Quando a internet surgiu, ainda discada via telefone, trazia a liberdade como promessa. Visivelmente um espaço aberto, plural e horizontal, mostrou ser capaz de romper barreiras geográficas, dar voz a grupos historicamente silenciados, ampliando, inclusive, os horizontes culturais.
São aproximadamente três décadas de popularização das redes digitais, mas o espaço se tornou ambiente vetor de reprodução de estereótipos de gênero.
Pesquisa recente publicada pela Revista Natura e publicada pela Agência Patrícia Galvão, externou evidências de que os principais algoritmos de inteligência artificial, como o ChatGPT e o Google, reforçam estereótipos de gênero e idade. O estudo foi liderado por cientistas das importantes universidades de Stanford, Berkley e Oxford, mostrando que mulheres são representadas como mais jovens e menos experientes que os homens, também em contextos profissionais de chefia e direcionamento.
Foram feitas análises de mais de 1,4 milhão de imagens e vídeos em plataformas como Google, YouTube, Wikipedia, IMDb e Flickr, além de textos de nove modelos de linguagem amplamente utilizados, tais como o GPT-2 e o ChatGPT. Pelo estudo, as mulheres aparecem associadas à juventude, enquanto homens são retratados como mais velhos, experientes e ocupando posições de maior status e remuneração.
O algoritmo visualizado nas plataformas, com o consumo ligeiro de conteúdo, oportuniza as condições ideais para que padrões ultrapassados se reforcem, como: a objetificação da mulher; a masculinidade tóxica disfarçada de humor; a associação de tarefas domésticas ao feminino; o cuidado pertencente a elas; e a violência simbólica. Importante reforçar que a última citada é reforçada por memes, vídeos curtos, comentários anônimos e campanhas publicitárias. Nas redes, onde acontecem interações imediatas e com engajamento, conteúdos superficiais ou fakes, por conta do sensacionalismo, ganham mais visibilidade do que abordagens críticas e complexas.
Alguns sites e influenciadores misóginos possuem páginas dedicadas à ridicularização de corpos femininos e as comunidades que defendem os “papéis tradicionais de gênero” em ambiente digital. A internet, que deveria ser utilizada para ampliar a diversidade, tem movimentado algoritmos que confirmam preconceitos.
No levantamento acima mencionado: mulheres são sempre retratadas como mais jovens do que homens, independentemente da profissão ou contexto social. Nas plataformas Google, Wikipedia, IMDb, Flickr e YouTube, a diferença média de idade variou de 3 a 6,5 anos. Já nos dados do IMDb, as mulheres aparecem 6,5 anos mais jovens que os homens; no Google, 5,3 anos; e na Wikipedia, 3,2 anos. O etarismo ficou evidenciado, mesmo quando a idade real dos indivíduos era conhecida, pois as representações digitais distorciam a realidade.
No estudo, foram realizados experimento com 459 colaboradores dos Estados Unidos. As imagens de profissões buscadas pelo Google atribuíram idades menores quando eram para mulheres, e maiores para os homens. Viu-se uma diferença de 5,46 anos, com a compreensão de que o sistema altera a percepção social da idade e competência profissional.
Quanto ao ChatGPT, foram avaliados 40 mil currículos, com o seguinte resultado: currículos de mulheres apresentaram idade média 1,6 ano menor e 0,9 ano a menos de experiência profissional; homens mais velhos receberam notas mais altas de qualidade e competência, enquanto mulheres mais jovens foram consideradas menos qualificadas para cargos de liderança; o modelo associou maturidade e mérito à masculinidade.
Por certo que a internet também já disseminou movimentos como #MeToo, e outras campanhas de conscientização sobre o enfrentamento à violência doméstica e perfis dedicados à educação de gênero. Nas redes sociais vislumbrou-se a possibilidade de diálogo direto, de produção independente de conteúdo e de mobilização coletiva fortalecendo mulheres, o segmento LGBTQIAPN+ e outros grupos vulnerabilizados.
Saber utilizar dos mecanismos tecnológicos à disposição é facilitar a educação midiática incentivando pensamentos e leituras críticas. A internet não pode definir seres humanos, mas pode influenciar em que a sociedade pode se tornar.
Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual, mestra em Sociologia pela UFMT.
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