O grande número de notícias de mortes por mal súbito tem alarmado a população e levantado debates sobre o que pode estar ocorrendo para o aumento desse fenômeno. Segundo o médico cardiologista Max Lima, especialista na área pelo Instituto Dante Pazzanese (SP), houve um crescimento de 49% nos últimos 20 anos nesse tipo de morte.

O médico elencou que a principal causa é o infarto decorrente de obstrução da circulação sanguínea decorrente de placa de gordura nas artérias.
Max ainda afirmou que o ataque cardíaco afeta de maneira diferente homens e mulheres, assim como muda também de acordo com a idade e comorbidades da pessoa.
Estudos apontam, de acordo com ele, que mulheres podem sofrer infarto sem sentir dor nenhuma, ou com sintomas como azia, falta de ar e cansaço. Já os homens têm a chamada "dor típica", que se manifesta com forte intensidade, iniciando no peito e irradiando para o braço esquerdo, pescoço e mandíbula.
"A mulher tem manifestações diferentes por causas hormonais, por tamanho de coronária, e a mulher acaba sendo subtratada. Homens têm sintomas que a gente chama de mais típico. [...] As mulheres idosas e diabéticas podem ter infarto sem dor, sem sentir nada. Vai no cardiologista, descobre que infartou e nem sabe quando", disse.
Além desse assunto, o médico também abordou o impacto no coração por ingestão de alimentos energéticos, sono, estresse, exercício físico e prevenção de doenças cardíacas, principalmente por meio da alimentação.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews - Ultimamente tem sido noticiado muitos casos de mal súbito entre jovens, adultos, idosos, mulheres e homens. O que exatamente caracteriza o mal súbito? Quais são as principais causas?
Max Lima - O que o leigo chama de mal súbito, medicamente falando, é a morte não anunciada. Ou seja, quando tenho uma parada cardíaca não ressuscitada. Isso é um mal súbito. E esse aumento que a população vem vivendo, a pergunta que uso no consultório todos os dias, mas aumentou mesmo? Ou só porque agora a gente noticia mais? A ciência também foi pesquisar isso e, realmente, nos últimos anos, as mortes súbitas aumentaram por diversos motivos. Vai depender da categoria, idade, do sexo.
Porque o que a gente chama de jovem para a gente é abaixo de 30 anos. E jovem para quem? Eu me considero jovem, tenho 45, mas já entro em outro tipo de estratificação de risco, mas sim, aumentou. Uma análise da principal revista americana analisou que, nos últimos 20 anos, houve um aumento de 49% de morte súbita. E a principal causa é as doenças do coração. Principalmente a doença de obstrução de placa de gordura nas artérias, ou seja, um infarto.
MidiaNews - E quais sinais o corpo pode dar antes de ter um problema cardíaco?
Max Lima - Os sinais clássicos são dor no peito, principalmente aquela dor em aperto do lado esquerdo, como se alguém estivesse pisando no seu peito. Ou seja, opressiva, de forte intensidade, que geralmente começa no esforço, melhora em repouso. E tem a característica, essa é a dor típica, que vai para o braço. Ela irradia para o braço, o pescoço ou para mandíbula. Essa é a dor típica.
Outro sintoma muito característico é a falta de ar. "Doutor, antes eu subia, no meu trabalho, quatro lances de escada e não ficava cansado. Agora, tenho que subir dois e parar no meio da escada". Outros sintomas: palpitação, batedeira, desmaio, tontura ao levantar. Esses são os típicos sintomas de que coração está te dando algum sinal que não está legal.
MidiaNews - E quais fatores de risco pode predispor uma pessoa saudável até essa ocorrência de mal súbito?
Max Lima - A gente tem os fatores de risco, que a gente chama de modificáveis, em que tenho total interferência, e os não modificáveis. O que eu não modifico? Se eu sou homem, e se eu sou mulher. Não troco meu sexo. As mulheres têm maior proteção do coração enquanto elas menstruam. Parou de menstruar, tem maior risco, ou pelo menos igual ao homem de ter doença do coração. Mas isso eu não mudo. A idade não mudo. Quanto mais velho fico, maior a chance de doença do coração do tipo placa de gordura.
O que são os fatores modificáveis? Meu peso, a obesidade, que é uma epidemia, aumenta os riscos do coração. A pressão alta, o diabetes, o colesterol, o sedentarismo e o tabagismo são fatores modificáveis.Ou seja, tenho força de ação sobre eles.

MidiaNews - E existe alguma comprovação, algum estudo, que relacione as vacinas da Covid com os casos de mal súbito?
Max Lima - Respondo ainda hoje no consultório sobre isso. Não. Não existe essa relação. Existe a relação que algumas vacinas, uma específica. Teve três casos de comprometimento do músculo do coração, sendo que apenas um ficou na UTI, de dez milhões de pessoas que tomaram essa vacina. Então, infarto pela vacina a gente não tem comprovação. Inclusive, hoje respondi se [o paciente] poderia tomar a vacina da gripe. Se a vacina da gripe dava infarto, porque ouviu falar que a do Covid dava.
O que a gente notou, isso é real, na pandemia houve um aumento das doenças de mal súbito. São duas as causas: as pessoas que tinham sintomas [do infarto] estavam com medo de ir a hospital, e o próprio Covid em si gera tanta inflamação que aumentou o número de infartos.
MidiaNews - E como que dá para diferenciar um evento cardíaco espontâneo de um causado por condições pré-existentes no paciente?
Max Lima - Quando tenho na minha família histórico familiar, é um fator muito importante que a gente tem que sempre perguntar e sempre ficar atento. "Doutor, estou vindo aqui porque tenho um irmão que infartou aos 45. Meu pai operou o coração com 50. Você acha que devo me preocupar?" Sim. O que é isso? História familiar de doença precoce. E quanto mais jovem for, mais agressiva é a história familiar. Provavelmente, aquela família tem uma genética desfavorável para formar placa de gordura.
Tenho um caso muito interessante de consultório, que era um cliente de 41, foi para pedir um laudo, porque iria correr a meia maratona do Rio de Janeiro pela primeira vez. Conversando e tal. "Tem algum problema?" "Não, doutor. Corro bem, treino já há mais de um ano". "Não tem doença?" "Não". "E na sua família?" "É, pensando bem, na minha família, meu irmão acabou de colocar o stent". Resumindo, tinham três homens de primeiro grau com história. Pedi um exame para ele, e tinha três placas de 90%. E ele corria todos os dias, e não sentia nada. E isso é possível.
Posso fazer todos os exames e mesmo assim infartar? Pode. Porque é mais complexo do que a gente acha. Mas o que a gente sabe que faz diferença e diminui o risco, é ser saudável. Simples assim.
MidiaNews - Existe alguma diferença nos sintomas do infarto entre os homens e as mulheres?
Max Lima - Tem. Isso é muito bem estudado. As mulheres são até subtratadas em relação aos homens, porque, na mulher, pode se manifestar sem dor. Ser só uma falta de ar, só um desconforto gástrico, uma azia, cansaço ao fazer um trabalho de casa. Às vezes, ela vai ao pronto atendimento com só uma dor no braço esquerdo.
A mulher tem manifestações diferentes por causas hormonais, por tamanho de coronária e a mulher acaba sendo subtratada. Homens têm sintomas que a gente chama de mais típico. Lembra a dor que falei lá no começo? Os homens tendem a ter mais essa dor. As mulheres idosas e diabéticas podem ter infarto sem dor, sem sentir nada. Vai no cardiologista, descobre que infartou e nem sabe quando.
MidiaNews - Então, das mulheres seria mais leve?

Max Lima - Não. Das mulheres é diferente, não leve. Não é que ela tem uma dor mais leve, às vezes, ela nem tem dor.
MidiaNews - E qual a explicação para isso?
Max Lima - Tem várias explicações, mas passa pela parte hormonal, por tamanho das artérias que irrigam o coração, que são as coronárias, por questões de nervação do homem e da mulher, que são diferentes. Então, você, mulher idosa e diabética, fique atenta à falta de ar, azia, cansaço estranho e procure o seu cardiologista.
MidiaNews - Como que a prática de atividade física intensa pode apartar na saúde do coração?
Max Lima - Atleta, ou seja, esporte de alto desempenho, não faz bem no coração. Aumenta, inclusive, a chance de ter placa no coração. Mas nós estamos falando em atleta de alto desempenho. As pessoas, às vezes, querem começar uma atividade física do zero e serem atletas de fim de semana. Não fazem nada, chega no fim do ano e querem correr a Corrida de Reis abaixo de 50 minutos. Então, exercício intenso, principalmente em quem não pratica, pode ser um grande fator de risco.
MidiaNews - O uso de substâncias, como pré-treinos e anabolizantes, aumentam o risco de mal súbito?
Max Lima - Sim. Os anabolizantes, o nome mais técnico é ergogênicos, que é toda a substância que aumenta o desempenho. Os ergogênicos, não existe dose segura. O uso da testosterona em doses suprafisiológicas, ou seja, estou buscando estética, ou desempenho, não existe dose segura, porque ela causa infarto de várias formas. Ela faz crescer o coração, aumenta seu colesterol ruim.
O pré-treino, a gente pode falar que aumenta risco, às vezes, de arritmias. Arritmia é o que? O descompasso do coração, bater fora do ritmo. Como tem muito estimulante, na sua maioria ali, a cafeína em supra dose, às vezes tem 600, 900 miligramas, ou seja, tem duas garrafas de café, em uma pilula, você está hiper estimulando o seu coração. Se você tem uma placa [no coração], você não vai sentir nada, porque seu coração está batendo 70, 80 [por segundo], mas aí sobe para 150, 160, aquela placa já atrapalha o sangue a passar. Aí vai aumentar o seu risco de infarto.
As pessoas mal comem certo, vão à academia e querem começar tomando pré-treino. Calma. Toma uma xícara de café e já vai ser um bom pré-treino para você se sentir energizado. Algumas pessoas usam como pré-treino os energéticos. Vários trabalhos mostram que energético aumenta a trombose, ou formação de trombo, que forma coágulo na artéria do coração.
MidiaNews - As bebidas energéticas, mesmo se o consumo for moderado, podem causar mal súbito?
Max Lima - Esses trabalhos foram feitos em pessoas que tinham consumo moderado a alto. Não há nenhum trabalho em cima de quem toma só uma latinha. No Brasil tem grandes grupos que estudam só a relação entre o café e coração, que mostram que o café é seguro e até faz bem para o coração. É óbvio que, se eu tomar duas garrafas de café numa meia manhã, estou levando uma carga de cafeína muito grande para o meu corpo. Duas a três xícaras por dia, para o coração, é benéfico e diminui seu risco de mal súbito.

MidiaNews - E como a alimentação influencia na prevenção de doenças cardiovascular?
Max Lima - Em tudo. O leigo ouve falar em vários tipos de dieta milagrosas, mas não entende o quão importante é comer bem, não pensando só no peso, mas na construção de anos de vida saudáveis. Então, se faço consumo de alimento processados, mais químicas, gorduras ruins, no longo prazo, não vai me fazer bem. Não é porque comi no final de semana um embutido que vou morrer, mas o consumo diário, no longo prazo, será que realmente vai fazer bem? Tem muito sódio, muita gordura ruim.
Então, comer comida de verdade, arroz, feijão, carne, salada, frango e peixe, sempre vai fazer bem para o coração. Existem pelo menos 10 dietas estudadas que fazem diferença. A mais conhecida é a dieta mediterrânea, que nem nasceu no Mediterrâneo, foram os americanos que criaram.
Basicamente tem salmão, que tem ômega 3, azeite na quantidade certa, fruta na quantidade certa, salada na quantidade certa, pouca bebida alcoólica e manejo de estresse, que acaba estando envolvido em tudo isso. Tenta trazer para o seu raciocínio..
Quanto mais sal, açúcar e gordura eu como, pior é a minha construção de saúde. Hoje, a gente fala em um conceito de não só viver muito, mas viver bem meus últimos anos de vida. É o conceito, lifespan, healthspan.
Como você quer viver seus últimos dez anos de vida? Indo sozinho ao supermercado, tendo uma vida de relação, com a sua cabeça boa, sendo feliz com a sua família, podendo viajar sozinho, conseguir ir ao banheiro sozinho? Isso se constrói basicamente com comida e exercício.
MidiaNews - Nesse ano foi publicado em um periódico médico estadunidense um caso de um homem que estava seguindo a dieta carnívora, e começou a vazar gordura na pele dele. O que o senhor poderia falar sobre essa dieta carnívora e por que ela ficou tão popular?
Max Lima - Tudo que eu falo que é milagroso vende. Vende se eu falar que o sal do Himalaia faz menos mal, porque é do Himalaia. Se você comer só carne, em algum ponto do seu metabolismo vai ter falhas na formação de hormônios, vai ter sobrecarga do ferro que você está colocando para dentro do seu corpo, excesso de gordura, a depender de como essa carne é feita.

A carne não é vilã, mas se eu como só carne vermelha, todo dia, estou deixando de ter alguns nutrientes no corpo e vou ter que apertar para o médico se eu não vou ter que repor.
Existe gordura boa? Existe. Salmão, por exemplo. Um barato é o abacate. A gordura do abacate é excelente, mas não é por isso que libero alguém comer seis abacates por dia.
MidiaNews - E qual seria o impacto dessa dieta no coração de uma pessoa que só come carne?
Max Lima - Sobrecarga de ferro, por exemplo, pode impregnar qualquer órgão de ferro, inclusive o coração. Você vai ter uma doença de depósito de ferro no seu coração, que podem causar várias doenças. O seu coração crescer, formar arritmias. Então, o excesso de ferro no coração vai fazer com que você tenha um mal súbito, não por infarto. O excesso de ferro, depositado no seu coração, no meio do músculo, gera um ambiente eletricamente instável, e forma arritmia. Porque arritmia é o distúrbio do ritmo, é um distúrbio elétrico. Dá um curto-circuito e você morre.
Então, não há sentido você comer só carne. A criatividade do ser humano é algo peculiar. E [essa dieta] veio atrelada à pessoa que tem um shape atraente.
MidiaNews - Com relação à parte mental, como o estresse e a ansiedade podem desencadear problemas cardíacos?
Max Lima - Tanto o estresse agudo, como uma discussão no trabalho, bati o carro, tive uma discussão em casa. Essa descarga de adrenalina agudamente pode atacar seu coração, e trazer uma doença que é chamada síndrome do coração partido. É tanta adrenalina que parte do seu coração para de bater, como se você tivesse tido um infarto. O coração toma um formato típico, que chama Takotsubo, que é um vaso de pegar polvos do Japão. A grande vantagem é que 95% melhora e a função do coração volta ao normal.
Hoje a gente sabe que um dos pilares que a gente conversa com o doente é manejo do estresse. Porque o estresse crônico vai aumentar os hormônios que fazem com que você produza mais placas, por exemplo, de cortisol. Então, quem não trata as doenças crônicas de estresse, as doenças mentais como depressão, tem maior chance de infartar. Isso é cientificamente comprovado.
MidiaNews - E o sono? Como ele impacta a saúde do coração?
Max Lima - Há dois a três anos, [o sono] entrou como oitavo pilar da construção do "Quer viver 100 anos? Durma bem". Tem até uma brincadeira que eu faço com os pacientes. Eles perguntam qual o pré-treino que eu compro? Respondo: qual que é o seu colchão? A gente sabe que a falta de sono de qualidade aumenta os hormônios estressores, como adrenalina, cortisol, os mesmos do estresse. Ou seja, vou fazendo maior chance de doenças crônicas, não só do infarto, mas de pressão alta, de AVC, de arritmia.
Então, o cardiologista hoje pergunta se dorme bem, se ronca, se tem sonolência diurna, se está sempre tendo sensação de cansado. Faz parte a avaliação do sono na saúde cardiovascular, porque se tiver um distúrbio, seja ele qual for, a gente vai tratar. Seja uma insônia, apneia do sono, mas é importantíssimo.

Quantas horas eu tenho que dormir? Na média, 7 a 8 horas. Tem gente que consegue dormir menos, tem gente que dorme mais. Estou falando em média, para ter um sono reparador, um sono de qualidade.
MidiaNews - O senhor já falou algumas formas de prevenção de problemas cardíacos, agora poderia dizer com que frequência as pessoas devem consultar um cardiologista?
Max Lima - Se você tiver um sintoma, vá. Isso é claro, óbvio. Frequência que as pessoas chamam de check-up vai variar da sua idade, da sua história familiar, se você tem ou não tem alguma doença, 30 anos seria uma boa idade para ir uma primeira vez a um cardiologista. A partir dali, o seu cardiologista vai traçar para você, personalizar o seu check-up. Pode ser que vai falar para você voltar só aos 35, ou numa conversa, fala que você tem que ir todo ano porque tem história familiar.
Uma coisa que no Brasil é deixada de lado é: se vou praticar esporte, deveria todo mundo ir ao cardiologista. As diretrizes pelo mundo são um pouco divergentes, mas a brasileira tem um consenso um pouco menor. Não significa que o cardiologista vai pedir um milhão de exames para um menino de 13 anos que vai iniciar a academia, mas ele vai examinar, fazer o eletrocardiograma, um exame bem simples, barato e que ajuda muito. Vai orientar esse menino a não usar ergogênico.
MidiaNews - Sobre essa questão das academias não pedirem avaliação médica, acha que é algo que deveria mudar?
Max Lima - Sim, mas não tem lei para isso. Só muda no Brasil qualquer coisa que tenha lei. Uma avaliação médica, não vou falar cardiologista, que seria o ideal, mas uma avaliação médica seria de bom tom. Na academia, você vê que 90% das pessoas são igual eu. Somos praticantes, a maioria você vê que está começando, e nessa época do ano está cheia. A maioria ali já está num grupo de risco, já passou dos 40 anos, e, às vezes, está indo porque está com sobrepeso ou obesidade. E aí, de repente, está numa esteira a 12 por hora. Seria inteligente isso?
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