Cuiabá, Domingo, 14 de Setembro de 2025
ALIADO DE TRUMP
14.09.2025 | 10h59 Tamanho do texto A- A+

Assassinato de Kirk agrava nova onda de violência política nos EUA

Desde o início do ano, uma série de ataques com motivação política chocou o país

Reprodução

Ilustração

JULIA CHAIB E GABRIEL BARNABÉ
DA FOLHAPRESS

O histórico de violência política dos Estados Unidos, que permeia a história do país, passa por nova onda que se torna ainda mais aguda com o assassinato do influenciador conservador Charlie Kirk. Os ataques recentes não priorizam um lado do espectro partidário e atingem tanto integrantes da direita como da esquerda, impulsionados por atuações isoladas em consequência da polarização e das redes sociais, segundo especialistas.

 

Desde o início do ano, após a eleição de Donald Trump, uma série de ataques com motivação política chocou o país. Em junho, dois parlamentares do partido Democrata de Minnesota foram baleados na madrugada por um atirador que se passou por policial. A deputada Melissa Hortman, 55, ex-presidente da Câmara estadual, e seu marido foram mortos. O senador estadual John Hoffman, 60, e sua esposa foram feridos, mas sobreviveram.

 

Em abril, a casa do governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, um democrata proeminente, foi incendiada e ele teve de ser retirado às pressas. Em Washington, dois funcionários da Embaixada de Israel foram mortos. Houve ainda ataques a concessionárias da Tesla, empresa de Elon Musk, então com forte atuação no governo Trump.

 

Esses episódios ocorrem na esteira de outros ataques mais rumorosos nos últimos anos, como os atentados contra o próprio presidente, a tentativa de assassinato do juiz da Suprema Corte Brett Kavanaugh, e a tentativa de sequestro de Nancy Pelosi, ex-presidente da Câmara americana, que terminou com seu marido atacado com um martelo.

 

O Banco de Dados de Localização e Eventos de Conflitos Armados (Acled, na sigla em inglês) congrega os eventos de violência política noticiados tanto por veículos de mídia quanto oficializados por autoridades locais e nacionais.

 

Nos últimos 12 meses, motins violentos foram pouco mais de 53% dos registros do tipo no território americano. Nesses casos, estão incluídas ocorrências em que houve tumultos ou manifestações violentas, no geral com multidões envolvidas.

 

A partir da análise da organização, no entanto, são os eventos classificados como "violência contra civis" que representam o maior número de mortes --36 das 44 no último ano. As fatalidades, nesses casos, são decorrentes de ataques diretos, crimes sexuais ou sequestros que, por sua vez, tenham motivação política.

 

Ainda de acordo com os dados sintetizados pelo Acled, mesmo que o número de eventos totais ligados a violência política (110) não seja grande em comparação a outros países de nível socioeconômico similar, a quantidade de mortes é, no geral, maior.

 

Na Alemanha, por exemplo, foram registrados 77 eventos no mesmo período e, entre eles, 15 mortes. Proporcionalmente, o número de mortos nos EUA é equivalente ao dobro dos registrados nas ocorrências alemãs. Na França, as taxas são ainda menores: no último ano, foram 87 eventos, com 9 fatalidades.

 

O ex-integrante do FBI Javier Ali, professor de terrorismo e contraterrorismo na Universidade de Michigan, avalia que o país passa por nova onda, mas que nem a polarização nem a violência são inéditos nos EUA. "O que eu diria é que a violência política tem sido um fenômeno constante nos EUA quase desde o início do país. Isso não é novidade. Eu argumentaria que esta é apenas a onda mais recente desse fenômeno que está se espalhando pelos EUA", avaliou à Folha.

 

"Tivemos quatro presidentes dos EUA assassinados, temos duas tentativas de assassinato que quase tiveram sucesso contra presidentes, incluindo o presidente Trump duas vezes no ano passado. E depois uma série de outros funcionários eleitos, políticos e figuras culturais muito influentes também foram mortos ou sofreram atentados contra suas vidas. E, novamente, isso acontece em ondas e em diferentes períodos de tempo", disse.

 

Na avaliação de Ali, um fenômeno exclusivo do período atual é o fato de a polarização na sociedade poder ser amplificada pelas redes sociais.

 

"Isso é uma característica que não existia em ondas anteriores, e talvez isso possa ser algo que sustente esta por um período mais longo. Isso parece ser único", disse. "Não há nenhuma lei nos EUA agora que proibiria diretamente as coisas que estão sendo promovidas ou circulando todos os dias em diferentes redes sociais para as plataformas", avaliou.

 

Já Robert Pape, professor de ciência política na Universidade de Chicago, que estuda violência política há 30 anos, diz acreditar que os EUA estão "à beira de uma era extremamente violenta na política". Isso porque as condições para a violência política estão piorando, como escreveu em artigo para o The New York Times em junho.

 

Ele conduz uma pesquisa que, em maio, identificou 40% de apoio dos democratas para uso da força para retirar Trump do poder, e 25% dos republicanos a favor do uso de militares para interromper protestos contra o presidente. Os dados mostram números equivalentes ao dobro do ano passado em respostas a perguntas similares.

 

Para Pape, embora os dois lados do espectro condenem a violência, o fazem ao mesmo tempo que estimulam discursos radicais. "O que eu temo é um crescente senso de mobilização entre dois blocos opostos --um que leva tanto manifestantes quanto forças governamentais a se tornarem mais agressivamente combatentes à medida que cada um busca impor sua vontade sobre o outro", escreveu em junho no New York Times.

 

O pesquisador Sean Westwood, professor associado no Departamento de Governo do Dartmouth College e diretor do Laboratório de Pesquisa sobre Polarização, em artigo ao site Politico, diz não haver um "movimento de massa de violência política".

 

Estudos do pesquisador mostram que menos de 2% dos americanos concordam que crimes políticos são aceitáveis. O problema, ele aponta, é que um terço da população acredita que os oponentes --o outro lado do espectro político-- apoiam a violência por motivação ideológica. Ou seja, haveria uma lacuna de percepção em relação aos pensamentos opostos.

 

"Essa crença de que se está enfrentando uma facção vasta e assassina --em vez de alguns extremistas isolados-- cria um inimigo fantasma que faz o país parecer muito mais perigoso do que realmente é."

 

Isso se agrava, avalia o professor, com a forma como os próprios políticos lidam com esses episódios. No caso do ataque a Trump no ano passado, tanto democratas quanto republicanos condenaram a agressão, incluindo o então presidente, Joe Biden. Desta vez, no caso de Kirk, Trump não demorou a apontar a culpa ao que ele chamou de "extrema esquerda".

 

"Os incentivos da política moderna recompensam o extremismo; arrecadação de fundos, atenção da mídia e mobilização da base estão todos ligados a uma linguagem apocalíptica de alto risco", avaliou Westwood ao Politico.

 

A professor Barbara Walter, da Universidade San Diego, aponta quatro condições para o agravamento da violência, que ela identifica estarem presentes nos EUA: quando a democracia está em rápido declínio; as sociedades estão divididas por raça, religião ou etnia; líderes políticos toleram ou incentivam a violência; e quando os cidadãos têm fácil acesso a armas.

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