Cuiabá, Domingo, 5 de Outubro de 2025
PRESSÃO FAMILIAR; VÍDEOS
05.10.2025 | 14h10 Tamanho do texto A- A+

Mulheres são mães solo com pais na mesma casa; diz psicóloga

Muitas delas não conseguem sair de relacionamentos abusivos por vulnerabilidade emocional e culpa

Victor Ostetti/MidiaNews

Fabiane Espíndola é psicóloga especialista em psicologia perinatal

Fabiane Espíndola é psicóloga especialista em psicologia perinatal

LARISSA AZEVEDO
DA REDAÇÃO

A realidade das mães solo está cada vez mais presente na sociedade e as mulheres precisam assumir toda a responsabilidade pela criação dos filhos, mesmo que os pais morem na mesma residência, de acordo com a psicóloga Fabiane Espíndola, especialista em psicologia perinatal. 

 

Quando tem algum tipo de abuso, alguma violência, é muito mais desafiador para essa mulher, no estado de tanta vulnerabilidade emocional, fazer qualquer tomada de decisão

A profissional afirmou ao MidiaNews que muitas dessas mulheres sofrem abusos emocionais e financeiros dos cônjuges, o que dificulta a saída do relacionamento. 

 

“Quando tem algum tipo de abuso, alguma violência, é muito mais desafiador para essa mulher, no estado de tanta vulnerabilidade emocional, fazer qualquer tomada de decisão”, afirmou. 

 

As mães que ainda sofrem com violência patrimonial também são impossibilitadas de sair de relacionamentos abusivos ou sem afeto com os seus filhos. 

 

“Falando da questão financeira, uma coisa que entra muito forte é o quanto essas mulheres às vezes ficam submissas mesmo em alguns relacionamentos. Ficam sofrendo aí muitas violências, patrimonial principalmente, porque não conseguem fazer movimentos importantes”, complementou.

 

Fabiane também afirmou que as crianças, quando criadas nesses tipos de ambientes, podem normalizar  a violência.

 

“Se estou crescendo em um lar negligente, violento, de muita ausência, eu vou entendendo aquilo como um processo natural, é o que me foi oferecido por uma vida inteira. Muitas vezes, eu vou acabar reproduzindo aquilo que é o que eu conheço”, disse. 

 

Além disso, a culpa e o acúmulo de funções na criação deles são as principais razões do "burnout" parental, quando a mãe fica exausta por lidar com todas as responsabilidades da casa, considerando que muitas mulheres trabalham e cuidam dos filhos sozinhas. 

 

Veja os principais trechos da entrevista:

 

MidiaNews - As mulheres ficam em relacionamentos infelizes e abusivos por medo de enfrentar a maternidade solo e por culpa de desestruturar a família. Como sair desse dilema e quais caminhos existem para a mulher tomar decisão consciente e saudável, para ela e o filho?  

 

Fabiane Espíndola - A gente precisa ter muito cuidado individual de cada família, de como essa mulher tá passando por esse processo. 

 

Mas a gente sabe que realmente é quando tem algum tipo de abuso, alguma violência, é muito mais desafiador para essa mulher, no estado de tanta vulnerabilidade emocional, fazer qualquer tomada de decisão. Sem um contexto importante já é difícil, imagina quando a gente tem aí alguma questão, alguma pressão que possa realmente trazer ainda mais dificuldade para o processo. Então, a gente precisa ter muito cuidado com a saúde emocional, principalmente se a gente tá falando de uma gestante, de uma puérpera, que tem todos os seus hormônios bagunçados, tem um processo fisiológico acontecendo. Inclusive é um grande momento de crise da mulher, de realmente desencadear uma depressão perinatal. E aí realmente é muito mais desafiador. 

 

Esse cuidado, quando vem para as clínicas de psicologia perinatal, a gente vai ter essa atenção especializada para que a gente possa trabalhar com ferramentas e estratégias possíveis, de acordo com aquela mulher, aquela família, para que realmente ela possa lidar com o momento da melhor forma e ir tomando decisões conforme for possível.  

 

 

MidiaNews - A mãe pode viver com o pai do filho, mas ainda assim ser uma mãe solo. Em relação à saúde mental desse filho, como essa criança vive em uma casa em que o pai está tão distante e ele tem só o apoio da mãe? 

 

Fabiane Espíndola - A criança acaba vendo, né? E aprendendo muito com os comportamentos. A criança aprende com o que ela está vendo. Ela vai só reproduzindo. Se a gente está falando de uma menina, essa menina está vendo nessa mãe o seu maior espelho. Eu costumo usar isso como um grande incentivo para as pacientes. ‘Se você tem uma filha, lembre que ela está vendo você o tempo todo. Se você não se cuida, ela está entendendo que é assim que funciona’. Se você está mais atenta, está se cuidando, ainda que a criança pequena não entenda muito, ela vai querer estar com você. Você está feliz, animada, ela está entendendo que aquele movimento foi algo bom, foi algo positivo, que deixou a mãe feliz. Ela está entendendo aquele processo.

 

Se a gente está falando de um menino, como ele está vendo essa figura paterna? Como ele está vendo essa figura masculina sendo constituída para ele? Porque a criança vai se constituindo aos poucos. Ele está vendo essa ausência, ele vai conhecendo que este é o pai dele, um pai ausente, que não consegue participar, que não está presente, não quer estar nesse lugar. Ele vai, aos pouquinhos, vendo os amiguinhos na escola, outros ambientes e vai fazendo essas correlações. Então, tem um prejuízo significativo aí para a criança, muitas vezes, de ver o quanto não tem essa figura. 

 

Mas uma coisa importante é lembrar que outras pessoas podem entrar nessa função. Às vezes, não tem esse pai, mas tem um tio que é muito legal. Esse tio que vai brincar, vai estar junto, educar, ocupar, muitas vezes, esse lugar da função. É um pouco diferente se a gente está falando só da genética mesmo, que vai atestar que é o pai. Não, a gente está falando de quem vai cumprir o papel como uma figura realmente masculina para aquela menina ou para aquele menino, também.  

 

 

 

Já quando a gente fala da questão financeira, uma coisa que entra muito forte é o quanto essas mulheres às vezes ficam submissas mesmo em alguns relacionamentos. Ficam sofrendo aí muitas violências, patrimonial principalmente, porque não conseguem fazer movimentos importantes. E muitas mães vivem em casamentos, mas como mães solos. Estão ali só por conta desse lugar que não conseguem se desenvolver. Realmente é uma grande questão quando a gente fala desse impacto financeiro, porque é mais uma função, ela precisa dar conta e a gente volta aqui no "burnout". O principal é olhar para realmente como essa mulher pode tecer uma rede de apoio, como ela pode construir isso. 

 

MidiaNews - Uma criança fruto de um relacionamento tóxico pode normalizar aquele relacionamento para a vida dela e pode pegar isso para vida dela no futuro?  

 

Fabiane Espíndola - Sim. Claro que a gente não pode dizer que isso vai acontecer para todos, porque cada um vai vendo as situações e entendendo de uma forma diferente, mas, isso é muito comum, sim. 

 

Realmente, eu estou crescendo num lar negligente, num lar violento, num lar de muita ausência e eu vou entendendo aquilo como um processo natural, é o que me foi oferecido por uma vida inteira. Muitas vezes, eu vou acabar reproduzindo aquilo que é o que eu conheço.

 

 

MidiaNews - De 2020 até julho de 2025, 19.300 crianças nasceram com pais ausentes no Estado. Quais são as maiores dificuldades da mãe solo na criação do filho? 

 

Fabiane Espíndola - São inúmeras as dificuldades. Mas eu vou trazer aqui para o meu contexto esse impacto emocional da sobrecarga. Hoje a gente fala muito do "burnout" parental, a gente conhece o "burnout" do trabalho e aí a gente precisa trazer para esse contexto que é onde a mulher fica exausta, muito sobrecarregada da função do cuidado. Porque realmente cuidar dá trabalho, educar dá muito trabalho, exige muito. 

 

Se a gente tá falando de uma mãe solo, ela tem todo um contexto que além das atribuições maternas, ela também precisa prover esse lar, precisa trabalhar, às vezes não consegue ter uma rede de apoio. Realmente vem uma sobrecarga gigantesca, por isso hoje a gente tem falado tanto desse "burnout" parental. A gente precisa ter muito cuidado em como essa mulher está lidando com essas questões, porque isso pode afetar o desenvolvimento da criança também, isso pode fazer toda a diferença aqui.

 

MidiaNews - Esse "burnout" tem relação com a culpa que a mãe está sentindo, com estar passando por isso? 

 

Fabiane Espíndola - Com certeza, porque aí vem uma cobrança muito maior que ela precisa dar conta de tudo. E a gente vai até questionar que tudo é esse? Uma mãe solo que não consegue dividir, que seja financeiramente. Quando a gente fala da ausência paterna, inclusive do lugar financeiro, é porque essa mulher fica exigida dez vezes mais. E aí o índice de adoecimento mental é muito maior. 

 

Hoje a gente fala muito do "burnout" parental, a gente conhece o "burnout" do trabalho e aí a gente precisa trazer para esse contexto que é onde a mulher fica exausta, muito sobrecarregada da função do cuidado

MidiaNews - E como a sobrecarga das mães pode afetar os filhos?  

 

Fabiane Espíndola - Eu costumo dizer ‘uma mãe bem cuida bem do seu filho’. A gente fica nessa ideia de que eu preciso me doar ao máximo para o meu bebê estar bem, e ele precisa sempre estar bem. Você está se esgotando por inteira. O que você vai conseguir oferecer para essa criança? Você nunca vai estar na sua melhor versão.  

 

Você sempre vai estar esgotada, sempre vai estar cansada. É lembrar desse cuidado que é mais uma coisa também que para as mães solos: pensar nesses múltiplos papéis. É muito desafiador, mas poder ter esse momento de autocuidado, poder realmente delegar ou, se possível, terceirizar para que você possa ter esse cuidado. Porque senão a gente tá falando da própria doença física, porque às vezes eu não consigo ter um cuidado com o meu corpo, não consigo me alimentar direito; a gente vai pensar na saúde mental, eu estou esgotada, eu começo a ter uma depressão, começo a somatizar. Esse cuidado também é muito importante.  

 

Uma mulher bem, que está se cuidando, tendo um momento para si, com certeza ela vai não só cuidar do filho, mas se sentir muito melhor em todos os seus papéis para conseguir exercer de uma melhor forma. 

 

MidiaNews - A sociedade vê essas mães ainda de forma preconceituosa? A sociedade culpa essa mãe? 

 

Fabiane Espíndola - Eu escuto muito das minhas pacientes um discurso de inadequação, de preconceito, talvez, se a gente pensar no contexto de trabalho. Muitas já perderam oportunidades de serem contratadas na própria entrevista, quando perguntadas se tem filhos e tem parceiro e falam que não. ‘Tenho filhos, mas não tenho parceiro’, ou seja, é só ela. A empresa já fica assim: ‘bom, qualquer coisa que acontecer é só ela, então vai me dar mais dor de cabeça’. Infelizmente isso acontece muito.

 

E essa sensação de inadequação mesmo, de ‘poxa, eu não consigo me encaixar nos lugares, eu não consigo fazer algumas coisas porque, realmente, sou só eu’. Tem toda essa sobrecarga, não conseguem achar, até grupos onde vão se encaixar com outras mães na escola, porque pode ter algumas questões, alguns conflitos. 

 

Hoje, a gente tem uma frase que eu não gosto nem um pouco, que é: ‘nasce uma mãe, nasce uma culpa’. Muitas falam sobre essa frase, e já na própria gestação começam a pensar sobre isso. E não é porque você se tornou mãe que você precisa ficar culpada sobre tudo e todas as coisas. A gente precisa ir aos pouquinhos entendendo que novo papel é esse na sua vida, desse ser que está chegando, que também não sabe, não conhece nada. Não dá para a gente carregar uma maternidade inteira se sentindo culpada, porque fica nessa sensação o tempo todo de inadequação, de não conseguir desempenhar essa função. 

 

 

E às vezes as outras pessoas ao redor estão fazendo uma leitura totalmente diferente. O quanto essa mãe está muito dedicada, amorosa. Uma coisa muito importante é validar o seu papel, todo o seu esforço, principalmente quando a gente está falando de uma maternidade solo. Que a gente não tem essas outras pessoas fazendo essas leituras e dizendo isso para você. O quanto é importante realmente poder parar e ‘peraí, deixa eu ver o quanto meu filho está saudável. Está difícil, mas a gente está dando conta do que precisa dar’, não dar conta de tudo, é dentro do que for possível, para a gente ir desmistificando essa ideia de culpa, porque é só mais uma exigência para a mulher.

 

MidiaNews - E qual é o papel do Estado para garantir mais apoio a essas mães? O que ele deveria fazer? 

 

Fabiane Espíndola - Tem muita coisa que a gente poderia pensar, mas pensando em políticas públicas, o suporte seria fundamental aqui para que essas mulheres, pensando principalmente para aquelas que precisam de trabalho e tudo, pensar em jornadas de trabalho que sejam diferentes, pensar nessa assistência integral de médicos, de toda uma rede de terapias, que tanto essa mulher quanto essa criança vão necessitar. A gente poderia pensar em licença, maternidade talvez mais estendida, algum tipo de auxílio, porque a gente está falando de um contexto bem diferente.  

 

Ou até pensar em como seria essa figura paterna que pudesse assumir mais essa responsabilidade. Tem muitos casos de pensão alimentícia, que é o único lugar que muitas vezes esse homem vai ser exigido, e a gente sabe que é algo que funciona, quando ele não paga ele é punido. Mas talvez pensar em outras alternativas para que isso pudesse acontecer até de uma forma mais leve para esses relacionamentos. 

 

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