Cuiabá, Domingo, 5 de Outubro de 2025
BEBIDAS ADULTERADAS; VÍDEOS
05.10.2025 | 09h20 Tamanho do texto A- A+

Delegada dá dicas sobre como identificar vinhos falsificados

Empreendedora do ramo, a delegada Ana Cristina Feldner, defende aumento de pena para o crime

Victor Ostetti/MidiaNews

A empresária do ramo de vinhos, Ana Cristina Feldner, em entrevista sobre adulteração de bebidas

A empresária do ramo de vinhos, Ana Cristina Feldner, em entrevista sobre adulteração de bebidas

ANGÉLICA CALLEJAS
DA REDAÇÃO

A adulteração e a falsificação de vinhos são problemas crescentes no mercado brasileiro e têm se tornado um dos principais meios de arrecadação das organizações criminosas. A empresária do ramo de vinhos e delegada da Polícia Civil de Mato Grosso, Ana Cristina Feldner, destacou que o primeiro alerta para o consumidor deve ser o preço. Ela tem uma loja premium do setor, a Speyer Wine.

 

Não existe almoço grátis. Como imaginar que alguém vai vender um vinho famoso pela metade do preço de uma importadora oficial?

“Não existe almoço grátis. Como imaginar que alguém vai vender um vinho famoso pela metade do preço de uma importadora oficial?”, questionou. Segundo ela, no mínimo, quando um rótulo chega ao consumidor sem selo de importação ou a preços muito abaixo do mercado, já há indícios de contrabando e, na maioria das vezes, de falsificação.

 

O perigo, segundo a delegada, vai muito além do prejuízo econômico. Em operações já identificadas em outros Estados, fábricas clandestinas engarrafavam vinhos de baixa qualidade, transportados em caminhões-pipa, misturados a produtos químicos para mascarar a deterioração da bebida.

 

Entre os rótulos de vinhos mais visados pelos falsificadores estão DV Catena e Angélica Zapata, justamente por serem vinhos de grande procura e alto valor agregado. Ana Cristina explicou que, à primeira vista, é difícil identificar uma garrafa falsa, já que os criminosos copiam rótulos e cápsulas com detalhes quase imperceptíveis.

 

Porém, diferenças na impressão, na vedação e até na informação do teor alcoólico denunciam a fraude. “Só importa para o Brasil através da importadora Mistral. Isso é contratual, não tem outro. Ela é a única que tem autorização para trazer os vinhos famosos, como o DV Catena e Angélica Zapata, que são os maiores índices de falsificação”, disse.

 

A delegada ainda fez uma demonstração entre duas garrafas de vinho Angélica Zapata, e mostrou, na prática, como identificar uma falsificação. Ela também falou de aumentar as penas para quem comete adulteração de bebidas alcoólicas e outras políticas públicas que podem ajudar no combate desse crime.

 

 

Confira os principais trechos da entrevista:

 

MidiaNews - Uma pesquisa da Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares de SP (Fhoresp) mostrou que 36% das bebidas alcoólicas comercializadas no Brasil são forjadas. E 36% são vinhos e destilados. Na sua visão de empresária e também como consumidora, qual o impacto da falsificação no mercado brasileiro? 

 

Ana Cristina - Essa falsificação é grandiosa, criminosa. Hoje ela é uma das principais fontes de renda de organização criminosa. Antigamente, a organização criminosa era regida pela principal fonte de renda, o tráfico, seguida do roubo. Como o roubo teve penas mais altas, você precisa ali das armas, hoje a segunda maior fonte de renda das organizações criminosas são as falsificações. Porque eles entendem que são crimes que não tem pena, não são combatidos e a margem de lucro é altíssima. Então, realmente quando você falsifica não só a bebida como um todo, é uma atitude criminosa e você está alimentando sim uma organização criminosa.

 

Então, realmente quando você falsifica não só a bebida como um todo, é uma atitude criminosa e você está alimentando sim uma organização criminosa

MidiaNews - Quais os sinais que você orienta os consumidores a observarem para evitar cair em golpe de falsificação, no caso dos vinhos?  

 

Ana Cristina - O primeiro sinal de tudo é o preço. Não adianta. Existe ali umas questões promocionais que todo estabelecimento faz, mas é dentro de uma margem. Não existe… É o famoso “não existe almoço grátis”. De onde que você acha que você vai comprar um vinho pela metade do preço de alguém clandestino? Que não é uma loja física? No mundo dos vinhos a gente chama isso de contatinho. É sempre aquele que tem um parente que mora do lado da fronteira e ele traz e é de confiança. Sabe? É sempre ‘não. Ele é de confiança. É porque eu compro muitas caixas. Porque eu reúno a família inteira e a gente compra ali quatro, cinco caixas. E por isso que o preço cai, porque o que é caro no Brasil é o imposto’. Essa é a fala do consumidor.  

 

E aí nós vamos lá. Primeiro, existe uma importadora chamada Mistral. Ela é a única que tem autorização para trazer os vinhos famosos, vamos falar do DV Catena e Angélica Zapata, que são os maiores índices de falsificação. Então, ela tem a vinícola Catena, que faz o vinho DV Catena e o vinho Angélica Zapata. Ele só importa para o Brasil através da importadora Mistral. Isso é contratual, não tem outro. Você consegue imaginar uma importadora que a quantidade que ela importa para o Brasil inteiro, ela é a única que importa para o Brasil inteiro. Então, imagina a quantidade desse vinho. E ela importa direto da vinícola, sem nenhum outro atravessador. E ela entrega por um valor X. Como você acha que você vai comprar quatro caixas e é muito? De um atravessador!

 

Porque a vinícola só poderia, então, vender para um outro, para esse outro estar fazendo uma outra importação. E esse preço vai ser metade de alguém que está importando direto da vinícola e numa quantidade de milhares. A conta não fecha. Então, a primeira coisa que eu falo é o preço. ‘Não, mas é porque eu achei que ele tivesse uma importadora’. Se ele tivesse uma importadora, o valor do imposto seria exatamente o mesmo da outra, então vai incidir o mesmo preço. ‘Ah, não, mas é porque ele atravessa a fronteira e não paga o imposto’. Tá, então você já está admitindo que tem um contrabando.

 

No mínimo, já estamos falando de um contrabando. E eu te garanto que não é só contrabando. O contrabando deve corresponder a uma pequena porcentagem. Porque a logística de ficar atravessando a fronteira não é viável. Vai até lá na fronteira e tenta ficar atravessando todo dia com 10 caixas. Não tem como. E esse contatinho do WhatsApp, se você pedir para ele hoje 10 caixas, 20 caixas, ele tem. Então, esses [vinhos] dos contatinhos são, sim, falsificados.

 

 

MidiaNews - É possível saber pela rolha se o produto foi violado ou é de origem suspeita? Porque pelo sabor, em si, algumas substâncias que são ilegalmente adicionadas podem não alterar o sabor, certo?

 

Ana Cristina - Sim. Só que a rolha, no caso do vinho, só é tirada quando você já vai tomar, mas há alguns indícios. Os principais indícios que você vê são: preço, segundo, o seu vinho te entrega nota fiscal? De onde você comprou, te entrega nota fiscal? Se não, alguma coisa errada tem. Terceiro, o rótulo. Mais do que a rolha, você olhar o rótulo. O rótulo falsificado, ele sempre vem com erro de impressão. Você vê que tem um padrão que foge, porque o crime nunca é perfeito. Ele foge do padrão de uma vinícola, que sai tudo da gráfica. 

 

Atenção ao preço, ao local onde você compra, se esse local que você compra lhe fornece nota fiscal, e o rótulo. Além disso, o quarto é realmente a cápsula, não seria nem a rolha

Atenção, ao preço, ao local onde você compra, se esse local que você compra te fornece nota fiscal, e o rótulo. Além disso, o quarto é realmente a cápsula, não seria nem a rolha. A cápsula é aquela parte que fica por cima, que protege ali o gargalo, a rolha. Essa das vinícolas, principalmente de grandes vinícolas, ela é bem presa, bem firme na garrafa, ela não roda. Por quê? Porque é para impedir a oxigenação, porque o oxigênio estraga o vinho. 

 

E esse equipamento é muito caro. Então, a organização criminosa já não está preocupada, porque o que ela quer é lucro. Ela coloca uma cápsula qualquer, mais barato, e essa cápsula fica rodando, fica girando. Você vê que ela está solta, você vê que ela está falha. Então nessas quatro dicas, você já elimina. A sua possibilidade de eliminar um falsificado é praticamente 100%.

 

MidiaNews - Pelo sabor, é possível identificar, doutora? Porque tem muitas substâncias que são colocadas que às vezes não alteram o sabor. Como a gente pode identificar a falsificação dessa forma?  

 

Ana Cristina - No caso, por exemplo, do metanol, que foi o que nós vimos, o metanol não tem cheiro, não tem cor, ele não altera o sabor. No caso do vinho falsificado, o principal sabor que você sente é realmente do álcool. Porque o vinho é feito 100 % da uva. Tanto que na Europa ele é considerado como um alimento. Porque a única substância que é colocada ali, na maior parte, é a uva. Então, é a uva mesmo que fermenta, que faz dar o álcool. Nos falsificados, o método de produção não é esse. É adicionado o álcool.

 

E aí sim exala um cheiro, um gosto muito forte de álcool. Sabe aquele vinho que você pega e... Nossa! O primeiro aroma que você sente é álcool. Você coloca na boca o primeiro gosto que você sente é álcool e ele desce queimando. É porque isso aí é sim um produto falsificado.

 

O metanol está mais nas medidas destiladas, mas o metanol é encontrado no vinho, na cerveja, só que em pequena quantidade. E ele é de forma natural. Na própria fermentação da uva, na própria produção do álcool, ela gera um nível de metanol. Só que é um nível aceitável, autorizado, por isso que você deve ingerir de uma vinícola cadastrada, registrada acompanhada pela vigilância sanitária, que todos esses índices são medidos.

 

 

 

MidiaNews - Já houve casos de clientes que desconfiaram da autenticidade do rótulo na sua adega ou você já presenciou isso em outros lugares que foi?  

 

Lá na adega, nós já tivemos acho que duas ou três vezes, até eu peço para registrar e colocar nas redes sociais quando isso acontece. E aí a gente garante que o consumidor não pague por esse vinho. A gente abre outro

Ana Cristina - Já aconteceu. Eu falei que eu iria publicar no meu Instagram, mas eu vou entrar em contato com o restaurante primeiro. Foi um desabor muito grande chegar lá e ver o rótulo falsificado. E em um restaurante famoso. É realmente uma experiência muito desagradável. Lá na Speyer nós prezamos muito pela qualidade, pela parte técnica. A nossa equipe de sommeliers são formados, são experientes. Então, eles prezam muito pela qualidade, pela técnica do vinho. E eu, pela minha formação policial, quando eu tive a oportunidade de fazer esse investimento, foi uma das coisas na negociação que eu falei ‘olha, eu só invisto se realmente seguir todas as técnicas’.

 

Por exemplo, lá, além da garantia absoluta, 100% de toda a procedência de todos os vinhos, da procedência deles. Então, por exemplo, acontece de algum vinho oxidar, o que é normal. Não pode ser em grandes quantidades, mas acontece pela entrada do oxigênio. E lá na adega, já por umas três vezes, quando os sommeliers abrem o vinho, eles cheiram, fazem um procedimento antes do cliente para garantir realmente essa boa experiência para o cliente. E quando eles vão fazer isso, eles vão falar ‘hum, tá oxidado’. E eu digo para você, se fosse um outro restaurante, passaria. Eles não teriam esse compromisso, porque até alguns clientes têm essa experiência e já perceberam. Mas a maioria não. 

 

E aí tem aquele cheiro de álcool, um cheirinho, um gosto um pouco de vinagre, mas bem sutil. E aí ele fala ‘vamos aerar esse vinho, vamos colocar ele num decanter’. Porque sai esse principal aroma do vinho oxidado, engana o consumidor e ele toma. Lá na adega, nós já tivemos acho que duas ou três vezes, até eu peço para registrar e colocar nas redes sociais quando isso acontece. E aí a gente garante que o consumidor não pague por esse vinho. A gente abre outro. E aí guardamos e depois vamos ver o processo de ressarcimento. Mas no primeiro momento, esse prejuízo é absorvido por nós. 

 

MidiaNews - E nesse caso que você citou do restaurante que você foi, como foi resolvida a situação?  

 

Ana Cristina - Na hora eu pedi pra chamar o dono, ele não estava. Chamei o gerente, e aí o próprio gerente falou ‘ai, nem me fale. Eu já falei isso pro dono, mas ele disse que é muito mais barato, que é de confiança de uma pessoa de São Paulo que traz pra ele’. Aquela velha conversa. Mas a gente sabe que não é. Eu falei, ‘pois é, e cadê a nota?’ ‘É, não tem a nota fiscal’. Na hora, eu até fiz um stories, e já publiquei na hora, indignada. Depois eu falei, ‘não, vou dar uma chance. Eu vou apagar e vou entrar em contato com eles, com o proprietário, para ver como que vai ser tratado’. Mas se não for resolvido e se não for tirado, eu me comprometo depois a vim falar o nome do estabelecimento. Porque o consumidor, as pessoas, não podem ficar à mercê de algo assim, e a gente vê e não faz nada. 

 

 

 

MidiaNews - A falsificação afeta mais vinhos de alto valor ou também atinge rótulos de consumo diário?

 

Ana Cristina - A falsificação segue o padrão como de outros produtos. Eu até trouxe para te mostrar as duas garrafas, o falsificado e o original. A falsificação segue o padrão de falsificação de todos os itens em geral, que é o que? Objeto de desejo. Porque não adianta você falsificar algo que não tem consumo, algo que não sai. Então, tudo aquilo que todo mundo quer. Todo mundo começa a desejar, como uma marca de tênis, que é aquela marca que todo mundo quer, mas ela é cara. E aí você vem, falsifica e fornece por um terço do valor. Isso acontece no mundo dos vinhos. 

 

DV Catena, Angélica Zapata, Alma Negra e El Enemigo, esses quatro são obrigatórios ter este selo. Se eles não tiverem esse selo, no mínimo, é contrabando

Então, todos aqueles vinhos que ficam famosinhos, todo mundo começa a desejar e querer consumir. É quando a organização criminosa aproveita essa brecha. A organização criminosa não é burra. Muitas vezes, nós consumidores que fingimos também ser burro, porque se você parar e pensar, o preço já elimina. Mas aí você se auto-engana. Eu trouxe aqui o DV Catena, que é o mais famosinho, a gente chama de “vinho famosinho”. E você vê que, num primeiro momento, se você olhar, é difícil perceber que é uma falsificação. Você vê uma diferença na cor do rótulo, alguma coisinha, mas eu confesso e concordo que seria muito difícil nesse primeiro momento você identificar. 

 

DV Catena, Angélica Zapata, Alma Negra e El Enemigo, esses quatro são obrigatórios ter este selo. Se eles não tiverem esse selo, no mínimo, é contrabando. No mínimo. A não ser que você tenha ido na vinícola e adquirido. Aí não vai ter o selo, porque o selo é da importação. Esse selo está dizendo: saiu da vinícola e entrou no Brasil pelo procedimento legal, todo acompanhado, todo fiscalizado. Essa seria a primeira característica. Esse aqui no caso, ele já foi aberto, então não vai dar pra você perceber tanto. Mas essa cápsula, você vê que ela fica solta, frouxa. E a original, ela vem justinha.

 

Agora, essa diferença aqui [no rótulo], você vai ver que aí não tem como. Você está vendo que o original, ele vem todo impresso. O falsificado você vê que é um outro tipo de impressão, um outro tipo de informação e que foi colocada depois do rótulo. Isso aqui foge totalmente do padrão da vinícola. Isso aqui é falsificado. Isso não saiu da vinícola. E aí, até o teor alcoólico do vinho é diferente. Se você observar, ele traz outro teor alcoólico. Não nem uma informação correta. Não tem como dizer que não percebeu.

 

E aí você me pergunta, ‘o que que tem dentro desse falso?’ Não sabemos. Esse é o grande perigo. Tem metanol? Tem iodo? Mercúrio? O que tem? Não sabemos. Quando eu estava na abertura da delegacia de Marcas e Patentes, eu fui fazer um curso no Rio de Janeiro, depois conversando com os colegas, eram todos delegados, um contou como ele fez toda uma investigação em cima de uma fábrica clandestina de vinho. Eles [os criminosos] compravam de uma vinícola que já não tinha tanta procedência, mas era uma vinícola, e essa vinícola ela descartava os vinhos que não tinham qualidade. 

 

Eles compravam o vinho que a vinícola estava descartando, que não servia para carregar a marca dela. Eles pegavam esse vinho, carregavam em caminhão-pipa... Então, quer dizer, questão de higiene, de tudo, imagina. Um caminhão-pipa com aquelas mangueiras, e aí era levado para a fábrica clandestina e lá era engarrafado esse vinho falsificado e adicionado alguns outros produtos químicos.

 

Como nós falamos, o vinho é feito só da uva e a uva é um produto natural, portanto ela oxida, tem alteração com calor, com a luminosidade. Então, eles jogavam alguns produtos químicos para neutralizar essa depreciação. 

 

Aí eu digo, aí a gente tá aqui procurando alimentar bem, procurando fazer atividade física, estudando sobre longevidade, procurando ter qualidade de vida, ‘aí eu vou tomar uma tacinha de um vinho porque faz bem, tem flavonoide, faz bem para o coração’. E aí, você está tomando um vinho falsificado nessas condições. Quer dizer, qual a lógica?

 

 

 

MidiaNews - Na hora de escolher fornecedores, quais critérios adota para garantir a procedência e autenticidade dos vinhos?

 

Ana Cristina - Adquirir de importadoras legalizadas, nota fiscal, porque quem está fazendo coisa errada não pode emitir nota fiscal. O mercado do vinho é um nicho bem pequeno, então a gente logo sabe. A gente só procura fornecedores, por exemplo, através de feiras. Agora, por exemplo, está acontecendo em São Paulo a Pro Wine, que é a maior feira da América Latina de vinhos. E sempre que a gente vai lá e procura fornecedores novos, porque já existe uma super vigilância para quem está lá. É uma feira de vinhos que começa na Alemanha. A feira passa por vários países do mundo, e aqui no Brasil ela acontece em São Paulo, uma vez por ano. E ela é só para os profissionais. Ela não é uma feira aberta ao público. Então, ali você já sabe da procedência. 

 

MidiaNews - E como que esse tipo de crime de adulteração e bebida repercute na confiança do cliente final? Você acredita que vai ser fácil reverter esse cenário negativo que está sendo criado?

 

Se você está na linha de acreditar que é só o contrabando, que só não pagou imposto, quando você adquire o seu vinho famosinho pela metade do preço, você também pode estar cometendo um crime de receptação

Ana Cristina - A primeira coisa que precisa ter é a conscientização. O consumidor precisa se conscientizar. Em vários setores ele é conscientizado, por exemplo, um celular da maçã, para não falar um nome, existe um valor X de mercado. “Ah, vou comprar na internet porque eu achei ele por um terço do valor’. Quando você faz isso, você já sabe que ele é falsificado, que ele vai te dar problema, que ele vai travar, que ele vai esquentar, se ele chegar. Se ele chegar. Então, isso todo mundo já sabe. Agora, eu noto que há essa falta de conscientização no mundo do vinho. Você vê pessoas assim que já não não adquire mais o aparelho celular dessa forma porque ele sabe que vai ser um produto de falsificação ou de receptação, mas no vinho ele ainda acredita que é original, que a culpa é do imposto que deixa caro. Então, para a gente reverter é o que vocês estão fazendo, por isso que eu parabenizo novamente. Pela cultura, pela divulgação da informação de que não existe almoço grátis. 

 

Nós apresentamos vinhos do leste europeu, diferentes, que a gente oferece na consultoria.  E aí depois essa pessoa vai lá pesquisar no Google para ver se acha esse vinho que foi indicado mais barato. Aí ele acha, printa e me manda. ‘Olha aqui, eu achei por esse preço’.  Aí com toda paciência a gente explica. Primeiro, você vai receber esse vinho? Segundo, vamos considerar que você receba. Se você receber, você sabe a procedência desse vinho? Será que ele é mesmo original? Terceiro, se você receber, se ele for original, qual foi o método de transporte dele? Lembrando que é um alimento vivo. Então, ele ser carregado de qualquer forma, armazenado de qualquer forma, deprecia. 

 

Na adega, por exemplo, nós não temos um estoque muito grande. Por quê? Porque o nosso estoque é climatizado. Tudo isso tem um custo. Então, esse que fica jogado num galpão qualquer, com incidência de raio de sol, produz substância tóxica, ainda que seu vinho fosse original. Se ele for mal armazenado e mal transportado, ele vai desenvolver substância, assim como um alimento. As pessoas estão ligando o vinho muito mais a um status de dizer que tomou um determinado rótulo do que ter a consciência de que ele é um alimento, de que é algo que você está colocando dentro do seu organismo.

 

MidiaNews - O que poderia ser feito em nível de mercado para reduzir a circulação de vinhos falsificados?

 

Ana Cristina - Fiscalização. Entra toda uma questão, uma parte pública, com maiores fiscalizações. Igual esse restaurante mesmo que eu fui, que não é um restaurante clandestino, é um grande restaurante. Então, mais fiscalizações por parte do poder público, mais ação de orientação e também de repressão para os comerciantes. E mais informações para o consumidor. Também lembrar para o consumidor de que ele comprar esse vinho falsificado, ou que ele acha que é produto só de um contrabando, ele já está cometendo crime, que é o crime da receptação adquirir produtos vindo de um crime anterior.

 

Se você está na linha de acreditar que é só o contrabando, que só não pagou imposto, quando você adquire o seu vinho famosinho pela metade do preço, você também pode estar cometendo um crime de receptação. ‘Ah não, é porque ela tem uma importadora e ela vende na casa dela’. Se ela tivesse uma importadora, não montaria na casa dela. Ela estaria distribuindo nas lojas, ou ela teria uma loja. Essas pessoas também praticam, além do crime de falsificação e etc, o da receptação qualificada, que é estar fazendo o comércio ainda que em residência. E não são penas tão leves. A receptação para o consumidor final, é pena de um a quatro anos de reclusão, enquanto para qualificada é de três a oito anos de reclusão.

 

MidiaNews - No caso do restaurante, você decidiu lidar com isso diretamente com o dono, mas caso um consumidor se depare com uma situação dessa, ele poderia acionar o Procon ou outro órgão?

 

Ana Cristina -  Com certeza. Com certeza ele deveria acionar o Procon ou mesmo a Polícia Judiciária Civil ou mesmo a Polícia Militar. Mas com certeza a orientação é mesmo a de que faça essa denúncia.

 

 

 

MidiaNews - Está correndo na Câmara dos Deputados uma proposta que torna a adulteração de bebidas um crime hediondo, enquanto na Assembleia Legislativa, há um projeto que propõe multar em até R$ 5 milhões para quem adultere bebidas. É algo que a você defende? Acredita que seja uma medida proporcional?

 

Ana Cristina - Existe coisa que às vezes é para ser política. Eu sou a favor, sim, de que se torne um crime hediondo. Eu sou a favor, sim, de que se endureçam as leis. Porque precisa ter realmente esse combate. Todos os crimes que coloquem em risco a saúde humana ou a vida humana, eu sou absolutamente a favor que sejam endurecidas as leis. Quando eu estou dizendo saúde, é também saúde psicológica, que não entra aqui nesse caso de falsificação, mas se for crime que coloca em risco a saúde mental de uma pessoa, eu também sou a favor de que tenham leis mais duras.  

 

Segundo o anuário da Associação Brasileira de Combate à Falsificação, para você ter uma ideia, nos oito primeiros meses de 2024, foram apreendidas 185 mil garrafas clandestinas. Isso equivale a uma garrafa a cada dois minutos

Porque o que mais gera a criminalidade é a sensação de impunidade. A questão é que tem que ser feita de uma forma onde você realmente vai conseguir punir. Você nunca acha quem está fazendo. Você chega lá, era só um funcionário, esse funcionário é contratado por não sei quem, e fica por isso mesmo. E se torna uma medida absolutamente inócua. Eu acredito, sim, que deve haver penas gradativas e essas mais duras e mais severas para o mandante, para o cabeça da organização criminosa.

 

“Ah não, ele era só um funcionário, coitadinho, que tava ali na fábrica clandestina’. Não. Ele também merece ser punido, porque ele também está contribuindo para todo o desenvolvimento dessa cadeia criminosa. Porque se ele não tivesse lá também envasando, esse produto não saía. Então, punir na medida da sua culpabilidade, mas deve haver crime para todos os envolvidos. Claro que, para quem está ali envasando, não seria a mesma pena ou o mesmo crime, mas eu defendo que tem que ter sim leis endurecidas.

 

MidiaNews - E você defende a reabertura da delegacia de Marcas e Patentes para dar mais foco nesse tipo de crime?

 

Ana Cristina - Tudo que é para fortalecer, a gente defende. Na época que eu estava à frente, nós fizemos uma apreensão de uísques falsificados. E aí o que é muito interessante até a gente trazer, a organização criminosa não produz a garrafa. Ela falsifica o produto dentro, o líquido, o rótulo, mas a garrafa não. Então, é muito interessante trazer para o poder público algo sobre o descarte dessas garrafas. Como investidora, eu procurei, porque eu não queria descartar essas garrafas no meio ambiente, mas não há nenhuma reciclagem de vidro aqui no estado de Mato Grosso. Não há um descarte para esses vidros.

 

Quando eu fiz essa investigação, nós descobrimos que as garrafas eram fornecidas pelos garçons de grandes "buffet", grandes festas, onde eram servidos os uísques. E aí ficava a garrafa, o dono da festa não vai buscar uma garrafa vazia, e esses garçons pegavam e vendiam para esse grupo criminoso. Então, se houver o descarte correto das garrafas, a organização criminosa já fica sem um insumo, fica mais difícil, porque ele vai ter que produzir uma garrafa. Começa a complicar um pouco mais. E que também o meio ambiente agradece e que também uma reciclagem pode até gerar renda. Eu até trago aqui para empresários também de repente essa ideia de fazer esse investimento nessa área de reciclagem de vidro aqui no estado do Mato Grosso.

 

Segundo o anuário da Associação Brasileira de Combate à Falsificação, para você ter uma ideia, nos oito primeiros meses de 2024, foram apreendidas 185 mil garrafas clandestinas. Isso equivale a uma garrafa a cada dois minutos. Isso porque nós estamos dizendo que não há fiscalização. Isso porque nós estamos acabando de citar que, até em grandes restaurantes, há presença dessas bebidas. Não há um combate eficaz. Mesmo se há um combate eficaz, ainda é esse número. Então você consegue imaginar a quantidade realmente existente por trás disso tudo? É algo alarmante. 

 

E outra questão também para vocês terem uma ideia, segundo a própria Associação Brasileira de Combate à Falsificação, o número de fábricas clandestinas mapeadas, fechadas pulou de 2020 para 2024, de 12 fábricas para 80 fábricas clandestinas de bebidas.  Eu acredito que agora esse ano de 2025 vai saltar muito mais. Porque com essas mortes, com isso que aconteceu, agora você vê que está uma intensificação maior na fiscalização. 

 

Você vai ver que realmente esse número de fábricas clandestinas, de apreensão de garrafas, vai ter sido um aumento alarmante. No caso dessas bebidas, houve muito mais mortes, porque começou também ali com os aguardentes, com as bebidas mais baratas. E a morte dessas pessoas não gera impacto, não traz imprensa, não traz impacto. E fica aquela coisa de que ‘ah não, já estava doente, ele já era um alcoólatra’. Não se associa. Precisou acontecer num bairro nobre para que haja realmente esse avivamento para esse assunto que é tão importante. Foram muito mais pessoas que já morreram e que já estão manchadas e tiveram danificadas a sua saúde em razão dessas bebidas falsificadas.

 

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