Representante da Caramuru Alimentos S/A, Walter de Souza Júnior teria oferecido R$ 1 milhão ao advogado Themystocles Ney de Azevedo de Figueiredo para que este não revelasse à polícia a fraude em um Processo Administrativo Tributário (PAT) da Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz), que reduziu de R$ 65,9 milhões para pouco mais de R$ 315 mil o valor de uma multa aplicada a empresa.
O esquema, investigado na operação Zaqueus, deflagrado no início do mês pela Delegacia Fazendária (Defaz), resultou na prisão dos agentes de tributos André Fantoni, Alfredo Menezes de Mattos Junior e Farley Coelho Moutinho (este último solto no dia 9 de maio por decisão do Tribunal de Justiça). Eles teriam recebido R$ 1,8 milhão em propina para alterar a conclusão do PAT.
A suposta oferta de pagamento por parte do representante da Caramuru foi revelada pelo próprio Themystocles, que é delator do esquema, em depoimento prestado na Delegacia Fazendária (Defaz).
"[Walter] pediu para o interrogando [Themystocles] pegar um vôo para a sede da empresa situada em Sorriso para que lá pudessem assinar os pareceres de um serviço que Walter sabia que não havia sido prestado, sendo que no hotel Walter disse para o interrogando: 'se der problema eu te arrumo meio milhão ou até um milhão para você não entregar os parceiros'".
Efeito de denúncia
De acordo com o advogado, que foi “contratado” por Fantoni para lavar o dinheiro da propina, a proposta teria sido feita quando o agente de tributos e o representante da empresa articulavam uma forma de justificar os valores transferidos pela Caramuru ao escritório de advocacia de Themystocles.
Ainda segundo o documento, Fantoni teria procurado Themystocles com essa ideia em outubro de 2016. Na época, a Caramuru era alvo de uma denúncia feita pelo então candidato a prefeito de Cuiabá, hoje secretário de Estado de Cidades, Wilson Santos (PSDB), contra o prefeito Emanuel Pinheiro (PMDB).
A afirmação era de que o peemedebista teria recebido uma suposta propina de R$ 4 milhões por meio de um esquema de incentivos fiscais que teria beneficiado a Caramuru. O esquema teria sido articulado pelo ex-secretário de Estado Allan Zanata, durante o governo Silval Barbosa (PMDB).
Parte do dinheiro da propina teria sido depositado em uma conta corrente de Bárbara Pinheiro, cunhada de Emanuel, casada com Marco Pólo Pinheiro, conhecido como Popó.
“André Neves Fantoni perguntou se o interrogando havia assistido o jornal, pois a empresa Caramuru estava sendo investigada no caso do Prodeic na campanha municipal. Tendo André dito ainda que todas as prestações de serviços que a empresa Caramuru havia realizado estavam sendo objeto de investigação, sendo que ele disse para o interrogando [Themystocles] ficar tranquilo, mas que o interrogando deveria assinar uns pareceres para fundamentar, em caso de investigação, a prestação de serviços fictícios entre o escritório do interrogando e a empresa Caramuru Alimentos S/A para poder, assim, justificar os pagamentos efetuados pela empresa Caramuru na conta de seu escritório de advocacia e tentar dar legalidade para a prestação de serviço simulado, visando camuflar o pagamento da propina realizado através de sua empresa", diz trecho do depoimento.
Pareceres e ameaças
Aos policiais da Delegacia Fazendária, Themystocles afirmou que resistiu em assinar os documentos que simulariam uma prestação de serviço à Caramuru. Entre os argumentos, ele pontuou que os pareceres já vieram prontos e que ele teria que apenas assinar e que não quis fazê-lo por não ter conhecimento sobre o tema deles: direito tributário.
"Após pegar os pareceres o interrogando disse para André que iria estudar o assunto antes de assinar, pois não tem conhecimento em direito tributário [...] passados alguns dias, André disse que precisava falar com o interrogando, tendo o interrogando passado mais uma vez no apartamento de André, sendo que nessa conversar André perguntou se o interrogando havia assinado os pareceres, tendo o interrogando dito que não", consta no depoimento.
A recusa de Themystocles teria motivado ameaças por parte dos demais envolvidos no esquema. Segundo o advogado, foi nesta época que Fantoni teria lhe revelado o suposto interesse do fiscal de tributos Alfredo Menezes de matar o representante da Caramuru.
"[...] acreditando que André disse isso ao interrogando para intimidá-lo. Se recordando também que, em outra oportunidade, André disse ao interrogando que: 'hoje em dia tem gente que simula acidente de trânsito para matar as pessoas', sendo que após essa conversa o interrogando se sentiu ameaçado e passou a temer por sua vida e ficou com medo das pessoas citadas".
Veja fac-símile de trecho da delação:
A fraude
De acordo com as investigações da Defaz, André Fantoni, Alfredo Menezes e Farley Moutinho receberam propina de R$ 1,8 milhão para reduzir a aplicação de uma multa à empresa Caramuru Alimentos S/A de R$ 65,9 milhões para R$ 315,9 mil.
Enquanto Fantoni teria arquitetado toda a fraude, teria cabido a Alfredo e a Farley atuar no processo tributário, respectivamente, em primeira e em segunda instâncias administrativa no sentido de reduzir o valor da autuação à empresa.
O esquema chegou ao conhecimento dos investigadores após o Themystocles, “contratado” para lavar o dinheiro da propina, procurar as autoridades competentes para negociar uma delação premiada.
Na Defaz, o advogado afirmou ter tido medo de ver seu nome evolvido numa investigação após conhecer, por meio da imprensa, outra denúncia envolvendo a Caramuru Alimentos S/A. Também que chegou a se sentir ameaçado pelos demais envolvidos na fraude.
A delação de Themystocles acabou confirmada posteriormente nos depoimentos de Walter de Souza Júnior, representante, e de Alberto Borges de Souza, presidente da Caramuru. O primeiro, inclusive, também teria recebido parte da propina paga pela empresa.
Leia mais sobre o assunto:
Defaz prende três agentes de tributos por beneficiar empresa Caramuru
Com medo, advogado procurou MPE e admitiu esquema, diz delegado
Agente da Sefaz recebeu R$ 1,2 milhão de propina da Caramuru
Caramuru teria admitido à Defaz que pagou propina de R$ 1,8 milhão
Wilson: cunhada e irmão de Emanuel admitiram receber propina
Wilson diz que negociação envolveu Caramuru, Silval e Emanuel
Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).
0 Comentário(s).
|