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27.04.2020 | 18h00 Tamanho do texto A- A+

SNI cita suposto envolvimento de Campos em morte de Quintela

Ex-policiais civis relataram suposta proposta de ex-cunhado de Campos pelo assassinato de adversário

JL Siqueira

Júlio Campos (à esquerda), na época em que era governador do Estado

Júlio Campos (à esquerda), na época em que era governador do Estado

CÍNTIA BORGES
DA REDAÇÃO

Documentos confidenciais do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações), guardados no Arquivo Nacional, revelam que integrantes da família Campos, uma das mais tradicionais da política de Mato Grosso, teriam oferecido dinheiro a dois policiais para matar um adversário político na década de 80, em Várzea Grande.

 

Conforme o SNI, o adversário era o advogado Celso Mendes Quintela, assassinado em novembro de 1982.

 

As informações foram levantadas pelo SNI a partir de depoimentos dados pelos ex-policiais civis Moacir Roberto Tenuta França e Laury San Martin da Paixão à Justiça de Mato Grosso em 1986.

 

O mais cruel, mais bárbaro, mais brutal crime político da história do Brasil foi registrado no Município de Várzea Grande

De acordo com os dois policiais, na véspera da eleição de 1982, eles participaram de uma reunião em que o empresário Jorge Pires de Miranda, então cunhado de Júlio e Jaime Campos, lhes ofereceu uma recompensa caso matassem Quintela. O encontro teria acontecido na casa de Júlio Domingos de Campos, pai de Júlio e Jaime Campos.

 

Apesar de terem relatado a oferta em dinheiro pelo crime, os dois policiais disseram que não a aceitaram a suposta "encomenda".

 

O assassinato de Quintela ocorreu poucos dias depois da eleição de 1982, quando Júlio era candidato a governador e o hoje senador Jaime concorria à Prefeitura de Várzea Grande.

 

Na época, os dois eram filiados ao PDS, que se originou da Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido que deu sustentação à Ditadura Militar.

 

Na disputa pela Prefeitura de Várzea Grande, Jaime tinha Celso Quintela, do PMDB, como principal adversário.

 

Os documentos sigilosos do SNI, órgão responsável por supervisionar e coordenar as atividades de informações criado durante a ditadura militar (1964 -1985), foram divulgados nesta semana pelo site Congresso em Foco

 

 

Quintela foi assassinado com um tiro na cabeça, em Várzea Grande, no dia 26 de novembro daquele ano, data em que saiu o resultado da eleição. As urnas apontavam para a derrota de Quintela e a vitória de Jaime.

 

Na época o PMDB de Quintela denunciava possíveis fraudes na eleição, realizada 11 dias antes, em 15 de novembro (veja documento AQUI).

 

Conforme o documento, o PMDB defendeu que Quintela havia sido assassinado por motivos políticos. O inquérito policial, no entanto, considerou que houve crime comum.

 

À época, o PMDB encaminhou ao general Ivam de Souza Mendes, ministro chefe do SNI, uma carta alertando sobre a fraude (veja documento AQUI).

 

"O mais cruel, mais bárbaro, mais brutal crime político da história do Brasil foi registrado no Município de Várzea Grande com a finalidade de fazer valer a fraude mais vergonhosa de que se tem conhecimento nas páginas negras da história política brasileira”, disse o documento.

  

Depoimentos de policiais civil

 

O Jorge, cunhado do Julinho, chamou eu e o Borges em particular e falou que tinha quarenta milhões de cruzeiros para matar o Quintela

Os relatos dos ex-policiais Moacir Roberto Tenuta França e Laury San Martin da Paixão, presos em 1986 por um outro crime, levaram o SNI a suspeitar da participação da família Campos no assassinato de Quintela.

 

Os depoimentos dos policiais, que constam em um documento com 66 páginas, foram colhidos pela Justiça no processo do "Crime da Toalha Azul”, em que os dois policiais foram condenados (veja íntegra AQUI).

 

O "Crime da Toalha Azul" foi um dos mais graves ocorridos em Mato Grosso. Envolveu policiais da elite, que foram condenados por roubar e matar sete pessoas. Os corpos das vítimas foram encontrados com pés e mãos amarrados com tiras de toalha azul.

 

De acordo com os ex-policiais, em outubro de 1982, portanto dias antes da eleição, um encontro foi marcado na casa do empresário Júlio Domingos de Campos, na Rua 24 de Outubro, no Centro de Cuiabá.

 

Lá estavam, conforme depoimentos dos dois ex-policiais, além de pai e filhos, o empresário Jorge Pires de Miranda.

 

Segundo depoimento do ex-policial Laury da Paixão, conhecido como "Peninha", foi Miranda quem teve a iniciativa de oferecer dinheiro para que ele e um comparsa matassem Quintela. 

 

"O Jorge, cunhado do Julinho, chamou eu e o Borges em particular e falou que tinha quarenta milhões de cruzeiros para matar o Quintela e a turma dele todinha; eu chamei o Borges em particular, pedi licença para o Jorge, e falei que era o maior pepino da paróquia”, diz trecho do depoimento de Peninha.

 

O policial contou que após a oferta chegou a rondar a casa do advogado, mas vendo a quantidade de seguranças que havia ali desistiu da empreitada. 

 

“Eu resolvi não fazer nada porque pensamo que nós também podia morrer e não tinha graça nenhuma; quem sabe do resto de tudo é Tenuta (sic)”, disse.

 

Veja trechos:

 

 

De acordo com Peninha, Quintella ameaçava constantemente adversários políticos e chegou prometer a morte de Jaime.

 

"No dia que o Julinho ganhou a eleição, mataram o Quintella; o Quintella prometeu de matar o Jaime Campos se o Jaime ganhasse a eleição e foi por isso que o Jorge falou que tinha que matar o Quintella, porque o Jorge gosta muito do Jaime”, afirmou Peninha.

 

No depoimento do policial Moacir Tenuta França, ele reafirma o interesse na morte do advogado.

 

"Jorge propôs para mim e para o Peninha de quarenta a cinquenta milhões para matar o Quintela; e falou para fazer como bem entenda; O Júlio, na época, estava com medo de Quintela matar o Jaime, porque ele era perigoso mesmo, que foi o Jorge que me ofereceu o dinheiro para matar o Quintela, mas eu e o Peninha não aceitamos”, disse.

 

Veja trechos:

 

 

Segundo Tenuta, Jaime foi o único que discordou do esquema durante a reunião.

 

"Os verdadeiros mandantes da morte do Quintela foram: o pai do governador, o governador e o cunhado do governador, o Jorge; o Jaime foi o único que não concordou com nada disso; o Jaime continuou na sala mas não concordou, e o próprio Jorge disse: ‘O Jaime não tem medo mesmo do Quintela e foi o único a não concordar'", contou em depoimento.

 

Veja trechos:

 

 

Apesar das acusações, nenhum dos citados pelos policiais chegou a responder por qualquer ação na Justiça. Em 2003, Daniel Germano Gonçalves foi condenado a quatro anos, em regime semi-aberto, pelo crime.

 

O outro lado

Esses dois policiais eram bandidos e foram presos durante meu governo porque eles assassinaram pessoas. Eles não têm moral nenhuma para falar em um depoimento o que falaram

 

À reportagem, Jorge Pires de Miranda – apontado pelos policiais pelo oferecimento do dinheiro – afirmou que jamais foi citado na ação judicial e não tem envolvimento nenhum no caso.

 

“Infelizmente é uma coisa de 40 anos atrás. Eu não tenho nada a declarar. Isso foi um crime que já foi tramitou, foi julgado e condenado quem tinha que ser. Nunca meu nome teve envolvido nesse assunto. Nem na Justiça, nem no inquérito”, afirmou.

 

Já o ex-governador Júlio Campos afirmou que os depoimentos foram feitos por dois policiais expulsos da corporação e condenados por assassinatos.

 

“Esses dois policiais eram bandidos e foram presos durante meu governo porque eles assassinaram pessoas. Eles não têm moral nenhuma para falar em um depoimento o que falaram”.

 

Júlio, que é candidato a eleição suplementar ao Senado, ainda apontou que a divulgação do material feito quase 40 anos após os fatos, seriam para prejudicar sua candidatura. 

 

“Isso é matéria paga, por gente de Cuiabá, que tem interesse em me desprestigiar. É uma matéria política mentirosa. Porque não é verdade, pesquisa os anais do processo. São dois policiais que estão punidos, expulsos e presos no meu governo”, afirmou Júlio.

 

O senador Jaime Campos foi procurado pela reportagem, que não obeteve sucesso. Por meio de sua assessoria de imprensa, o senador disse que "os acusados do crime foram julgados e condenados, e nenhum dos irmãos Campos sequer foram acusados".

 

quintela

 

 

 

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COMENTÁRIOS
10 Comentário(s).

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Graci Ourives  29.04.20 09h32
Leiam o livro “Homens de MT “ relato dos adversários políticos são excelentes sobre perseguições .
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Augusto  28.04.20 21h36
Augusto, seu comentário foi vetado por conter expressões agressivas, ofensas e/ou denúncias sem provas
José Aparecido de Macedo Soares  28.04.20 19h44
Essa acusação é mentirosa, caluniosa e não condiz com a índole desses grandes nomes da política de nosso Estado, Júlio e Jaime Campos.
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Marta Santos   28.04.20 13h58
SE FOSSE HOJE, MUITOS POLÍTICOS DESSA EPOCA ESTARIAM ATRÁS DAS GRADES... E AINDA DIZEM QUE O BRASIL NÃO MELHOROU EM RELAÇÃO A MORALIDADE E PUNIÇÃO! VIVA A LAVAJATO E VIVA MORO!
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Joao da Silva  28.04.20 11h23
Joao da Silva, seu comentário foi vetado por conter expressões agressivas, ofensas e/ou denúncias sem provas