A ampla divulgação do vídeo do influenciador Felca, que denunciou esquemas de “adultização” e exploração infantil nas redes sociais, trouxe um impacto direto na conscientização pública e deve aumentar o volume de registros de ocorrência, segundo a delegada Paula Gomes, da Delegacia Especializada da Mulher, Criança e Idoso (DEMCI) de Várzea Grande.
Em entrevista exclusiva ao MidiaNews, a delegada analisou o fenômeno, detalhou os desafios no combate a esses crimes e explicou como a população deve agir para denunciar.
“Essas grandes empresas têm que ser punidas e multadas. É preciso haver uma segurança maior para abrir uma conta, com confirmação de que você é maior de idade, para evitar que crianças tenham acesso deliberado”, afirmou.
A denúncia viral do influenciador Felca sobre a adultização de menores expôs uma realidade preocupante: redes sociais lucram com o sofrimento infantil enquanto algoritmos fecham os olhos para crimes.
Para Paula, o conteúdo serviu como um alerta para muitos pais. “Eu creio que esse vídeo gerou realmente uma conscientização maior das pessoas de que o meio virtual está muito perigoso para crianças e adolescentes”, disse a delegada.
Ela destacou que, embora os crimes mais comuns investigados em sua unidade sejam estupro e importunação sexual com contato físico, as denúncias de crimes virtuais ainda são subnotificadas.
“Quando se fala no mundo virtual, não há tantas denúncias. A partir desse vídeo, desse influenciador que tem alcance nacional, eu creio que vai, sim, aumentar o número de registros de ocorrência”.
Victor Ostetti/MidiaNews
"Já tive vários casos em que solicitei dados cadastrais do Facebook e só obtive resposta dias depois"
O principal motivo para a baixa notificação, segundo ela, é a falta de monitoramento por parte das famílias. “Os pais, que são responsáveis legais pelos filhos e adolescentes, precisam ficar mais atentos com quem a criança está conversando. É necessário controlar efetivamente as redes sociais, porque muitas vezes eles também não sabem o que acontece, o que dificulta levar a situação à polícia”.
Questionada sobre a cooperação de redes sociais como Instagram e TikTok em investigações, a delegada relatou experiências mistas, mas defendeu uma ação mais rigorosa.
“Já tive vários casos em que solicitei dados cadastrais do Facebook e só obtive resposta dias depois. Porém, acredito que deve haver uma regulamentação mais rígida dessas redes sociais, porque os pedófilos estão à solta”.
Ela concordou com a sugestão, feita no vídeo de Felca, de banir termos como “link na bio” e “trade” (troca de conteúdo), comumente usados para direcionar usuários a conteúdos ilegais.
“Concordo plenamente. É muito importante que o poder público regule e tenha um olhar mais atento sobre essas redes sociais, porque os pedófilos realmente utilizam essas expressões que estão viralizando. Precisamos ficar atentos para evitar que crianças caiam nessas armadilhas virtuais”.
Sobre a eficácia atual das medidas das plataformas, a delegada foi enfática: “Acho que são ineficientes. Temos muito a melhorar”.
Perfil das vítimas e táticas dos criminosos
A delegada traçou um perfil claro das vítimas mais comuns: “Geralmente, são as mais vulneráveis”. O crime de abuso sexual infantil é mais recorrente no ambiente intrafamiliar e em condições de vulnerabilidade socioeconômica.
Ela explicou que, muitas vezes, as vítimas são crianças de famílias que “dormem num quarto só”, onde a superlotação e a falta de privacidade facilitam a ação dos abusadores. Esses criminosos frequentemente são pais, padrastos ou até avôs, pessoas próximas e de confiança da família.
Quanto ao perfil dos pedófilos, a delegada foi categórica. “Não há um padrão definido na aparência, mas na internet eles usam perfis falsos para atrair crianças e adolescentes, aproveitando-se justamente da vulnerabilidade emocional das vítimas e da ausência de vigilância dos responsáveis".
Ela alertou para a facilidade que aplicativos como Discord oferecem aos criminosos. “Estamos vendo muito o crescimento desses jogos online. Às vezes, um pedófilo usa a imagem de uma criança para chamar atenção e ludibriar aquela criança vulnerável”.
A delegada detalhou o passo a passo de uma investigação a partir de uma denúncia.
“Quando a família desconfia de algo, ela vai à delegacia registrar o boletim de ocorrência. Os pais são ouvidos, e a criança é ouvida por uma psicóloga, por meio da escuta especializada. A partir de buscas e apreensões de celulares e computadores desses agressores, encaminhamos o material para perícia técnica, para constatar a autoria. Representamos pela prisão preventiva e pela busca e apreensão, a fim de reunir elementos que comprovem que aquele autor enviou mensagens e fotos para a criança”.
Ela ressaltou que a maioria dos casos ocorre no ambiente familiar. “Atendemos muitos casos de crianças vítimas de pais, padrastos e até avôs. Esses crimes geralmente ocorrem às escondidas da família. Às vezes, são professores que notam que a criança apresenta sinais de tristeza ou depressão. Já recebemos casos em que as vítimas tentaram se cortar. Isso é um sinal de que algo está errado”.
Denúncia é o caminho
Para a delegada, a informação e a denúncia são as armas mais importantes. “O fundamental é a denúncia imediata. Ir até a delegacia especializada ou utilizar a delegacia virtual da Polícia Civil. Quanto mais rápido houver a denúncia, mais rápido poderemos reunir elementos para solicitar uma prisão”. Denúncias anônimas podem ser feitas pelo Disque 100.
Sobre o papel de influenciadores como Felca, ela afirmou que é "muito importante que os influenciadores usem esse público para o bem. Eles têm esse poder e devem realmente mostrar aos jovens a importância da prevenção, e não pensar apenas no dinheiro”.
Por fim, ao ser questionada sobre o que é mais urgente, exigir das plataformas ou do governo, a delegada defendeu atuar em ambas as frentes.
“Sim, precisamos de leis mais duras, mas também é fundamental responsabilizar essas empresas. É necessário ter cooperação mais rápida e canais ágeis para que a polícia solicite informações. Essa resposta precisa ser mais rápida para conseguirmos identificar e prevenir que o pedófilo faça novas vítimas”.
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