Cuiabá, Sexta-Feira, 10 de Outubro de 2025
"PORTUGUÊS PANTANEIRO"
24.03.2024 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

Idoso morto por policial construiu prédio em Cuiabá e criticava MST

João Pinto se mudou para MT na década de 60 e foi um ambientalista e pecuarista militante

Arquivo pessoal

À esquerda foto de quando João Pinto era ainda um rapaz; ao lado, ele com 86 anos

À esquerda foto de quando João Pinto era ainda um rapaz; ao lado, ele com 86 anos

LIZ BRUNETTO
DA REDAÇÃO

O nome de João Antônio Pinto, de 87 anos, ganhou as manchetes dos jornais nas últimas semanas, após ter sido morto a tiros por um policial civil, no dia 23 de fevereiro, em Cuiabá. O que poucos sabem, no entanto, é a história de pioneirismo por trás dessa trágica morte. 

Meu pai era uma pessoa honesta, batalhadora, visionária e não merecia morrer do jeito que morreu

 

João era português e criou raízes em Cuiabá ao chegar no Brasil com a família aos 16 anos, na década de 50. Pai, mãe e dez irmãos desembarcaram em São Paulo e lá recomeçaram a vida. 

 

A filha de João, Gysela Maria Ribeiro Pinto, de 62 anos, conta com orgulho a trajetória do pai que, com apenas o segundo ano do primário, feito ainda em Portugal, começou fazendo faxinas em uma loja de autopeças e se tornou representante da empresa pelo Brasil. 

 

“Ele fazia limpeza e aprendeu tudo que tinha para aprender, onde ficavam as peças, quais eram e para que serviam. Quando apareceu uma oportunidade, passou a trabalhar como vendedor. Depois, virou representante pelo Brasil”, disse Gysela ao MidiaNews

 

Foi em uma dessas viagens, com destino a Mato Grosso, que João Pinto conheceu a parceira de vida, com quem ficou casado por 64 anos. A mineira Adir Ribeiro, hoje com 89 anos, morava em Cuiabá e trabalhava na Assembleia Legislativa. 

 

Os dois se apaixonaram, se casaram e em 1960 João Pinto veio de vez para a Capital. Com um olhar à frente do seu tempo, ele construiu uma história de pioneirismo e aos poucos formou o patrimônio. 

 

O primeiro empreendimento dele, montado junto com a esposa, foi uma loja de autopeças, a “Brecauto”. O primeiro ponto foi na Avenida Joaquim Murtinho, depois mudou-se para Avenida Isaac Póvoas e, por último, na 13 de Junho. 

 

“Nesse meio tempo, enquanto meu pai juntava dinheiro, moramos com a minha avó. Ele conseguiu adquirir algumas terras, na época era muito fácil adquirir terra aqui, era quase de graça”, relembrou a filha. 

Arquivo pessoal

João Antônio Pinto

João ao lado da esposa, Adir, com quem foi casado por 64 anos

 

Nesse período, João Pinto resolveu entrar no ramo da construção e deu ao primeiro condomínio vertical da Capital o nome de sua cidade natal, o Edifício Marzagão. 

 

“É um edifício bem antigo, um dos primeiros aqui da cidade. Para falar a verdade, foi o primeiro condomínio registrado de Cuiabá, não foi o primeiro, porque já tinha o prédio da Prefeitura e o Maria Joaquina”. 

 

Gysela se recorda dos tempos difíceis daquela época. “Quando saímos da casa da minha avó, conseguimos comprar uma casa, mas ele teve que vender para comprar o elevador para o prédio. Conquistou as coisas com muita batalha”,disse. 

 

Chácara do Contorno Leste 

 

Conforme as escrituras cuidadosamente guardadas pela família, foi em 1968 que João Pinto adquiriu a chácara no Contorno Leste. A área começou a ser invadida em 28 de janeiro de 2023 e a família registrou diversos boletins de ocorrência denunciando o caso. 

 

No dia em que foi morto, o idoso passou pela propriedade antes de voltar para casa para festejar o aniversário da esposa. No caminho, teria se desentendido com um possível invasor, identificado como Elmar Soares Inácio. 

 

Segundo a defesa da família, o policial civil que matou João Pinto, Jeovanio Vidal Griebel, é cunhado de Elmar. O suposto invasor teria ligado para o policial que apareceu com três viaturas descaracterizadas na propriedade da vítima. Em seguida, a tragédia aconteceu. 

 

A família morou por anos na propriedade, que depois se tornou a sede de outras áreas adquiridas pelo pioneiro no Pantanal. 

 

“Moramos por anos lá e meu pai começou a mexer com gado, tivemos plantação de hortaliças e uma leitaria junto com um tio. Meu pai gostou de mexer com gado e aos poucos foi comprando muitas áreas lá no Pantanal”, disse.

 

Imparável 

 

Gysela contou, ainda, que quando fez 39 anos, o pai sofreu uma estafa mental e precisou ficar afastado do trabalho por cerca de dois anos. “O médico falou que ou ele parava ou morria. Meu pai perdeu 30 quilos que nunca mais recuperou”. 

 

Nessa época, João Pinto fez curso de piloto para perder o medo de avião, aprendeu a tocar violão e fez karatê. “Meu pai era uma figura”, disse ela.

 

Na chácara do Contorno Leste, montou um hangar onde ele mesmo realizava os reparos de aeronaves. 

Arquivo pessoal

João Antônio Pinto

João Antônio Pinto, de 87 anos, chegou em Mato Grosso na década de 60

 

“Ele era um pai extremamente protetor, meio durão, mas muito amoroso. Sempre que a gente precisava, ele se virava do avesso para ajudar, não só com a gente, mas com os irmãos e sobrinhos também”, afirmou.

 

Segundo Gysela, apesar de ter somente o segundo ano do primário, o pai sabia discutir até com a advogado. “Ele lia muito, falava de leis... A diversão dele, além de mexer com fazenda e o gado, era ler. Foi sempre muito engajado com política e ambientalismo”, disse. 

 

“Depois que adquiriu fazendas no Pantanal, viu a pesca predatória e pagava do próprio bolso para fiscalizar a área e até fundou uma entidade ambientalista”. 

 

“Meu pai era uma pessoa honesta, batalhadora, visionária e não merecia morrer do jeito que morreu”, afirmou a filha.

 

Ambientalista 

 

João Pinto foi um dos fundadores da Sociedade Ambientalista de Defesa do Pantanal (Sadep). Desde 1993, ele deu entrevistas em diversos veículos de comunicação e a família guarda com orgulho os registros dessas contribuições (veja fotos abaixo).

 

Em uma matéria publicada no Diário de Cuiabá, em 1993, intitulada “Entidade criada por segmentos diversos da sociedade quer proteger o Pantanal”, João Pinto declarou luta contra o turismo e a pesca predatória. 

 

Em 14 de abril de 1996, à Folha do Estado, ele propôs uma mudança no Conselho Estadual do Meio Ambiente. Na matéria intitulada “Ecologista critica Conselho do Setor”, João Pinto disse: “Queremos um trabalho misto de fiscalização. Evita suborno e corrupção”. 

 

Em outra matéria, de 20 de agosto de 2001, ele foi descrito como “um dos mais tradicionais pantaneiros do Estado” e um “pecuarista militante”. Na matéria, ele posa ao lado da uma aeronave dele (Helio Super Courier). 

 

“Ecologista tenaz, aos 68 anos, ele desfruta de uma saúde típica de qualquer jovem de 30 anos, anda a pé, sobe/desce escadas de prédios, conserta e dirige carros/caminhões/tratores”, diz trecho da mesma matéria. 

 

Ele publicou também um artigo em duas partes no Jornal A Gazeta, intitulado “Vergonha de ser honesto”, em que falou sobre a inversão de valores e a falta de ética e moral. 

 

“No Brasil e em Mato Grosso, estamos assistindo a uma terrível inversão de valores por parte dos chamados ‘sem-terra’. Eles ignoram o direito natural e sagrado daqueles que possuem suas propriedades e delas dependem para sobreviver, pagar seus funcionários, fornecedores e tributos”, disse João. 

 

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2 Comentário(s).

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Erkulis   24.03.24 12h10
Eu conheci o sr João pinto Um homem de honra conhecimento tinha muito para ensinar e gostava muito de ensinar eu um mero trabalhador sempre me tratou igual a todos uma pessoa muito boa Foi covardia o que foi feito com ele.
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Antonio   24.03.24 11h56
Essas pessoas que empreendem são tratados as vezes como malfeitores e não recebem o valor devido. Só resta o consolo dos bons momentos vividos com os familiares e os bons exemplos. Que a justiça seja feita.
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