Cuiabá, Sábado, 14 de Junho de 2025
GLÁUCIO CASTAÑON
13.06.2025 | 08h17 Tamanho do texto A- A+

Isonomia salarial entre servidores

Um alerta contra comparações equivocadas na segurança pública

A discussão sobre equiparação ou isonomia salarial entre servidores públicos de carreiras distintas, ainda que pertencentes ao mesmo ramo de atuação estatal, frequentemente ressurge no cenário político e sindical. No entanto, essa proposta, além de juridicamente insustentável, revela um perigoso desconhecimento da natureza e estrutura das carreiras públicas, especialmente no que se refere à segurança pública.

 

Recentemente, em Mato Grosso, ganhou força uma narrativa que defende a equiparação entre as carreiras da Polícia Militar e da Polícia Civil sob o argumento de que ambas integram o mesmo ramo da administração — a segurança pública — e enfrentam riscos semelhantes na linha de frente do combate ao crime. Ocorre que tal argumentação peca por sua superficialidade e fere princípios constitucionais elementares, em especial o da legalidade, da hierarquia administrativa e da autonomia das carreiras públicas.

 

A Constituição Federal é clara ao estabelecer que os cargos públicos devem ser organizados conforme sua natureza, complexidade, requisitos de ingresso e atribuições específicas (art. 39, §1º, CF). Equiparar vencimentos apenas por analogia funcional, sem observar essas distinções, configura violação ao princípio da isonomia, justamente por tratar de forma igual os que são, na essência, desiguais.

 

No caso da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, trata-se de uma carreira hierarquizada e castrense, com 14 postos ou graduações, que incluem desde soldados até coronéis. Já a Polícia Civil estrutura-se em três cargos típicos de Estado: investigador, escrivão e delegado, todos com requisitos de nível superior e cujas atribuições exigem, além da atuação operacional, competências técnico-jurídicas e científicas. Essa diferença estrutural e funcional impede qualquer paralelismo remuneratório automático entre as duas corporações.

 

Proposta, além de juridicamente insustentável, revela um perigoso desconhecimento da natureza e estrutura das carreiras públicas

Para ilustrar a incoerência dessa comparação, tomemos o exemplo do ramo da construção civil. É inegável que o ajudante de pedreiro, o pedreiro e o eletricista estão na linha de frente da obra e enfrentam riscos físicos consideráveis.

 

Contudo, nem por isso possuem remuneração equiparada à de um engenheiro civil ou de um arquiteto, que ocupam funções estratégicas, de responsabilidade técnica e exigem formação acadêmica superior. O mesmo se verifica na área da saúde: técnicos de enfermagem e enfermeiros realizam atendimentos emergenciais, muitas vezes com carga horária exaustiva e exposição direta a riscos biológicos. Ainda assim, seus salários não se equiparam ao dos médicos, cuja formação, responsabilidade legal e atribuições são substancialmente distintas.

 

Defender isonomia salarial entre cargos distintos, ainda que sob a retórica do “risco compartilhado”, significa ignorar a organização racional do serviço público, fragilizar a meritocracia e comprometer a responsabilidade fiscal do Estado.

 

É dever dos gestores e legisladores respeitar a natureza jurídica e técnica de cada carreira pública, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade e promover uma desorganização remuneratória que poderá repercutir em outras áreas sensíveis da administração pública.

 

É preciso reconhecer, sim, o valor de todas as funções dentro do serviço público — especialmente as de maior periculosidade —, mas sem perder de vista que reconhecimento não é sinônimo de equiparação automática. Cada carreira tem sua razão de ser, sua exigência de formação, seu grau de complexidade e de responsabilidade e sua trajetória própria. Tentar equiparar à força, por conveniência política ou pressão corporativa, é desfigurar o próprio Estado.

 

Gláucio Castañon é presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado de Mato Grosso.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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4 Comentário(s).

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CHARLLES SETÚBAL  13.06.25 15h51
CONCORDO COM TUDO O QUE O PRESIDENTE GLÁUCIO FALOU. NO ENTANTO, NENHUM SINDICATOS DOS POLICIAIS CONSEGUIRAM FAZER COM QUE HAJA UM ÚNICO NÍVEL, COMO ACONTECE COM OS DELEGADOS, ACHO QUE FALTOU FORÇA DO SINDICTO FRENTE AO GOVERNO NESTE SENTIDO. PISARAM NA BOLA.
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João  13.06.25 14h02
Exigência ao Cargo de Soldado da PM/BM - Nível Superior qualquer área Exigência ao Cargo de Investigador da PJC - Nível Superior qualquer área, Importante ressaltar que ambas as carreiras as exigências são curso superior, então a alegação de que uma é mais qualificada que a outra não prospera.
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João   13.06.25 13h21
O ingresso nas carreiras policiais, a exigência é o mesmo, conclusão do nível superior de qualquer área, então os salários devem ser esquivastes, e não essa diferença gritante, que está aí. Agora eu querer valorizar a minha carreira em detrimento de outra, isso é somente chororô... Porque as alegações publicada nessa matéria não tem fundamentos.
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alexandre  13.06.25 11h20
As mesmas exigências, requisitos, riscos e responsabilidades que tangém ao policial civil também tangem ao policial militar, portanto a argumentação desse senhor não prospera.
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