Os moradores do Altos da Serra, em Cuiabá, bairro listado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no censo de 2022 como favela, enfrentam precariedade no atendimento no posto de saúde, rodízio de água e ônibus sucateados e lotados.
A reportagem conversou com alguns dos moradores, que relataram, principalmente, dificuldade quando precisam da saúde pública. Dona Andréa de Matos, que mora há 14 anos na mesma casa, contou que tem artrose, uma doença que causa desgaste da cartilagem entre os ossos, e labirintite.
Apesar da dor diária, após alguns anos, ela desistiu de buscar ajuda no posto de saúde e compra seus medicamentos direto na drogaria, com o dinheiro que recebe do auxílio-doença, por incapacidade permanente.
“Você vai lá procurar qualquer remédio que for, não acha. E eles ficam falando que está tudo abastecido, mas é mentira. A gente vai atrás e não acha remédio nenhum”, contou.
“Sou muito doente. Tenho artrose nos ossos, labirintite e vivo inchada. E ainda sofro com pedras nos rins, por isso não consigo andar muito. Se preciso de remédio, tenho que esperar receber o 'salarinho' para comprar. Não dá pra contar com o postinho", disse.
"Grandes passam por cima dos pequenos"
Ela diz que o problema é antigo e que reclamar “não adianta”. “Hoje em dia, os grandes passam por cima dos pequenos. A gente fala, mas eles não ligam”, desabafou.
Apesar dessa dificuldade, dona Andreia diz que o bairro ficou mais tranquilo com o passar dos anos. “No começo era pior. Agora está mais "mandado". Eu nunca fui assaltada, graças a Deus. Tenho amizade com todo mundo, gosto de conversar, e o pessoal me respeita".
Outra moradora que se queixou do posto de saúde do bairro foi Fátima da Silva, de 50 anos, que aguarda na longa fila de espera para uma consulta. “Me falaram que seria só no dia 4 de dezembro. Dois meses! Eu tenho isso aqui no meu braço, e acho que preciso fazer uma pequena cirurgia”, disse, ao mostrar um cisto no antebraço próximo ao cotovelo.
O corpo estranho, como ainda não tem diagnóstico, pode ser benigno ou maligno, e a demora é um perigo. Apesar do risco, Fátima contou que é algo que não tem lhe causado dor, mas é um incômodo do qual gostaria de se livrar.
Falta crônica de água
Além da saúde, Fátima destacou problemas com a distribuição de água e transporte público. Segundo ela, quem não tiver caixa para armazenar a água, fica à mercê do rodízio, que funciona dia sim, dia não.
“Se quiser lavar roupa, tomar banho, tem que esperar. A água vem de manhã e no meio da tarde já para. Outro problema também é ônibus. Eles colocam os piores ônibus que têm. Sem ar, sucateado. E demora uma hora entre um e outro”, disse.
A doméstica R.V.P.S., de 34 anos, contou que se mudou do bairro Vila Rosa para o Altos da Serra há três anos, para ficar mais próxima da chácara de sua mãe, onde passa a maior parte do tempo. Nesse período, a doméstica já ouviu relatos de vizinhos que ficaram mais de um mês sem água.
“A minha vizinha, da casa lá de baixo, disse que aconteceu de ficar 34 dias sem água. Nunca aconteceu comigo, graças a Deus, e eu também não fico muito tempo em casa. Quando fico, uso o que tem na caixa d’água”.
Outra moradora, que preferiu não se identificar, contou que vive no bairro há 15 anos, e nesse período viu melhora, como asfaltamento, implementação de esgoto, mas também confirmou os problemas na saúde e no transporte público.
"Escola ruim"
A moradora R.V.P.S. trouxe outra reclamação: a educação local. Mãe de dois filhos que estão no Ensino Fundamental, ela disse que a escola do bairro não tem sistema de avaliação com boletim, o que causou estranhamento até nas crianças.
“A escola é ruim. Não tem boletim. Até meu menino reclamou. Falou que não tem nem comparação com a outra escola da prefeitura. Faz prova, mas não sabe de nada”, disse a moradora.
A autônoma Jucilene Massai, de 40 anos, que mora no bairro há 12 anos, reclamou do preço que paga pela água. Segundo ela, é cerca de R$ 200 por mês, o que considera um valor alto, principalmente devido ao sistema de rodízio.
A moradora do bairro Jucilene considera que, apesar das melhorias no asfalto, sua rua ainda sofre com esgoto precário. Qualquer mínimo acúmulo de folhas próximo à boca de lobo resulta em enchentes e é preciso ficar atenta para evitar que a água da chuva invada sua casa, como já aconteceu.
Domínio de facção
Logo na entrada do bairro, pichações com siglas da principal facção criminosa de Mato Grosso chamam atenção nos muros e postes. O grupo, segundo moradores, domina a região. Um dos entrevistados, que preferiu não se identificar, contou que diversos imóveis do bairro pertencem à facção.
De acordo com ele, a prática é comum em áreas periféricas, especialmente nas mais recentes. A estratégia, explicou, é adquirir casas e terrenos para esperar a valorização. “Quando o imóvel passa a valer mais, eles vendem ou alugam”, relatou.
Apesar de não haver um dado oficial, há suspeita de que 26 bairros da Capital sejam dominados por facção criminosa, que controlam o comércio, tráfico e até mesmo a "segurança" dos moradores.
O Monte de Oração
No alto do bairro, um monte público usado pela comunidade para orações e práticas religiosas ganhou até nome oficial. Tradicionalmente conhecido como “Monte de Oração” pelos moradores, foi registrado pela Câmara Municipal como Monte das Oliveiras.
A proposta de nomeação partiu do vereador Kássio Coelho (Podemos), que justificou que o local é frequentado há anos por fiéis que buscam um momento de fé e silêncio em meio ao bairro. No monte, que fica nas proximidades da Avenida Guanabara, a reportagem encontrou não só pessoas meditando, mas até um grupo de crianças brincando.
Veja o vídeo:
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