O email estava assinado como "Stefani Germanotta", o nome verdadeiro de Lady Gaga. O endereço, [email protected], referia-se a um dos amados buldogues franceses da cantora pop, Koji.
"Sou uma grande fã do seu trabalho", dizia a mensagem enviada para Emma Webster, uma pintora de paisagens baseada em Los Angeles que usa imagens de realidade virtual.
"Queria saber se você teria alguma pintura disponível?", continuava o texto.
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"Estou expandindo minha coleção, que é ancorada por poderosas artistas femininas como Kusama, Frankenthaler, Louise Bourgeois, Lynda Benglis e muitas outras. Seu trabalho complementaria tão deliciosamente! Seria muito especial. Muito obrigada e ansiosa pela sua resposta, Stefani.
"Webster ficou eufórica. Em 2022, quando recebeu o primeiro email, ela havia acabado de alcançar um nível de destaque, após três exposições consecutivas que criaram uma lista de espera para seu trabalho. Mas chamar a atenção de Lady Gaga, cuja celebridade e posição como colecionadora era significativa, poderia elevar exponencialmente seu perfil.
Artistas, e as galerias que os representam, geralmente dão preferência a colecionadores proeminentes ou museus. Colocar uma obra dessa maneira pode influenciar a visibilidade de um artista, a trajetória de suas carreiras e seu legado final. Os artistas tentam evitar especuladores ou investidores que possam querer comprar algo para revendê-lo com lucro rápido, um processo que pode criar uma bolha especulativa —e muitas vezes insustentável.
Embora Lady Gaga fosse o tipo de colecionadora que se espera cultivar, Webster estava saindo de várias exposições e praticamente sem estoque. Mas ela tinha uma pintura disponível, "Happy Valley" —uma cena pastoral caleidoscópica medindo grandes 2,13 x 3 metros.
Stefani respondeu que gostaria da pintura e pediu um desconto (frequentemente concedido a clientes especiais), que Webster concedeu, gentilmente solicitando alguma prova de sua identidade.
"Muito amor é colocado no trabalho, e tento ser diligente sobre para onde as pinturas vão quando saem do estúdio", escreveu Webster. "Normalmente vendo para colecionadores que conheci pessoalmente. Você poderia, por favor, verificar sua identidade de alguma forma...? Animada para me juntar à sua bela coleção de arte!"
Stefani posteriormente enviou uma selfie casual. Era uma foto de Lady Gaga, aparentemente em casa, usando um suéter cinza, óculos pretos e brincos de argola.
"Aqui está uma pequena foto minha resolvendo alguns assuntos rápidos antes de pegar a estrada!", dizia o texto. "Estarei fora da cidade a partir de hoje à noite, mas meu querido assistente estará monitorando emails e pagando contas."
Webster posteriormente recebeu o pagamento acordado de US$ 55 mil (quase R$ 300 mil) e preparou a pintura para retirada. Ela escreveu para Stefani:
"Também solicito educadamente que não revenda a pintura por cinco anos. Espero que esteja tudo bem —o mercado está simplesmente louco com a revenda de arte no momento." (Como um post-scriptum em resposta à selfie de Stefani, Webster acrescentou: "óculos legais, a propósito!")
Stefani respondeu: "absolutamente, NUNCA venderei".
Dois anos depois, o pai de Webster estava navegando pelo Instagram quando viu aquela mesma pintura de sua filha em uma postagem da casa de leilões Christie's.
"Pronto para a maratona do mês da arte em Hong Kong? Para dar início a este mês emocionante na Christie's, estamos entusiasmados em revelar um dos lotes mais fascinantes em nosso próximo Leilão Noturno Pós-Milênio —'Happy Valley' de Emma Webster!"
Ele imediatamente alertou Webster, que ficou perplexa.
Espera-se que os colecionadores mantenham suas aquisições indefinidamente e, se por algum motivo precisarem vender a obra, a ofereçam primeiro à fonte original (geralmente uma galeria, mas neste caso a artista).
"Eu pensei: 'Por que diabos Lady Gaga estaria leiloando esta pintura?'", disse Webster, 36 anos, em uma entrevista.
Olhando para trás, a artista relembra alguns sinais de alerta. A guia de remessa trazida pelo manipulador de arte que retirou a pintura, por exemplo, indicava que a obra estava indo para armazenamento temporário. O endereço do destinatário final, "Chris Horton" —que Stefani havia identificado em um email como seu "gerente da casa"—, estava faltando.
Após descobrir a postagem no Instagram, Webster contatou o empresário de Lady Gaga, Bobby Campbell.
"Temo que você tenha sido enganada por alguém fingindo ser ela", escreveu ele em um email. "Ela não tem este email e não temos um gerente de casa chamado Chris. Minhas sinceras desculpas por você ter sido enganada!"
Eventualmente, Webster descobriu que a pintura havia sido consignada para venda pela Christie's por Matt Chung, um galerista de Hong Kong.
Webster pediu à casa de leilões que retirasse a obra do próximo leilão, o que foi feito, mas a casa se recusou a devolvê-la conforme solicitado.
A Christie's disse que aguardará a resolução da disputa entre Webster e o consignador antes de tomar o próximo passo em direção à transferência ou venda da obra. "Conforme a política", disse um porta-voz, "e como parte neutra, uma vez que uma obra é consignada a nós, somos obrigados a mantê-la no caso de um problema até que esse problema seja resolvido".
Chung, o consignador, disse a Webster e seu advogado, Thaddeus Stauber, em um email que havia adquirido a obra através de John Wolf, um consultor de arte de Los Angeles, e que "não estava ciente de qualquer atividade fraudulenta" e "também foi vítima das circunstâncias infelizes."
Ele disse que para resolver o problema, estava disposto a compartilhar parte dos rendimentos —30%— de qualquer venda em leilão com Webster, mas ela rejeitou a oferta através de seu advogado.
No mês passado, Chung entrou com uma ação civil em Hong Kong, dizendo que tinha um acordo legal com a Christie's e que a pintura deveria ser devolvida a ele.
Stauber disse que Webster relatou a pintura como roubada e o FBI está investigando. A agência federal recusou-se a comentar.
"Proteger artistas de maus atores no mercado é um exercício que vale a pena", disse Stauber. "Quando as pessoas quebram a confiança que os artistas depositam nos colecionadores, isso causa danos significativos."
Luke Nikas, um advogado que frequentemente representa clientes do mercado de arte, disse que a lei da Califórnia trata a personificação de alguém com a intenção de obter um benefício como um delito menor. No lado civil, ele disse, tal falsa representação de identidade poderia ser a base para uma alegação de fraude.
"É realmente importante para os artistas poderem ter algum grau de controle sobre seu mercado", acrescentou Nikas. "Os artistas escolhem cuidadosamente quem querem que sejam seus colecionadores para construir seu mercado da maneira certa."
Contatado por telefone, Wolf reconheceu ter vendido a pintura para Chung, mas negou ter tido qualquer negociação com Webster. Quando perguntado onde havia adquirido a pintura, ele disse: "Nunca estive envolvido com uma compra direta dela. Isso é simplesmente tão inesperado".
Desnecessário dizer que esta não era uma situação que Webster esperava encontrar como uma artista em ascensão. Nascida em 1989 em Encinitas, Califórnia, ela obteve seu diploma de bacharel pela Universidade Stanford em 2011 e seu mestrado em belas artes em pintura pela Universidade Yale em 2018. Depois, mudou-se para Los Angeles, onde lutou para se estabelecer como artista, tomando banho na academia e dormindo em um estúdio de garagem de armazém.
Mas então um consultor de arte trouxe Webster à atenção de Alice Lung, uma sócia da Perrotin, que decidiu colocá-la na exposição inaugural de sua nova galeria em Seul, Coreia do Sul.
A exposição foi bem recebida. "Ver as obras de Webster é imergir-se em novos mundos", disse uma crítica da exposição na ArtNews. "Suas pinturas são vividamente assombrosas, apontando tanto para a beleza do mundo natural quanto para a destruição da humanidade sobre ele."
Aproximadamente na mesma época, um breve documentário no Instagram sobre Webster feito pela atriz Emma Watson ajudou a elevar o perfil da artista. Suas pinturas foram apresentadas em exposições de galerias em Miami e San Diego.
Logo depois, Webster recebeu o email de "Stefani Germanotta" expressando interesse em seu trabalho.
Webster disse que espera recuperar sua pintura —e que será muito mais cautelosa com as pessoas para quem vende no futuro. "Nunca esperei", disse ela, "que alguém precisasse se passar por uma estrela pop apenas para ter acesso a uma das minhas pinturas".
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