Cuiabá, Sexta-Feira, 18 de Julho de 2025
GONÇALO ANTUNES
18.07.2025 | 05h30 Tamanho do texto A- A+

O pensamento como forma de resistência

Hannah Arendt é autora de uma das mais significativas reflexões políticas

Hannah Arendt é autora de uma das mais significativas reflexões políticas e filosóficas do século XX. Em A Vida do Espírito, seu trabalho mais recente, Arendt se dedicou a explorar uma questão que a acompanhou desde seus primeiros escritos: o que significa pensar?

 

Publicado postumamente em 1978, a obra oferece uma reflexão profunda sobre as atividades internas que definem a experiência humana — pensar, querer e julgar — e busca resgatar a importância do pensamento em um mundo cada vez mais dominado pela ação instrumental e tecnocrata.

 

Arendt começa com um ponto que pode parecer paradoxal: apesar de o pensamento ser invisível, suas consequências são bastante tangíveis. Essa crença a motivou a investigar o fenômeno do totalitarismo e a "banalidade do mal", termo criado em “Eichmann em Jerusalém”.

 

Ao analisar Adolf Eichmann, o burocrata nazista que aparentava ser medíocre em vez de monstruoso, Arendt percebeu que a falta de reflexão poderia levar a consequências devastadoras. A Vida do Espírito desenvolve essa percepção. Para ela, o ato de pensar não é apenas um exercício especulativo, mas uma maneira de combater a barbárie e preservar a dignidade humana.

 

O livro é dividido em três seções: Pensar, Querer e Julgar. Somente a parte inicial foi concluída pela autora; as partes restantes permaneceram como rascunhos e anotações, que sua editora, Mary McCarthy, organizou. Mesmo assim, o livro possui coesão suficiente para introduzir a uma filosofia única, distinta da tradição acadêmica da época.

 

Na primeira parte, Arendt apresenta Sócrates como exemplo de alguém que vive em constante diálogo interior. Nesse contexto, pensar significa questionar a si mesmo. Trata-se de uma conversa silenciosa que impede as pessoas de se conformarem com o senso comum. Ao revisitar Platão, Kant e Agostinho, ela procura demonstrar que o pensamento não gera necessariamente conhecimento útil, mas sim o que proporciona consistência moral ao sujeito. A capacidade de pensar permite que se recuse ordens injustas e agir de maneira consciente.

 

O segundo tema, o querer, analisa a vontade como um poder que motiva a ação. Segundo Arendt, a vontade surge na tensão entre passado e futuro, sendo a habilidade de dar início a algo novo. Nessa perspectiva, a liberdade se manifesta não como um conceito abstrato, mas como a capacidade de iniciar. Durante os fragmentos, a escritora estabelece um diálogo com Santo Agostinho, que considerou a vontade como o núcleo da experiência cristã, e com Nietzsche, que questionou a conexão entre vontade e poder.

 

A seção final, que se concentra no julgamento, possui um interesse especial, pois vincula A Vida do Espírito às considerações políticas de Arendt. Inspirada na Crítica do Juízo de Kant, ela argumenta que julgar é um exercício de imaginação: é adotar a perspectiva do outro, considerar argumentos e formar uma opinião sem normas rígidas. Esse ato de julgar, presente também em seus ensaios sobre cultura, constitui a base da vida pública. É por meio do julgamento que se cria um espaço compartilhado e mantém a diversidade.

 

Ler Arendt nos dias de hoje é constatar a atualidade de suas indagações. Na quadra atual, em que as redes sociais, a polarização e a velocidade predominam, refletir é um ato subversivo. Quem pensa evita a repetição de "slogans" e interrompe a sequência de automatismos. Pensar é desacelerar para analisar as próprias crenças. Se Eichmann não conseguia refletir sobre suas atitudes, e esse é o cerne da "banalidade do mal", então o pensamento, de forma paradoxal, é o que resgata a todos da obediência cega.

 

Por isso, A Vida do Espírito não é apenas uma obra de filosofia abstrata. É um convite — quase um imperativo ético — para manter viva a faculdade de julgar. Para Arendt, o maior perigo político é a renúncia ao pensamento crítico. A ausência de pensamento cria um vazio no qual a violência pode se instalar sem resistência.

 

É por aí...

 

Gonçalo Antunes de Barros Neto é formado em Filosofia, Sociologia e Direito.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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