Há um fenômeno preocupante se espalhando pelo Brasil. Não se trata de opinião política legítima nem de divergência democrática saudável. Trata-se de um comportamento coletivo nocivo, adotado por uma minoria barulhenta que, ao se ver contrariada pela realidade democrática, passa a agir de forma destrutiva contra o próprio país.
Esse comportamento já se manifestou em tentativas de deslegitimar veículos de imprensa como a Rede Globo, o SBT e jornais como a Folha de S.Paulo, além de ataques recorrentes a jornalistas e profissionais da comunicação simplesmente por exercerem seu trabalho. Também se expressou em paralisações de estradas com o objetivo deliberado de provocar desabastecimento, prejuízos econômicos e sofrimento coletivo. Tudo isso costuma ser apresentado como “patriotismo”, embora produza efeitos concretos de enfraquecimento nacional.
O mesmo padrão reaparece quando essas pessoas passam a defender a taxação de produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, mesmo cientes de que tal medida atinge diretamente produtores rurais, empresários, cooperativas e cadeias produtivas inteiras. O impacto não se limita a esses setores. Quando a economia real é sufocada, toda a sociedade acaba pagando a conta por meio da perda de arrecadação, do aumento do desemprego e da instabilidade econômica que recai sobre os contribuintes. Isso não é estratégia política responsável. É agir contra o interesse nacional.
Mais recentemente, esse comportamento encontrou um novo alvo: a Havaianas. Trata-se de uma marca brasileira com presença global, símbolo de criatividade nacional, responsável por milhares de empregos diretos e indiretos, geração de renda, arrecadação de impostos e oportunidades para famílias em todo o país. O motivo do ataque foi uma campanha publicitária interpretada e distorcida a partir de lentes ideológicas.
O que muitos parecem esquecer, ou preferem ignorar, é que campanhas de teor semelhante já foram veiculadas no passado. Em 2014, por exemplo, a própria marca lançou uma propaganda estrelada por Romário, fazendo uma analogia ao “pé esquerdo” no contexto do futebol. À época, não houve boicotes nem reações coletivas desmedidas. Isso demonstra que o problema nunca foi a propaganda em si. O problema é o fanatismo.
Quando esse fanatismo se afasta completamente da realidade, surgem comportamentos irracionais no plano simbólico. Pessoas gravam vídeos cortando, queimando ou jogando fora chinelos Havaianas, como se o desperdício de um produto já comprado pudesse produzir algum efeito concreto. Não produz. Apenas agrava a situação.
Esse tipo de boicote pode, sim, gerar impacto sobre a marca, especialmente no curto prazo. No entanto, os efeitos mais graves e imediatos recaem sobre a economia real que gira em torno dela. Quem sente primeiro são as empresas franqueadas, os pequenos e médios comerciantes, os fornecedores de matérias-primas, os transportadores e os trabalhadores do comércio, da indústria e do campo. A queda nas vendas compromete empregos, reduz renda, enfraquece cadeias produtivas e diminui a arrecadação de impostos que financiam serviços públicos essenciais.
No fim da linha, o prejuízo atinge famílias que dependem daquele salário mensal, municípios que perdem receita e uma sociedade que passa a conviver com menos oportunidades e mais instabilidade. Um boicote movido por impulso ideológico raramente atinge quem se pretende atingir, mas quase sempre penaliza quem menos tem poder de reação.
Há ainda um aspecto frequentemente ignorado: o desperdício deliberado de produtos amplia a geração de lixo, agride o meio ambiente e expõe uma desigualdade social profunda. Enquanto alguns, em situação de conforto, descartam bens por impulso ideológico, milhões de brasileiros enfrentam dificuldades para acessar itens básicos que estão sendo jogados fora em nome de um espetáculo vazio para redes sociais.
Para esse tipo de comportamento extremado, pouco importam o emprego, a arrecadação pública, o impacto ambiental ou as consequências sociais. O que importa é manter uma narrativa permanente de confronto, mesmo que isso signifique enfraquecer o país, corroer a confiança coletiva e destruir oportunidades.
E é justamente aí que a pergunta do título encontra sua resposta. Quando o Brasil perde, ganham os que lucram com o caos, com a instabilidade e com a desinformação. Ganham os que apostam na polarização permanente como estratégia de poder, os que exploram o medo como ativo político e os que veem na sabotagem econômica uma forma de pressionar instituições democráticas. Ganham, sobretudo, aqueles que não dependem do emprego, da renda local, da economia produtiva ou dos serviços públicos que se deterioram com cada crise artificialmente estimulada.
É preciso afirmar com clareza: o Brasil é maior do que qualquer extremismo. Defender a pátria não é atacar a imprensa, não é perseguir trabalhadores, não é apoiar medidas que prejudicam a economia nacional, não é boicotar empresas brasileiras nem transformar desperdício em virtude.
Em democracias maduras, divergências são enfrentadas por meio do debate público, do respeito às instituições e da responsabilidade coletiva. A soberania não se constrói com ódio, desinformação ou sabotagem econômica. Constrói-se com pluralismo, estabilidade institucional e compromisso com quem produz, empreende e trabalha.
Angelo Silva de Oliveira é mestre em Administração Pública e controlador/auditor interno.
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