Cuiabá, Quinta-Feira, 14 de Agosto de 2025
ANIVERSÁRIO
08.04.2017 | 08h20 Tamanho do texto A- A+

Lugar onde cidade "nasceu" tem sua história pouco preservada

Foi no Arraial da Forquilha que Pascoal Moreira Cabral assinou ata de fundação da Capital

Marcus Mesquita/MidiaNews

A Igreja de Nossa de Senhora da Penha de França, no Arraial da Forquilha

A Igreja de Nossa de Senhora da Penha de França, no Arraial da Forquilha

LAURA NABUCO
DA REDAÇÃO

Sábado, 8 de abril. Cuiabá completa 298 anos de fundação e, na comunidade onde a cidade nasceu, é só mais um fim se semana como outro qualquer. Os restaurantes à beira do rio até recebem alguns clientes a mais, levados pelo feriado municipal, mas nenhum vestígio de festa ou comemoração específica é visto.

 

No Arraial da Forquilha, onde a história conta que o bandeirante Pascoal Moreira Cabral assinou a ata de fundação de Cuiabá, os sinais da importante data são menores ainda. No campo de futebol onde o único lazer dos moradores acontece, há somente os preparativos para o bingo de domingo, que nada tem a ver com o aniversário da Capital.

 

O sentimento daqueles que ali moram é de esquecimento de uma parte importante e ainda viva da história de Mato Grosso. “Festa, assim, de comemoração do aniversário de Cuiabá, que eu lembro, foi uma ou duas que teve. Mas eu acho que todo ano deveria ter, né? Se Cuiabá nasceu daqui para lá, a primeira festa tinha que ser sempre aqui no Coxipó do Ouro”, avalia Delson dos Santos.

Festa, assim, de comemoração do aniversário de Cuiabá, que eu lembro, foi uma ou duas que teve. Mas eu acho que todo ano deveria ter, né?

 

Aos 65 anos, dos quais 55 vividos no distrito, o comerciante de botijões de gás afirma que a Prefeitura e o Governo do Estado até já fizeram alguns eventos no local, em anos anteriores. A principal lembrança é de uma caminhada ecológica de aproximadamente 10 km que, segundo ele, já não ocorre há pelo menos três aniversários.

 

Neste, o penúltimo antes do tri-centenário da Capital, a afirmação entre os moradores visitados pela reportagem do MidiaNews – que esteve no local na última quarta-feira (5) – é de que a data passaria “em branco”. Até onde todos sabiam, o distrito não havia sido incluído no cronograma de comemorações.

 

A falta de preservação da história do local faz com que até entre os próprios moradores a informação de que Cuiabá nasceu ali seja esquecida. É o que afirma Edson Miranda de Oliveira, 40 anos, responsável pelo time de futebol Santa Cruz, tradicional do Arraial da Forquilha.

 

“São poucas pessoas que sabem disso. A maioria não sabe. Falta bastante apoio dos governantes nesse sentido. O lugar é histórico e é esquecido”, diz.   

 

Da fundação ao abandono

 

De acordo com historiadores, Pascoal Moreira Cabral descobriu ouro nas proximidades de onde hoje se encontra o distrito do Coxipó do Ouro, mais especificamente no Arraial da Forquilha.

 

Ali ele assinou a ata da fundação da cidade para garantir os direitos pela descoberta à Capitania de São Paulo. A quantidade de ouro, no entanto, logo se mostrou menor do que a esperada, o que fez com que o povoado fosse abandonado por parte da população. Sobretudo quando foram descobertas as lavras do Sutil, em Cuiabá, o que acabou atraindo grande parte da população do antigo arraial.

 

Nos dias atuais, a falta de emprego é o que motiva a saída de jovens da localidade. Levi Minezes, 30 anos, é um exemplo disso. Hoje funcionário da Prefeitura de Cuiabá, ele trabalha na limpeza e manutenção dos locais públicos do distrito. Mas nem sempre foi assim.

 

Filho de moradores do Coxipó do Ouro, ele diz que já passou 10 anos longe do distrito para trabalhar. “Voltei porque a vida em outras cidades é mais difícil. Aqui tenho a casa dos meus pais e quase não preciso comprar nada. O custo de vida é bem mais baixo, porque só se gasta com comida”, conta, admitindo desejar novas oportunidades.

 

O mesmo caminho foi seguido pelos filhos de Benedito Neves de Freitas, 69 anos. Filho, neto e bisneto de moradores do Arraial da Forquilha, o aposentado vê somente uma neta se manter no local onde cresceu toda a família.

 

Aos 15 anos, de acordo com Benedito, ela gosta de morar no distrito. O caminho mais lógico, no entanto, é seguir para Cuiabá para estudar. “Já teve uma faculdade aqui, mas eles foram embora porque não tinha alunos o suficiente. Acho que não rendeu como eles esperavam”, conta Levi.

 

Veja o vídeo:

 

 

Estrutura precária

 

Quem chega ao distrito do Coxipó do Ouro até tem uma boa impressão do local. A praça principal, onde está a Igreja Nossa Senhora da Penha de França e a única escola da localidade – que leva o mesmo nome –, é bem preservada, embora não haja qualquer monumento com referência ao fato histórico.

 

O problema é chegar até lá. Da rodovia Emanuel Pinheiro, que liga Cuiabá a Chapada dos Guimarães, até a única rua asfaltada do distrito são aproximadamente 10 km de estrada de chão. Para Benedito, a falta de infraestrutura afasta possíveis turistas.

 

“A turma vem mais para o Coxipó do Ouro, mas essa nossa estrada também evita de vir. Se você comparar, Chapada tem muito turismo. Mas até lá tem asfalto”, lamenta, afirmando que a dificuldade de acesso provoca também problemas de segurança. “Até a polícia conseguir chegar aqui, os bandidos já foram embora faz tempo”, diz, pontuando que os assaltos têm crescido na região.

 

Segundo o presidente da Associação dos Moradores do Coxipó do Ouro, Antônio Vergílio da Silva, o Governo do Estado tinha previsão de anunciar a pavimentação da estrada no aniversário da Capital, neste ano. O projeto, no entanto, ainda não teria ficado pronto.

 

Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria Adjunta de Turismo afirmou haver um projeto, ainda em fase embrionária, para movimentar a visitação à região. Já quanto ao asfalto, a reportagem não obteve resposta do governo até o fechamento desta edição.

 

Na avaliação do presidente da associação, realmente é necessário fazer mais que somente o asfalto. Segundo Antônio, a clientela dos restaurantes que já existem no distrito encontra dificuldades de acesso a estacionamentos e pontos de assistência básicos, como banheiros públicos.

 

Coxipó do Ouro

Morador da região do Coxipó do Ouro, onde Cuiabá foi fundada

 

“Temos que ter também um plano de manejo. Estamos falando da margem de um rio. Deveria ser mais preservado. Além disso, não temos estrutura para oferecer um bom estacionamento para os turistas e coisas básicas, como banheiros públicos. E as pessoas que visitam não têm muita noção de que se trata de um local histórico. Precisamos inserir o Coxipó do Ouro na rota do turismo de Mato Grosso”, defende.

 

Futebol como atrativo

 

Apesar das dificuldades, o Arraial da Forquilha recebe quase todos os fins de semana dezenas de pessoas para o já tradicional campeonato de futebol, que tem os times Santa Cruz (natural do Arrial) e Neftaly Futebol Clube (do Coxipó do Ouro) como as principais atrações. A organização fica por conta de Edson Miranda, “presidente” do Santa Cruz há 20 anos.

 

“É muito difícil ficar um fim de semana sem jogo. Eu faço o torneio, quando dá uns 30 a 40 times. Em julho a gente começa o campeonato. Todo final de semana são três jogos no sábado à tarde, três no domingo de manhã e uns quatro à tarde. [Entre o Santa Cruz e o Neftaly] sempre teve essa rivalidade, porque são comunidades vizinhas. Nenhum time quer perder para o outro. Mas sempre foi a gente que ganhou”, conta, em tom descontraído.

 

Além de ser o único lazer da comunidade, o futebol também movimenta a economia local, de acordo com ele. “É o ganha-pão de algumas famílias também. Eu mesmo tenho um bar. Tem um pessoal que vende pastel, caldo de cana, bolo de arroz. Todo mundo aproveita esse movimento [do campeonato] para fazer isso: ganhar alguma coisinha para sustentar a família”.

 

No final de semana em que se comemora o aniversário de Cuiabá, é mais uma vez a disputa entre Santa Cruz e Neftaly o motivo da festa no Coxipó do Ouro. Edson planeja realizar um bingo neste domingo (9) para arrecadar fundos para o campeonato que se inicia em julho.

 

Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).

GALERIA DE FOTOS
Marcus Mesquita Imagens

Coxipó do Ouro

Marcus Mesquita Imagens

Coxipó do Ouro

Marcus Mesquita Imagens

Coxipó do Ouro

Marcus Mesquita Imagens

Coxipó do Ouro

Marcus Mesquita Imagens

Coxipó do Ouro

Marcus Mesquita Imagens

Coxipó do Ouro

Marcus Mesquita Imagens

Coxipó do Ouro

Marcus Mesquita Imagens

Coxipó do Ouro

Marcus Mesquita Imagens

Coxipó do Ouro

Marcus Mesquita Imagens

Coxipó do Ouro

Marcus Mesquita Imagens

Coxipó do Ouro

Marcus Mesquita Imagens

Coxipó do Ouro

Marcus Mesquita Imagens

Coxipó do Ouro




Clique aqui e faça seu comentário


COMENTÁRIOS
3 Comentário(s).

COMENTE
Nome:
E-Mail:
Dados opcionais:
Comentário:
Marque "Não sou um robô:"
ATENÇÃO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. Comentários ofensivos, que violem a lei ou o direito de terceiros, serão vetados pelo moderador.

FECHAR

Roberto Lima  09.04.17 11h42
Que pena... o Arraial da Forquilha, hoje, nosso Coxipó do Ouro, merece ser visto com o devido respeito às nossas origens históricas e àquela gente humilde de lá vive! Parabéns pela matéria.
6
0
Adriano  09.04.17 02h24
Parabéns pela reportagem.
4
0
Marta Azevedo  08.04.17 12h39
Ótima reportagem q resgata a historia e mostra a falta de valorizaçao das autoridades e da sociedade, parabens!!
73
2