Cuiabá, Domingo, 19 de Outubro de 2025
ALEXANDRE GARCIA
10.03.2009 | 11h03 Tamanho do texto A- A+

Os desdias da mulher

Proponho que o Dia da Mulher seja comemorado nos 365 dias do ano

Em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, que quase todos lemos na infância ou na adolescência, Alice descobre o Chapeleiro e o Coelho Maluco numa comemoração em mesa de chá e bolo. Pergunta de quem é o aniversário. Eles riem. E contam que é uma comemoração de desaniversário. Alice quer saber de que se trata e eles explicam que o aniversário é comemorado apenas um dia por ano. Mas o desaniversário, 364 dias. Assim, é mais interessante comemorar o desaniversário. Alice gostou da idéia, e soprou a velinha de seu bolo de desaniversário.

Domingo foi Dia da Mulher. Que puxou o assunto sobre a mulher ganhar menos e trabalhar mais, sofrer agressões - e ficou cheio de homenagens à mulher. Na segunda-feira, ninguém mais falava nisso e a vida tinha voltado à rotina para as mulheres. Afinal, se há apenas um dia da mulher, de quem são os outros dias? Vamos à lógica: Não existe o Dia do Homem. Portanto, todos os dias são do homem, menos um: o Dia da Mulher. Conclui-se que o Dia da Mulher é uma criação machista para agradar a mulher e aplacar a consciência de quem sabe que os outros dias do ano não são dela.

Assim, eu proponho que se mantenha o Dia da Mulher, mas que sejam criados os Desdias da Mulher. E que se comemorem os Desdias da Mulher 364 dias por ano - 365 em ano bissexto - e no Dia da Mulher não se faça nada. Que tudo que se fala no Dia da Mulher, seja transferido para os Desdias da Mulher: as denúncias de preconceito, de desigualdade, de opressão, de agressões; as homenagens, os elogios e os reconhecimentos.

Porque o Dia da Mulher é um preconceito, é machista e é uma confissão. Tanto quanto são as Delegacias da Mulher. Reconhece-se que as mulheres são mal-atendidas em delegacias que deveriam dar igualdade de tratamento a todas as pessoas; que são tratadas com preconceito e desprezo. Então, criam-se Delegacias da Mulher, em vez de treinar todos os policiais de todas as delegacias, na forma de atender a cidadã. Uma confissão também porque essa discriminação implica reconhecer que o homem não é discriminado por ser homem. Recebe o tratamento normal e não precisa de um Dia do Homem que defenda seu salário, sua dignidade e o elogie por ser homem.

Todos sabemos que a mulher há poucas décadas conseguiu o voto, a igualdade, o "pátrio-poder" sobre os filhos (o nome é de lascar, mas enfim, há a "língua materna" para compensar...). Igualdade na lei. Com a igualdade, veio a desigualdade na prática: ela foi trabalhar fora e continuou a ser a dona-de-casa, e no trabalho fora, embora demonstre ser melhor gerente e melhor executora, ainda recebe salários inferiores aos do homem. E, de quebra, muitas vezes ainda tem que aturar um homem que se torna um encargo, material ou emocional.

Por isso, um dia é pouco. Apenas um dia soa como analgésico, soporífero, anestesiante, hipócrita. Que façamos cada um de nós, homens, a comemoração, ainda que tardia, dos Desdias da Mulher. Seja ela a sua mãe, a sua mulher, a sua namorada, a sua colega de trabalho ou a sua amiga ou empregada. E eu já começo agora, para você, mulher que me lê: Feliz Desdia da Mulher!

ALEXANDRE GARCIA  é jornalista em Brasília, apresentador e comentarista da Rede Globo.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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