Cuiabá, Domingo, 22 de Junho de 2025
LICÍNIO CARPINELI
06.04.2009 | 10h04 Tamanho do texto A- A+

"Vaca papel"

A "vaca papel" é um contrato simulado, um aparente contrato de parceria pecuária

Recentemente um advogado antigo aluno da UFMT me pediu que falasse alguma coisa sobre a figura da "vaca papel" também, conhecido como "boi papel". Ele indagou se essa figura, pouco conhecida nos meios forenses, teria similaridade no antigo "fica" que já foi objeto de um livro de autoria do então desembargador e jurista Domingos Sávio Brandão Lima e ainda se esses contratos teriam eficácia. Os pecuaristas de Mato Grosso, especialmente os pantaneiros, se recordam do diploma denominado "fica".

Nesse instrumento, as cláusulas contratuais convencionavam que o parceiro pecuário ficava com um determinado número de vacas nominadas de casco, ou principal, de boa era e qualidade, pelo período, na maior parte das vezes de cinco anos, se obrigando a devolver o casco no término do contrato, pagando a partir do primeiro ano 20% de rendas em bezerros machos.

Na verdade, um contrato temporário de parceria pecuária, mas válido, já que a porcentagem da renda não era usurária, no caso 20%, sendo que a produção pantaneira ou fora dela tem índices mais elevados - próximo de 40% a 60% - e ainda ocorria o recebimento das reses para seu pastoreio e criação.

Já em contrário, a "vaca papel" é um contrato simulado, um aparente contrato de parceria pecuária. Podemos descrever algumas das suas características, na maior parte dos casos:

1) se trata de contrato de parceria pecuária ou de compra e venda de bois, disfarçado, de forma a encobrir empréstimo de dinheiro;

2) faz menção fictícia da compra e venda ou criação em parceria de reses;

3) não há movimentação das reses no caso a entrega;

4) cuida-se de empréstimo de dinheiro nos quais os juros são usurários e estão embutidos nos valores;

5) a simulação é fraudulenta e se faz presente nos atos com burla à lei;

6) visa obter um bem, via de regra, um imóvel, objeto de garantia legal.

Assim, exemplificando, um pecuarista encontra-se atravessando dificuldades financeiras sendo proprietário rural.

Necessita de tempo para trabalhar e produzir a fim de restaurar sua administração e resgatar seus débitos e da mesma forma, pode necessitar de algum capital para giro ou para suas necessidades mais emergentes. Surge um interessado no imóvel. Convencionam um contrato simulado de parceria pecuária nos quais nenhuma rês é entregue ao proprietário devedor. Às vezes os contratos de parceria são isolados e em outras acompanhados de uma soma de dinheiro. Os débitos são muito menores dos valores compostos objeto do monte convencionado. Mas, tudo é aceito pelo parceiro/devedor face o alongamento dos débitos e sua esperança de sobrevida financeira ou soerguimento. Ao final sobrevém o esperado. É cobrado, porque não teve como honrar os contratos de parceria, e estando o imóvel, que é a pretensão primordial do simulador principal, situado como garantia legal, propicia inclusive pedido de tutela antecipada para efeito de transferência de posse. Na verdade situações tais compõem transações com juros exacerbados impossíveis de se quitar a prestação. Numa análise geral se depreende que tratos dessa natureza não podem persistir, porque de uma análise geral se vislumbra se tratar de atos praticados com fraude à lei. E a fraude pode ser tão evidente, que proclama nulidade absoluta e não relativa possibilitando o próprio participante, o comparsa do simulador principal, a ter legitimidade e arguir sua nulidade.

Na verdade. com linhas transparentes, em hipóteses tais, se evidencia ou vislumbra o empréstimo de dinheiro denominado "vaca papel" com juros usurários a encobrir aparentes contratos de parceria pecuária. Sua característica mais marcante é a inexistência das reses, pois não há sinal de sua movimentação, condução, notas fiscais, vacinação, trato, venda etc... porque só existem no papel e essa é a caracterização mais marcante, específica, que traduz a simulação fraudulenta. Assim, penso que não há como dotar tal figura de validade e eficácia, ao menos as constituídas dentro dessas hipóteses. Como, também, não há de se equipará-la ao "fica" em que o gado existe, foi entregue para pastoreio, cria, pagamento da renda e foi muito bem utilizado no passado pelos usos e costumes dos pecuaristas do Estado de Mato Grosso.

LICÍNIO CARPINELI é desembargador aposentado do TJMT e advogado.

E-mail: [email protected]

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