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19.10.2025 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

Testemunha da morte diária: a vida dos caminhoneiros na estrada

Acidentes e furtos são principais problemas no cotidiano dos motoristas em Mato Grosso

Yasmin Silva/MidiaNews

Caminhoneiros relatam acidentes e roubos nas estradas

Caminhoneiros relatam acidentes e roubos nas estradas

LARISSA AZEVEDO
DA REDAÇÃO

As estradas de Mato Grosso são frequentemente palco de acidentes envolvendo veículos pesados e de cargas, como carretas, caminhões e ônibus. Os motoristas, que passam grande parte de suas vidas nas pistas acabam testemunhando e até sendo parte de fatalidades diariamente. 

 

No começo a gente fica bem abalado, porque não é da nossa índole, a gente não está saindo de casa para matar ninguém, a gente está saindo de casa para trabalhar

Um deles, Adriano Ludwig, trabalha no ramo há 12 anos e passa constantemente pelas estradas de Mato Grosso com a sua carreta 9 eixos. A visão de acidentes é algo diário para ele, que também já se envolveu em dois, um deles com três vítimas fatais.  

 

Na ocasião havia ocorrido um acidente anteriormente na rodovia e o ar estava com muita neblina e chuva, como disse ao MidiaNews, além de ter óleo derramado na pista. Não havia sinalização e ele acabou colidindo com um carro, o que causou a morte dos ocupantes do veículo.  

 

“No começo a gente fica bem abalado, porque não é da nossa índole, a gente não está saindo de casa para matar ninguém, a gente está saindo de casa para trabalhar”, disse.  

 

Apesar de as circunstâncias deste acidente serem diferentes, ele admite que muitos caminhoneiros acabam se envolvendo em acidentes por conta do cansaço, já que é comum que os motoristas tenham que dirigir mais de 15 horas por dia e descansar por pouco tempo.  

 

 

Tragédia de 11 mortes

 

Caminhões e carretas já estiveram envolvidos em 748 acidentes de trânsito nas rodovias de Mato Grosso entre os meses de janeiro a setembro deste ano, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Destes, 87 foram de alta gravidade e 30 pessoas morreram.

 

No caso de ônibus, foram contabilizados 35 acidentes e 11 mortes, sendo esta a tragédia na rodovia BR-163, em agosto. 

 

O risco de vida para os próprios motoristas também é alto, de acordo com Geraldo Aparecido de Souza, que trabalha nas estradas há 20 anos. Ele vê acidentes em rodovias quase todos os dias de trabalho, incluindo tragédias que envolvem outros caminhoneiros e colegas. 

 

“O risco de acidente é o dia-a-dia nosso na estrada, e todo dia a gente tá passando ali, três, quatro palmas um do outro em 80 km/h. Geralmente, de vez em quando dá umas esbarradas, bate, acaba até indo a óbito os motoristas. O risco é muito grande na estrada hoje”, afirmou.  

 

"Estrada é minha"

 

Para José Pessoa Filho, o maior perigo dos motoristas está em acidentes envolvendo grandes veículos, incluindo caminhões, carretas e ônibus. 

 

“Muitos dos próprios motoristas, não vamos generalizar, mas tem uma boa parte que não dá para entender a falta de empatia de uma pessoa com a outra. Eles pensam ‘a estrada é minha e ninguém passa’, não quer compartilhar, esse tipo de coisa. É muito complicado, porque a estrada se torna muito violenta”, afirmou.  

 

De acordo com ele, há muita imprudência nas rodovias. “O cara entra ultrapassando sem noção nenhuma do perigo que tá vindo ali. Às vezes pode até ter noção, mas é imprudente mesmo, então é meio difícil”, completou. 

 

O motorista Jean Carlos Ferreira Lima, que dirige há 18 anos, afirmou já ter visto de 10 a 12 acidentes em apenas um dia de estrada. Para ele, o principal motivo é falta de cuidado e atenção na rodovia.  

 

 

“É falta de atenção, é coragem dos motoristas, que muitos deixam a máquina dominar eles, perdem o medo da máquina e é onde acontece a maioria [dos acidentes] em relação a caminhoneiros”, disse.  

É falta de atenção, é coragem dos motoristas, que muitos deixam a máquina dominar eles, perdem o medo da máquina e é onde acontece a maioria [dos acidentes]

“E carro baixo, é a falta de experiência com a estrada, porque muitos carros baixos saem para pegar uma estrada e nunca pegaram. Falta de experiência na ultrapassagem, que é onde acaba ocasionando o acidente também”, complementou.  

 

Os motoristas alegaram que, em muitos casos, os carros de passeio e caminhonetes também são responsáveis pelos acidentes.  

 

"Caminhão não para"

 

De acordo com Adriano Ludwig, a grande maioria dos acidentes são causados por eles, que não entendem o funcionamento e o peso de um veículo grande.

 

“Eles não têm noção do que é um caminhão carregado, acham que é que nem eles, que te podou [passou na frente], ele para. O caminhão não para, precisa de mais distância pra poder parar. Não é igual um cara pequeno que em 20, 30 metros você para, né? É muita ultrapassagem, faixa contínua, lombada, lugar que não pode, eles entram podando”, disse.  

 

O motorista afirmou que já teve que sair da pista diversas vezes para evitar a colisão com carros que ultrapassam sem ter uma visão completa.  

 

José também comentou sobre a ultrapassagem, afirmando que os carros aproveitam espaços na frente dos caminhões, mas que eles são reservados para o freio, já que são veículos pesados e possuem dificuldade em frear bruscamente. 

 

Além disso, o ponto cego não é levado em consideração por carros e motocicletas. 

 

“Quando ele entra naquele espaço, ele está num ponto cego do motorista do caminhão. E ali gera muitos acidentes, muitas vezes com vítima fatal. Não é que o motorista quer matar o cara, mas ele está num ponto cego”, afirmou.  

 

"Os acidentes nas estradas, não só aqui no Brasil, ocorrem 80% das vezes por causa de falha humana, é imprudência humana”, completou.

 

Roubos e furtos 

 

De acordo com dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), entre janeiro e agosto deste ano já foram registrados 82 roubos e furtos de caminhões em Mato Grosso, além de 52 de reboques e semi-reboques. 

 

 

O medo de perder partes dos veículos ou até mesmo a vida é uma constante no cotidiano dos motoristas, que se veem obrigados a pagar estacionamentos com rondas de vigias para evitar furtos. Em muitos cenários nem o pagamento é uma garantia de segurança. 

 

Por causa da rotina de trabalho dos motoristas em que viajam de 15 dias a meses, eles passam a maior parte dos dias dentro dos veículos e também dormem neles. 

Eu já fui roubado na Imigrante. Deixei o caminhão lá, fui na casa dos meus pais e quando cheguei lá tinham quase depenado o caminhão todo. Foi um prejuízo tremendo

 

No entanto, caminhões e carretas estacionadas se tornam alvos fáceis de criminosos, de acordo com os motoristas. Tanto a carga quanto as próprias peças dos veículos são constantemente roubadas nas estradas de Mato Grosso.

 

Lugar de roubos

 

O Distrito Industrial e a Rodovia dos Imigrantes, entre o Coxipó e o Trevo do Lagarto, em Várzea Grande, são os locais mais visados por ladrões, de acordo com os motoristas.

 

“Cansaram de dormir ali [Distrito Industrial] e amanhecer sem o módulo do veículo, que é o que faz a leitura de todo o motor. Toda noite são 3, 4 módulos que eles roubam. Já roubaram do caminhão nosso dentro do estacionamento com vigia. Só que lá tinha mais de 200 caminhões, então para se esconder numa sombra, ninguém vê”, disse Geraldo.  

 

“Eu já fui roubado na Imigrante. Deixei o caminhão lá, fui na casa dos meus pais e quando cheguei lá tinham quase depenado o caminhão todo. Foi um prejuízo tremendo”, afirmou José.  

 

O medo pela vida é ainda maior. “Às vezes o motorista está dormindo dentro do caminhão, e os caras chegam em uma ação tão rápida, eles quebram a janela lateral da porta e já pulam para dentro do caminhão numa rapidez tão grande, já com arma em punho, imobilizam o motorista, levam o caminhão, levam o motorista”, completou.

 

"Nossa, é uma coisa muito complicada, esse risco de ser assaltado. Isso aí é um medo que o motorista de caminhão vive constantemente, é todo minuto", lamenta. 

 

Adriano afirmou que o que mais chama atenção dos criminosos atualmente são os módulos dos caminhões por causa do valor da peça, que pode ser de até R$ 20 mil. 

 

 

Eles afirmaram que falta maior fiscalização e segurança para os trabalhadores, pois apenas os vigias dos pátios não são suficientes para garantir a segurança nas estradas.  

 

Consequências psicológicas

 

Eu fico uma semana pensando, toda vez que você vai deitar, você fica pensando. E aí não tem psicológico, tem que ser uma pessoa com muito sangue frio para não ficar abalado

Assim como Adriano afirmou anteriormente, os motoristas são fortemente impactados psicologicamente em relação aos acidentes em que são envolvidos. O medo de serem vítimas fatais da violência nas estradas também é relatado pelos profissionais.

 

“Já cansamos de ver carros despedaçados embaixo do caminhão. O meu uma vez bateram, só que não foi grave, a pessoa bateu entre o eixo da carreta, já pro final da carreta. Só estragou bem a frente do carro e foi um desespero danado na hora ali”, disse Geraldo. 

 

Com a frequência com que acidentes acontecem nas estradas, é comum ver casos durante o percurso.

 

“Eu fico uma semana pensando, toda vez que você vai deitar, você fica pensando. E aí não tem psicológico, tem que ser uma pessoa com muito sangue frio para não ficar abalado, para não dormir pensando num acidente que você vê”, afirmou o caminhoneiro.  

 

“É uma coisa, assim, que abala muito. É uma coisa que você vê e te toca, você lembra dos filhos, lembra da família, toca muito”, finalizou.

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