é maior que os dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. E esses dados nos revelam, para além da subnotificação, uma imensa desigualdade e injustiça sociais. Apesar de termos um Estatuto da Criança e do Adolescente, exemplo de legislação para o mundo, ele nunca foi implementado em sua íntegra, caso contrário, não teríamos quase uma Recife inteira de trabalhadores(as) infantis.
No mês de junho, anualmente, sociedade civil e instituições ligadas à promoção e defesa de direitos da infância e da adolescência, como o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção a Adolescentes no Trabalho - FNPETI e o Ministério Público do Trabalho – MPT, entre outras, desenvolvem campanhas sobre a temática a fim de sensibilizar a população sobre algumas dessas piores formas de trabalho infantil, de modo a prevenir e combater essa prática violadora dos direitos das infâncias e adolescências brasileiras.
Com o mote “Toda criança que trabalha perde a infância e o futuro”, a campanha deste ano busca promover a reflexão de que o tempo da infância é o agora, é o presente, e que cada um(a) de nós tem a responsabilidade e o dever ético de eliminar essa violação de direitos da realidade brasileira.
Baseados em trajetórias reais e em evidências científicas, são apresentados quatro personagens ‘vindos do futuro’, que foram trabalhadores (as) infantis e que tiveram suas infâncias interrompidas pelo trabalho. Persegue-se a ideia de que é possível a construção de uma nova possibilidade de trajetória para essas mais de 1.6 milhão de crianças e adolescentes que vivenciam esse cotidiano desgastante, cruel e que traz riscos e prejuízos à sua saúde física, psíquica e emocional, acarretando problemas em suas vidas adultas.
É fundamental que a sociedade brasileira reflita seriamente sobre qual presente – ou, ainda, qual futuro - quer ser construído para as crianças e adolescentes, observando a responsabilidade de cada ente governamental e os investimentos na promoção e nos direitos da infância. Não é possível - nem digno, diga-se de passagem - que o poder público se lembre das crianças e adolescentes apenas quando as datas comemorativas emergem no calendário. O compromisso feito pelo governo brasileiro na Agenda 2030 de erradicar as piores formas de trabalho infantil até 2025 está distante de ser cumprido. E nós, incansavelmente, continuaremos a lembrar que é preciso transformar os compromissos em ação.
Katarina Volcov é secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção a Adolescentes no Trabalho - FNPETI
Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).
0 Comentário(s).
|