A Polícia Federal (PF) apontou em relatório indícios da interferência em decisões judiciais e movimentação de valores em espécie envolvendo o ex-presidente da OAB-MT, advogado Ussiel Tavares, e o lobista e também advogado Roberto Zampieri, assassinado em dezembro de 2023.

As informações são dos diálogos do celutar de Zampieri e constam em um relatório da PF, assinado pelo delegado Marco Bontempo, ao qual o MidiaNews teve acesso.
As investigações são sobre suposta venda de sentença no Tribunal de Justiça de Mato Grosso e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Zampieri é peça central na apuração das autoridades de uma rede de tráfico de influência no Judiciário. O relatório foi encaminhado ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, relator do caso. O documento foi elaborado em julho deste ano e são referentes à Operação Sisamnes.
“A análise das conversas entre Roberto Zampieri e Ussiel Tavares revela tratativas financeiras associadas a processos judiciais em trâmite no Tribunal de Justiça do Mato Grosso e no Superior Tribunal de Justiça”, descreve o relatório.
A avaliação das mensagens extraídas do celular de Zampieri revela um suposto padrão e estratégias de dissimulação sobre tratativas financeiras, citações a magistrados do TJ-MT e operações de entrega de dinheiro com características típicas de lavagem e ocultação da origem do recurso, informa a PF.
Os diálogos de Zamperi com o advogado Ussiel são sobre pagamentos em dinheiro e tramitação de processos no Judiciário. Há também citações sobre supostas tratativas com o desembargador João Ferreira Filho, afastado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) junto com o também desembargador João Ferreira Filho
Ussiel foi presidente da OAB-MT entre 1998 e 2003. O escritório de Ussiel foi alvo da quinta fase da Operação Sisamnes em maio deste ano. O objetivo da etapa da operação na época foi identificar uma rede financeira e empresarial de lavagem de dinheiro para dissimular origem ilícita de suposta propina em decisões judiciais no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Marcus Mesquita/MidiaNews
O ex-presidente da OAB-MT, advogado Ussiel Tavares, citado em investigação da Polícia Federal
Conversas no Whats
Segundo o relatório da PF, as conversas entre Zampieri e Ussiel ocorreram entre fevereiro e abril de 2022.
Nesse período, ambos teriam discutido estratégias para influenciar julgamentos no TJMT e viabilizar transferências de valores elevados que seriam utilizados para obter decisões favoráveis aos seus interesses, de acordo com imagens das conversas do aparelho celular.
“No dia 29 de março de 2022, Zampieri informa que o cliente aguardava a publicação do acórdão para efetuar o pagamento do valor restante, reforçando a relação direta entre o desfecho judicial e a liberação de valores”, menciona trecho do relatório.
Ussiel responde dizendo que já havia visto e que estava ‘cuidando’.
“Em 10 de março de 2022, Zampieri solicita a quantia de R$ 500 mil (quinhentos mil reais), ressaltando que o pedido se aplica “se possível”, descreve relatório da PF sobre conversa dele com Ussiel.

Na sequência, Ussiel perguntou se ele poderia comparecer a um endereço em São Paulo “já no dia seguinte”.

Zampieri respondeu perguntando “Quantos US?”, sugerindo que a operação envolvia moeda estrangeira. Ussiel então enviou uma foto de uma cédula de R$ 2, explicando que se tratava da “senha” a ser apresentada no local de retirada, e complementou com o número “125”, equivalente a R$ 125 mil.
O advogado Roberto Zampieri, comenta a seguir com Ussiel, uma reunião que teria com o desembargador João Ferreira Filho, do TJ-MT.
“Zampieri informou que no dia seguinte resolveria ‘um negócio com o dese João’, referência que, diante do contexto, aponta para o des. João Ferreira Filho (TJ-MT)”, acrescenta o relatório. “Em seguida, afirmou que o assunto já estava resolvido e orientou que o cliente fosse tranquilizado”.
O processo em análise era da Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), então composta pelos desembargadores João Ferreira Filho, Sebastião Barbosa Farias e Nilza Maria Pôssas de Carvalho. É um Embargo de Declaração que está em segredo de Justiça.
Reprodução/Relatório PF

Serviço de doleiro
O relatório integra o inquérito conduzido pela Diretoria de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal e menciona ainda a atuação de terceiros, como o empresário Waldemar Corrado e o suposto doleiro Surrey Ibrahim Mohamad Youssef, apontados como executores de repasses e articuladores da logística financeira.
Em 7 de fevereiro de 2022, Ussiel demonstrou preocupação com o andamento do processo em trâmite no TJMT e pediu a retirada urgente do caso da pauta de julgamento, alegando que a desembargadora Nilza Maria Pôssas de Carvalho estaria “atropelando os trâmites”.
Zampieri respondeu dizendo que já havia “tratado do assunto pessoalmente” com a autoridade e que se reuniria ainda naquele dia com o desembargador Sebastião Barbosa Farias, reforçando a suspeita de interlocução direta com magistrados.
Em 4 de março de 2022, Ussiel encaminhou a Zampieri um memorial do processo, com julgamento previsto para o dia 8 daquele mês.
Zampieri informou que já havia conversado com “a autoridade responsável” e que, caso houvesse manifestação contrária, seria feito um pedido de vista — prática que, segundo os investigadores, pode ter sido usada como forma de postergar ou alterar o resultado de julgamentos.
Reprodução/Relatório PF
Em 11 de março, Ussiel voltou a contatar Zampieri para confirmar a retirada dos valores. Zampieri confirmou o recebimento e relatou que o dinheiro foi entregue em dois endereços distintos, estratégia que, segundo os peritos, buscava dificultar o rastreamento das transações.
Quatro dias depois, em 15 de março de 2022, Zampieri cobrou novos repasses: “Essa semana consegue mais????”. Ussiel respondeu: “Tem que sim”, indicando que o fluxo de entregas continuava.
Na mesma conversa, Zampieri afirmou: “Essa semana eu pego o voto dele e te passo, aí você vê se muda algo”. Para os investigadores, a referência ao “voto” pode indicar tentativa de influenciar julgamentos colegiados.
Por fim, em 22 de março de 2022, Zampieri pediu que Ussiel “organizasse o papel pra eu cumprir com os sócios”, mencionando mensagens de cobrança. No contexto, o termo “papel” é interpretado como dinheiro em espécie, e o diálogo reforça que ele intermediava repasses a terceiros.
A PF considera que as mensagens revelam um esquema estruturado de tráfico de influência e repasse de valores em espécie, operado por meio de emissários e doleiros, com atuação em Mato Grosso e São Paulo.
Até o momento, nenhum dos citados foi formalmente indiciado, mas os investigadores consideram os indícios relevantes e consistentes para compreender a dinâmica do grupo e sua relação com decisões judiciais.
Outro lado
O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Mato Grosso (OAB-MT), Ussiel Tavares, negou as acusações e suspeitas sobre ele captadas nas conversas com o advogado Zampieri e periciadas pela PF.
“Nego veementemente os fatos que me são atribuídos”, disse ele ao MidiaNews. “A busca e apreensão cumprida não encontrou nenhum centavo”.
Ele disse que a investigação da PF está em segredo de Justiça e fará sua defesa no momento adequado.
“Prefiro não comentar sobre uma investigação que corre em segredo de Justiça. Tenho confiança absoluta na minha inocência”, afirmou Ussiel. “No momento certo, se houver o processo, nós iremos apresentar a defesa que vai corroborar que eu não tenho nada a ver com essa história”, completou.
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