Chopão

A restauração de fotografias de família começou como um hobby para o cuiabano Jefferson Silveira, de 45 anos. Mas após três décadas, os álbuns de família deram lugar a arquivos públicos, e as fotos pessoais abriram espaço para imagens da antiga Cuiabá, cidade com a qual ele buscava estabelecer uma nova conexão.
Formado em Comunicação e Marketing, Jefferson atua na área de geotecnologia e administra o perfil do Instagram “IA em Cuiabá”, focado no compartilhamento de imagens restauradas e coloridas por meio de inteligência artificial.
Apesar da rotina de trabalho, foi nas horas vagas que encontrou uma maneira de se conectar com a cidade e aproximar períodos distantes da realidade moderna.
“Sou um cuiabano de primeira geração. Meus pais não são daqui da capital. Acho que isso despertou em mim uma vontade de conhecer mais a cidade”, relatou.
Jefferson emprega a inteligência artificial para restaurar e colorir artificialmente fotografias encontradas em bibliotecas e acervos públicos da Capital. Diferente das restaurações tradicionais, a IA dá mais vida e realismo às imagens, sem contar com a possibilidade de transformá-las em vídeos curtos.
O trabalho nasceu como uma tentativa de gerar identificação da população com fotografias tiradas há décadas e que retratavam uma Cuiabá modificada pelo tempo. Com as imagens coloridas artificialmente, Jefferson vê a oportunidade de mostrar aos conterrâneos uma nova perspectiva de cenários cotidianos.
Reprodução
Jefferson Silveira, responsável pelo perfil IA em Cuiabá
“O sentimento que eu tenho é que existe uma Cuiabá que você vê, mas não enxerga, sabe? Às vezes você passa pelo Centro Histórico e vê uma casa antiga, e começa a imaginar como ela era quando o bairro inteiro tinha aquele estilo. Você vê uma estátua, um chafariz, e pensa: ‘Como será que era essa praça 200 anos atrás?’ Quando você resgata a imagem, é como se estivesse vivendo lá naquele tempo.”
Processo de restauração
O hobby começou ainda na adolescência, aos 14 anos, quando ele revivia álbuns antigos de família em busca de fotografias para restaurar. Com tempo médio de uma semana para a finalização, a atividade manual exigia muitas horas de dedicação.
Com o passar dos anos e o avanço da tecnologia, o processo foi otimizado. O trabalho manual que antes levava dias agora pode ser concluído em apenas um.
“Antes, uma restauração levava cerca de uma semana. Hoje, levo um ou dois dias, dependendo da imagem. A produtividade aumentou cinco ou seis vezes. Mas, curiosamente, o que mais demora ainda é encontrar a imagem certa.”
Para localizar imagens a serem restauradas, ele detalha um processo de busca minucioso em acervos, bibliotecas e jornais.
“Costumo trabalhar com imagens que já estão em domínio público, que circulam na internet, em redes sociais ou em jornais. São fotos mais conhecidas, que geram mais identificação. Mas também faço um trabalho de pesquisa, buscando imagens em livros e acervos, como o do Sesc Arsenal ou da UFMT, por exemplo.”
Após a coleta, ele inicia o processo de restauração e colorização das imagens por meio de aplicativos e plataformas.
“Eu faço uma primeira restauração. Gosto muito do ChatGPT. Acho que ele é uma ferramenta poderosa e dá aquele primeiro trabalho. É claro que eu tenho que gerar inúmeras versões da imagem, corrigindo o prompt. Como ele faz uma recriação, muitas vezes ele muda um detalhe... Então você tem que fazer um ajuste. Quando ele chega num ponto mais ou menos razoável, aí eu trago pro Photoshop e para outras ferramentas de edição digital.”
Por meio do Photoshop, Jefferson corrige detalhes e acabamentos e então publica em suas redes sociais.
O trabalho de compartilhamento das imagens nas redes iniciou no dia 2 de julho e encantou internautas. Com menos de duas semanas, a página soma 42 publicações e quase 4 mil seguidores.
“No começo, eu fazia isso só para mim, ficava emocionado sozinho. Mas agora decidi compartilhar. Cuiabá é a capital de Mato Grosso, com mais de um milhão de habitantes [somando-se a Várzea Grande]. É importante levar esse tipo de imagem para o maior número possível de pessoas e despertar o interesse pela nossa história.”
Apesar do grande número de imagens, ele afirma que nem todos os processos de restauração geram imagens esteticamente agradáveis e verossímeis.
“Tenho muito insucesso também. Mesmo com a inteligência artificial, mesmo com a tecnologia de hoje, tem fotos que você não consegue restaurar.”
Entre os exemplos, Jefferson cita imagens que retratam figuras históricas de Cuiabá.
“Uma foto muito emblemática: quando o Getúlio Vargas vem visitar Cuiabá. Tentar restaurar aquela foto é possível, mas é bem trabalhoso pra você manter o rosto dele, manter a forma dele, manter tudo certo, manter as pessoas envolvidas. São pessoas também importantes, são pessoas da política da época, da cultura da época.”
“Nessas fotos a gente preza pela característica da pessoa. Então ela faz essa modificação, não deixa com a imagem, com a figura criada. O objetivo é criar uma conexão emocional, cultural, histórica e não só fazer uma ferramenta estética. Acho que está chegando lá, mas ainda não chegou.”
IA em Cuiabá/ Reprodução
Fotografia original do Chafariz da Bispo; fotografia restaurada sem tecnologia; fotografia com uso de IA
Já entre os sucessos, ele destaca a imagem que mais o emocionou ao longo do processo de recuperação da memória histórica por meio da inteligência artificial: trata-se de uma pintura produzida por Vitor Hugo do Cine Tropical de Cuiabá.
Memória viva
Fundado no dia 20 de maio de 1965 pelo empresário Cleto Campelo Meireles — proprietário do cinema e presidente da Organização Poconeana de Investimentos — o cinema, localizado na Barão de Melgaço, tinha 934 poltronas de luxo em courvim vermelho. Era considerado na época o melhor cinema do Centro-Oeste. Anos depois, fechou, deixando para os cuiabanos uma lacuna na cultura.
Sem registros fotográficos do espaço, o artista plástico Vitor Hugo buscou na memória o período em que trabalhava na produção de cartazes de filmes em exibição e criou uma obra de arte retratando o cinema da época.
E essa é a obra “restaurada” pela inteligência artificial que Jefferson mais se orgulha de ter trabalhado.
“Ele [Victor Hugo] fez a pintura da memória que ele tinha. Ficou muito bonito e compartilhou essa recriação que eu fiz nas redes sociais dele. Fiquei muito agradecido por isso. E foi emocionante, porque talvez, se ele não tivesse pintado esse quadro, a gente hoje talvez não teria nenhuma outra maneira de exaltar uma memória importante da cultura de Cuiabá, que é o Cine Tropical.”
Além de uma obra de arte que vira fotografia, Jefferson tem ganhado destaque ao transformar desenhos e fotografias em vídeos animados. Um deles mostra, no ano de 1970, a região onde hoje está localizada a Igreja Matriz de Cuiabá.
O vídeo foi gerado a partir de desenhos naturalistas de Alexandre Rodrigues Ferreira. As obras pertencem ao acervo do Museu Botânico Bocage, localizado em Lisboa, Portugal.
“Esse vídeo não tem cunho histórico, é apenas um exercício de imaginação a partir do desenho original”, alerta Jefferson nas redes.
Jefferson também usa a inteligência artificial para “recriar” momentos históricos de Cuiabá, como por exemplo a demolição da Igreja Matriz, em 1968.
Reprodução
Comparação entre obra de Victor Hugo e restauração de Jefferson do Cine Tropical
Mas para além da vida religiosa, ele também retrata a noite cultural de Cuiabá. Em um de seus mais recentes trabalhos, o cuiabano recria, por meio de fotografias presentes em acervos, noites nas principais casas de festa de Cuiabá.
Os vídeos percorrem diferentes décadas da cidade, seja mostrando a boate Sayonara, localizada na época no bairro Boa Esperança no anos 70; a boate Kedadágua, na década de 80; ou a boate Amérika Music Hall e Banana Yes, nos anos 90.
“Noite cuiabana, um dos maiores patrimônios culturais de nossa cidade. Somos um povo alegre e de bem com a vida e Cuiabá sempre foi conhecida pela sua incrível vida noturna. Espero que gostem do vídeo, fiz com muito carinho”, diz ele na legenda da publicação que também mostra o Chopão nos anos 70.
Apesar do sucesso de seus conteúdos nas redes, Jefferson declara que focará apenas no resgate da memória e da história cuiabana, por enquanto.
‘A gente tem que lembrar que Cuiabá é a Capital de Mato Grosso. Ela interessa a todo mundo do Estado. A Capital sempre puxa a história do Estado. É importante chegar no máximo de pessoas possível esse tipo de imagem, para gerar um interesse em conhecer mais a história, conhecer mais a cultura que nos cerca”.
“Esse início, provavelmente, quero focar na minha Capital, né? É uma emoção que me dá ver essas fotos, conhecer isso. Mas aí, talvez mais adiante, expandir. E seria interessante também parcerias com entidades que trabalham nessa parte de cultura. Pra poder fazer uma expansão ainda mais abrangente da nossa história.”
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