Cuiabá, Domingo, 26 de Outubro de 2025
CÍCERO RAMOS
26.10.2025 | 05h30 Tamanho do texto A- A+

Os desafios da governança territorial

Mato Grosso também enfrenta seus problemas fundiários

A governança de terras no Brasil passou por um longo processo de transformação, migrando de um modelo concentrador para uma estrutura orientada à modernização, transparência e gestão eficiente. 

 

O sistema de sesmarias, vigente entre 1530 e 1822, concedia amplas extensões de terra a poucos beneficiários, estabelecendo as bases históricas da concentração fundiária no país.

 

Posteriormente, a Lei de Terras de 1850 reforçou essa dinâmica ao exigir a compra das terras públicas, institucionalizando a posse privada e restringindo o acesso à propriedade pelas camadas menos favorecidas.

 

O Estatuto da Terra, em 1964, introduziu o princípio da função social da propriedade, sinalizando uma tentativa de harmonizar desenvolvimento econômico, justiça social e uso racional do solo. Já a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, conhecida como Lei de Registros Públicos, organizou o sistema de registro de imóveis e deu mais segurança jurídica à propriedade da terra, tornando os registros válidos e públicos.

 

Décadas depois, a Lei nº 10.267/2001 aprimorou esse sistema ao determinar que os imóveis rurais tenham seus limites definidos por memorial descritivo, elaborado por profissional habilitado com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) e coordenadas georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro. Essa exigência foi regulamentada pelo Decreto nº 4.449/2002, que estabeleceu as normas técnicas e os prazos para a implantação do georreferenciamento.

 

O georreferenciamento é um instrumento essencial da governança territorial, pois permite identificar com precisão os limites e confrontações dos imóveis rurais, vinculando as descrições das matrículas ao Sistema Geodésico Brasileiro. Essa integração entre cartografia e registro assegura que cada imóvel corresponda a uma posição geográfica única, evitando sobreposições, disputas de limites e incertezas dominiais. 

 

O Decreto nº 12.689, de 21 de outubro de 2025, que altera o Decreto nº 4.449/2002, prorrogou até 21 de outubro de 2029 o prazo para a obrigatoriedade do georreferenciamento de imóveis rurais.

 

Embora apresentado como uma forma de conceder mais tempo aos proprietários rurais para regularização fundiária, o decreto altera de modo significativo o regime de segurança registral estabelecido pelo Decreto nº 4.449/2002, trazendo novamente incertezas a um sistema que vinha avançando rumo à consolidação da governança territorial no país.

 

Na prática, o adiamento posterga a criação de um cadastro fundiário nacional integrado e confiável, reduzindo a capacidade do Estado de planejar e gerir o território com base em informações precisas. Mantém-se, assim, o risco de transações fundiárias baseadas em descrições imprecisas, em que a área registrada pode divergir da medida real em campo.

 

Essa situação fragiliza a segurança jurídica, estimula litígios e limita a eficiência do registro público. Além disso, dificulta o acesso a políticas públicas e linhas de crédito que dependem da identificação geográfica do imóvel, afetando diretamente a regularização fundiária e o dinamismo econômico.

 

Mato Grosso também enfrenta seus problemas fundiários, como deslocamentos e sobreposições de títulos. A ausência do georreferenciamento averbado nas matrículas perpetua a incerteza sobre a localização e a extensão das propriedades.

 

Essa deficiência afeta diretamente a governança territorial, pois impede o mapeamento preciso das áreas privadas, públicas e coletivas, comprometendo o ordenamento do uso do solo, o controle ambiental e a gestão integrada do território. Em outras palavras, o atraso na adoção do georreferenciamento adia também a modernização do sistema fundiário brasileiro.

 

Embora o decreto busque contemplar a realidade de pequenos e médios produtores, sua prorrogação fragiliza conquistas recentes em transparência e governança fundiária. O desafio atual não é apenas ampliar prazos, mas fortalecer a infraestrutura institucional: reestruturar o INCRA, estimular a certificação de imóveis, integrar os cadastros fundiário, registral e ambiental e incorporar dados geoespaciais às políticas de crédito, logística e infraestrutura. 

 

A governança territorial deve ser compreendida como um ativo estratégico para a economia brasileira. Investir na precisão cadastral é investir em segurança jurídica, valorização patrimonial e eficiência na gestão do território. O adiamento da obrigatoriedade do georreferenciamento, portanto, não é apenas uma questão técnica, mas um fator de risco que impacta diretamente a capacidade do país de planejar, atrair investimentos e sustentar seu crescimento de forma ordenada e sustentável.

 

Cícero Ramos é engenheiro florestal e vice-presidente da Associação Mato-grossense dos Engenheiros Flores

tais (AMEF)

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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