Cuiabá, Domingo, 27 de Julho de 2025
LEGADO MUSICAL
27.07.2025 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

Há 25 anos morria Chico Gil, considerado o "Rei do Lambadão"

Ícone da música popular em MT, cantor deixou filhos, músicas e histórias que marcaram o imaginário popular

Reprodução

O cantor Chico Gil, que morreu em um acidente de carro em julho de 2000

O cantor Chico Gil, que morreu em um acidente de carro em julho de 2000

LIZ BRUNETTO
DA REDAÇÃO

A tragédia que abalou a cena musical mato-grossense e interrompeu a carreira de um de seus maiores ícones completa 25 anos na próxima quarta-feira (30). O cantor e compositor Chico Gil foi arrancado dos palcos de forma precoce, mas segue vivo e “cantando” no imaginário popular, consagrado como o "Rei do Lambadão".

 

Ele é a grande expressão do lambadão, referência por ter popularizado o gênero e ser um artista solo dentro dessa perspectiva do lambadão das bandas

Era noite de domingo, 30 de julho de 2000, quando Chico Gil, no auge da carreira, sofreu um acidente ao lado de outros três integrantes da banda — dois músicos e uma bailarina. Todos morreram. Eles seguiam para Jangada, onde fariam um showmício, o primeiro de uma série de apresentações previstas para aquela mesma noite. Rosário Oeste e Nobres seriam os destinos seguintes.

 

O artista tinha apenas 43 anos e estava prestes a seguir em turnê, com agenda de três meses de shows no Paraná, rompendo barreiras com um ritmo, à época, ainda tão marginalizado.

 

Entre os sucessos do poconeano Chico Gil estão músicas como “Ei, Amigo”, “Amor de Lambadão”, “Não Vou em Bola Dividida”, “Corta Cabelo”, entre tantas outras eternizadas em três discos oficiais — e outras em raras fitas cassete gravadas nos quintais de sua cidade natal, considerada o berço do gênero.

 

Para a jornalista e mestre em Estudos de Cultura Contemporânea pela UFMT, Lidiane Barros, pesquisadora de lambadão e cultura popular, Chico Gil se tornou uma “figura lendária”, e seu maior legado foi a popularização do gênero, que hoje “não é mais um estilo, é um movimento que mudou a vida de muitas pessoas”, diz.

 

Apesar de não ser dele o título de criador do lambadão — e sim do guitarrista José Moraes, primeiro parceiro de Chico Gil — foi ele o primeiro a levar o ritmo e popularizá-lo na Baixada Cuiabana e região. Passo que antecedeu o fenômeno que ele se tornou.

 

Reprodução

Chico Gil

Disco "Seresta Matogrossense" é o CD de estreia de Chico Gil, lançado em 1995 pelo selo independente Itaipu

Enquanto Moraes misturou o rasqueado cuiabano com a lambada paraense e o carimbó, foi o também músico Júnior Magrão quem aumentou o BPM (batidas por minuto) da bateria para o ritmo que conhecemos hoje. A dupla introduziu Chico Gil ao mundo da música, ou melhor, ao mundo do lambadão, que depois o coroou rei.

 

“Ele é a grande expressão do lambadão, referência por ter popularizado o gênero e ser um artista solo dentro dessa perspectiva do lambadão das bandas. Por isso ele é considerado o rei. O rock tem Elvis Presley, o pop, Michael Jackson, e a gente tem o 'Rei do Lambadão': Chico Gil”, diz a produtora.

 

Para Lidiane, os 25 anos sem Chico Gil em carne e osso não se tratam de ausência, e sim da sua “presença” ainda latente.

 

“Ele continua presente nas nossas vidas, a música dele continua sendo acionada nos quintais da Baixada Cuiabana, nos bailes, nas casas de show de lambadão e nas festas de santo. Sua memória continua viva”.

 

Das periferias ao topo

 

O lambadão nasceu nas periferias e longe da mídia tradicional, e criou seu próprio ecossistema de sucesso. 

 

“Alvo de preconceito, o lambadão era música menor, de periferia, e hoje segue numa crescente e tem atenção inclusive da mídia tradicional. Hoje você vê o lambadão na TV, em rádios com programação só de lambadão. Isso antes era impensável. A gente pode dizer que o lambadão está ocupando um lugar de centralidade”, afirma.

 

Mesmo quase três décadas após sua morte, Chico Gil continua sendo ouvido em festas, baladas e também no streaming. Por mês, são quase 4 mil ouvintes de suas composições somente no Spotify. “Eu me surpreendi quando vi”, diz Lidiane.

 

Compositor, produtor, idealizador de shows, criador das apresentações com bailarinas — elemento até então inédito no gênero —, Chico Gil atuava em várias frentes e pensava o espetáculo como um todo. Muitas de suas músicas eram improvisadas na hora e se perderam no tempo, já que, como vinham, elas iam: na memória.

 

Bastidores do reinado

 

Nascido na pacata Poconé, em 10 de setembro de 1957, Francisco Guia de Souza veio de uma família humilde. Antes da fama e de ser coroado “rei”, Chico Gil trabalhou duro como pedreiro, carpinteiro e filãozeiro no garimpo, com direito até a rituais para atrair sorte.

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Chico Gil

Chico Gil em sessão fotográfica para o encarte de seu segundo disco, lançado pelo selo Terra Fonográfica

 

A diarista Eliney Maria de Oliveira Souza, hoje com 65 anos, foi a primeira e única esposa de Chico Gil. O casal se conheceu ainda na adolescência, quando ela tinha apenas 15 anos, em um encontro que define como “amor à primeira vista”.

 

Juntos, tiveram sete filhos, sendo cinco homens e duas mulheres, que, com a partida precoce do artista, ela criou praticamente sozinha e à base de muito trabalho. A fama veio, mas o dinheiro ficou pelo caminho.

 

Eliney reconhece e se orgulha das marcas deixadas pelo finado marido na cultura mato-grossense, mas diz que, para ela, o maior legado e única herança, além de uma casa, foram os filhos.

 

“Pra mim, não ficou nada. Só meus filhos, que são maravilhosos. Para mim, eles são ouro”, afirma.

 

Chico Gil chegava a passar um mês inteiro na estrada e, mesmo com a ausência do marido, Eliney não reclamava — ele estava feliz, realizando um sonho. Quando o acidente aconteceu, os dois já estavam “meio lá, meio cá”, como ela mesma define. Viviam separados, ele em Cuiabá e ela em Poconé, mas ainda mantinham contato constante.

 

“Foi um grande artista. Até hoje o povo toca música dele, fala dele. É motivo de orgulho. Depois de morto, ainda é famoso”, diz.

 

Nenhum dos filhos seguiu seus passos profissionais, mas o primogênito, Cledeley Roberto, apelidado de "Catinha", de vez em quando dá uma palhinha quando é chamado pelos amigos para cantar. Segundo a mãe, ele lembra muito o pai quando está nos palcos.

 

Mestre da Cultura

 

Lidiane Barros retratou, a partir de relatos de familiares e amigos do cantor, um pouco da trajetória artística de Chico Gil e, por meio dessas histórias, também desmistificou quem era o homem por trás da “coroa”, no documentário "Sua Majestade Chico Gil".

 

Já no livro, que leva o mesmo nome e foi escrito pelo jornalista e fotógrafo Protásio de Morais, fatos biográficos são revelados em forma de crônicas, costuradas à trilha sonora do artista por meio de QR Codes espalhados pelos capítulos e que levam a essas músicas.

 

Segundo Lidiane, nas criações de Chico Gil encontra-se parte da rotina, desde a vida no garimpo até o pedido para que cortasse sua juba encaracolada, que resultou no hit “Corta Cabelo”.

 

“Tudo faz parte da realidade dele, de pessoa que vive em comunidade tradicional, que vive em uma cidade pantaneira”, explica.

 

O projeto garantiu a Chico Gil o título de Mestre da Cultura de Mato Grosso, por meio de um edital da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer. Além de "Rei do Lambadão", o poconeano também é mestre da cultura.

 

“Ele era cultuado em vida, mas hoje é ainda mais. Existe essa mística em torno da morte precoce, e nos perguntamos: até onde ele poderia ter chegado?”.

 

Para a jornalista, o melhor jeito de homenageá-lo é revisitando a sua história (veja o documentário AQUI) e seguir ouvindo e dançando Chico Gil (acesse o link do YouTube AQUI).

 

“Temos que celebrar o lambadão, porque por mais que ele seja fruto de uma fusão, o lambadão é genuinamente mato-grossense”.

 

 

A tragédia e outros relatos 

 

Entre os tantos relatos contidos no documentário e no livro que homenageia o cantor, está o de Daiana Emília, dançarina que, por obra do destino, não embarcou no veículo em que estava Chico Gil naquele fatídico 30 de julho. Ela conta que chegou a ser tirada do veículo que seguia para Jangada pela mãe.

 

“Quando entrei, ela grudou no meu braço e falou: ‘Você não vai, eu tô falando que você não vai entrar’. E por incrível que pareça, eu nunca deixei de ir em nenhum show dele”, recorda.

 

Chico Gil perguntou três vezes à jovem se ela não iria mesmo.

 

“Eu falei: ‘Eu não vou, ela não quer deixar’. Fiquei com o coração na mão, o olho encheu de água”. 

 

Tem também histórias sobre uma apresentação em que ele não parou de cantar a noite toda e uma de suas bailarinas chegou a passar mal. Sobre o time de futebol, Portuguesa Futebol Clube, do qual ele era dono. E muito mais.

 

Veja: 

 

 

 

 

 

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