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Um trabalho de conservação que começou de forma voluntária em 2021 transformou uma área do Pantanal mato-grossense em um laboratório a céu aberto para a coexistência entre humanos e onças-pintadas.
Diferente do cenário já consolidado em Porto Jofre, a região no entorno de Poconé abriga uma população de felinos descrita pelos pesquisadores como "a última população de onças" que está "lutando pela sobrevivência" a apenas 10 quilômetros da zona urbana.
"Porto Jofre é um grãozinho da areia, ele é um ponto. Cadê todo o outro Pantanal onde também mora onças?", afirma o médico veterinário Paul Raad, 35, natural do Uruguai e presidente fundador do Instituto Impacto de mitigação de problemas ambientais com comunidades tradicionais e onças.
O projeto nasceu em 2021 de uma necessidade urgente: impedir que moradores continuassem matando onças por falta de alternativas.
"Eu vim porque moradores estavam matando onças. E ninguém deu soluções para esses moradores, porque as pessoas não são os vilões", explica Raad.
"As pessoas perdem animais por onças e não sabem como lidar. Depois também tem muito garimpo nessa região. É uma zona sumamente interessante".
O começo
A oportunidade surgiu quando Raad planejava fazer um mestrado no Alasca, mas aceitou um voluntariado na Pousada Piuval.
"Tinha alguns meses que eu estava aguardando antes de ir para o Alasca. E surgiu a possibilidade de fazer um voluntariado em Poconé, onde tinha muita onça, e não tinha nada sendo feito". Contou.
O instituto foi formalizado este ano, mas o trabalho de campo começou em 2021, com pesquisadores e se consolidou em 2022, quando Raad decidiu abandonar os planos de um mestrado no Alasca para se dedicar à região e acabou fazendo um mestrado sobre onças na Unesp em São Paulo.
"Já registramos 38 onças que são monitoradas no projeto e nosso plano é sempre expandir para aumentar essa população e as pesquisas". Informou.
O turismo foi crucial no início. "O turismo ajudou muito, sempre foi nosso maior parceiro. O dono da pousada foi o maior colaborador, financiando o projeto, ajudando com bolsas de pesquisa.
A onça- pintada Nina, sendo observada e estudada
Metodologia
O coração do projeto é a Fazenda Piuval, na transpantaneira, onde a onça-pintada fêmea Nina se tornou o ícone da iniciativa.
"A gente usou o território da Nina e a Fazenda Piuval como modelo para a gente desenvolver esse trabalho de coexistência", diz.
"A Nina virou o ícone do projeto, pois quando eu cheguei ela estava extremamente vulnerável e com filhotes e aí começamos, aos poucos, a reconhecer as onças", explicou.
O método de monitoramento é estritamente não invasivo. A equipe mantém uma distância mínima de 50 metros dos animais, utilizando armadilhas fotográficas e coletando amostras como pelos e fezes.
"Eu não sou invasivo. Existe uma distância de 50 metros, mas elas se aproximam quando estamos de carro, ela passa ao redor, nos reconhece, pois estamos há anos criando essa conexão", contou.
"Por exemplo, ontem à noite fomos lá, estava a Nina com seus dois filhotes, Aira e Sean. Ficamos 4 horas com eles, estudando eles, até dormiram com nossa presença", relembrou.
"Eles deixaram duas amostras de fezes para coletarmos e mandar para a UFMT. Depois colocamos câmaras para estudar o comportamento delas. Coletamos pelos, depois que elas deixaram o local, colocamos uma armadilha para estudar outras coisas como DNA. Tentamos ser o mínimo invasivos possível e respeitar sempre o espaço dela. Estamos na casa delas". Afirmou.
A solução prática para o conflito com a pecuária é a instalação de cercas elétricas. "Temos um método que aplicamos aqui, que funciona muito bem, é a cerca elétrica. A gente faz currais elétricos onde os animais, porcos, galinhas, bezerros, vacas, cavalos dormem à noite".
Contudo, segundo Paul a estratégia já resultou em uma redução de 83% de mortes por onças e nos prejuízos na fazenda-modelo, resultado que se reflete diretamente na diminuição dos conflitos e na consequente redução da caça retaliatória aos felinos, tendo mais de 29 mil hectares monitorados em diversos biomas, e 15 propriedades já foram impactadas positivamente.
Em caso de emergências que exijam captura ou atendimento veterinário direto, o instituto não atua. "Trabalhamos com os animais de forma não invasiva, no meio natural. Se acontecer algo com uma onça, ligamos para a Secretaria de Meio Ambiente ou outras Ongs. Não fazemos atendimento médico de animais de recinto".
Descobertas científicas
Além dos estudos das onças, o instituto trabalha com pesquisas científicas que já renderam descobertas significativas. A equipe já coletou mais de 140 amostras biológicas de forma não invasiva.
A análise de fezes de onças-pintadas revelou a presença do parasita Spirometra spp, um trabalho que ganhou o primeiro lugar em um congresso internacional da Wildlife Disease Association (WDA).
"Descobrimos novos parasitas nas onças da região que poderiam também prejudicar o ser humano", diz Raad. A equipe também encontrou plástico nas fezes dos felinos.
A abordagem é estratégica: "Queremos mudar esse paradigma da onça sempre ser um vilão. E tornar a onça um benefício para as pessoas. Porque se a onça tem essa parasita, ela vale mais viva que morta. Está dando informação para as pessoas e pode salvar vidas."
Congresso internacional da Wildlife Disease Association (WDA).
O Instituto Impacto acredita que o conhecimento transforma realidades, e que, ao entender a natureza, as pessoas passam a cuidar dela de forma mais consciente, respeitosa e engajada.
"Nosso trabalho educacional se desdobra em dois caminhos complementares: comunidades locais, especialmente escolas, e visitantes e turistas que passam pelos territórios onde atuamos. Nas escolas, desenvolvemos atividades lúdicas, interativas e contextualizadas com a realidade local."
"Levamos para dentro da sala de aula temas como biodiversidade, coexistência com predadores, importância ecológica das espécies e o papel de cada pessoa na conservação". Contou Paul Raad
As ações buscam fortalecer o vínculo das crianças e jovens com o seu território, despertando o sentimento de pertencimento e orgulho pelas riquezas naturais ao seu redor.
"Com os turistas, promovemos ações educativas que vão além da contemplação. Através de trilhas interpretativas, conversas, exposições e experiências imersivas", explicou.
"Convidamos cada visitante a enxergar a paisagem com outros olhos, compreendendo os desafios da vivência entre pessoas e a fauna, e reconhecendo o valor das iniciativas locais de conservação". Disse.
Equipe
Atualmente a equipe conta com seis colaboradores. Paul Raad, presidente fundador; Dra. Christina Pettan-Brewer, vice-presidente, veterinária e pesquisadora; Samuel F. Bressan, secretário executivo, pesquisador e médico veterinário; Breno Dorileo, tesoureiro e produtor rural pantaneiro; Grasiela Porfirio, conselheira fiscal pantaneira e bióloga e Walfrido Moraes Tomas, conselheiro fiscal e pesquisador da Embrapa.
"Mas ele enfatiza a importância da liderança brasileira. "Quando eu cheguei, quase nenhuma instituição era brasileira. A maioria era de fora. Precisamos colocar líderes brasileiros, pessoas locais, mato-grossenses dentro da ONG, para criar essa cultura de valorização dos patrimônios do Estado, a onça é só um desses patrimônios brasileiros".
Sobre a convivência, Raad é enfático: "Como um colega meu falou, a onça não ofende, a onça se defende. Ela nunca vai vir pra você se você respeitar. As pessoas vilanizam muito a onça, mas é o animal que menos gera problemas no Pantanal".
O financiamento vem de parcerias com o turismo local, a WWF (World Wide Fund for Nature) e doações. "O turismo ajudou muito, sempre foi nosso maior parceiro. O dono da pousada onde temos nossa sede foi o maior colaborador que ajudou a gente no começo, financiando o projeto". Explicou.
Interessados em apoiar o trabalho do instituto podem obter mais informações e realizar doações através do site oficial da organização, clique AQUI.
Veja o vídeo:
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