Cuiabá, Domingo, 14 de Dezembro de 2025
DEGRADAÇÃO E ABANDONO
13.11.2022 | 09h30 Tamanho do texto A- A+

Urbanista propõe vida noturna para salvar o Centro Histórico

O arquiteto Ademar Poppi é morador da área tombada e teve diversos projetos implantados na Capital

MidiaNews

O arquiteto Ademar Poppi em terraço do Edifício Maria Joaquina

O arquiteto Ademar Poppi em terraço do Edifício Maria Joaquina

LIZ BRUNETTO
DA REDAÇÃO

Do terraço do Edifício Maria Joaquina, onde mora, o arquiteto e urbanista Ademar Poppi consegue enxergar as belezas e mazelas do Centro Histórico, a região que preserva a memória da cidade e que hoje vive uma espiral de decadência.

 

É emblemático que um dos profissionais que mais pensaram em soluções para Cuiabá hoje more no Maria Joaquina, um prédio histórico que, imponente, se sobressai na paisagem da região.

  

Poppi, que por muitos anos atuou no IPDU (Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano) da Prefeitura, elaborou inúmeros projetos para melhorar a vida na cidade, inclusive no Centro onde vive atualmente. Para ele, uma das formas de "salvar" a região seria levar vida noturna para lá. 

 

No final de outubro, ele recebeu a reportagem do MidiaNews para falar dos problemas urbanísticos da cidade, de suas ideias para o Centro e dos inúmeros projetos que jamais saíram do papel.

 

Leia os principais trechos da entrevista:

  

MidiaNews - O senhor mora no Edifício Maria Joaquina, um ícone da arquitetura cuiabana. O que esse prédio representa para o senhor?

 

Ademar Poppi - Moro aqui faz pouco tempo, uns 4 ou 5 anos, mas sempre gostei desse prédio, quando trabalhava na Prefeitura ficava olhando para ele. Foi o primeiro edifício de apartamentos de Cuiabá. É histórico, mas com uma arquitetura moderna. Você desce e já está no Centro, dá para viver a cidade que a maioria das pessoas não conhece. Afinal ninguém quer andar nesse Centro maltratado, com calçadas em desnível, em que o pedestre é a última prioridade.

 

MidiaNews - Como arquiteto e morador do Centro Histórico, o que sente ao ver tantos casarões ameaçados de desabamento?

 

Ademar Poppi - Tristeza! Você vê a Gráfica Pepe, em estilo neoclássico, aquilo estava para cair, e qualquer um via aquilo. Lembro que passei com meu neto antes dele desabar e ele falou: ‘Oh, vô! vai cair’. As paredes estavam “embarrigadas”. Até criança via isso. O casarão da esquina também está caindo, agora puseram escoras nele.

 

MidiaNews - Como foi possível chegar a essa situação num lugar tão importante para Cuiabá?

 

Ademar Poppi - Um imóvel como esse, às vezes, tem muitos herdeiros, e muitos deles não se encontram mais aqui, estão em São Paulo, na Europa... Então ele fica parado, abandonado. Ninguém está mais interessado em uma casa dessas. A legislação permite que o poder público intervenha.

 

MidiaNews - Algo que também chama a atenção no Centro de Cuiabá é a quantidade de imóveis fechados ou abandonados. A que se deve esse fenômeno?

MidiaNews

Ademar Poppi

Arquiteto Ademar Poppi projetou BRT quando integrou time da SECOPA

 

Ademar Poppi - Há 40, 50 anos ainda existiam muitos moradores. O Centro Histórico foi se esvaziando com o tempo. É normal, as coisas mudam. Foi mudando de residencial e comercial para apenas comercial. Foi aumentando o comércio até chegar nesse ponto. As pessoas tinham o comércio na frente e moravam nos fundos. Existia uma vida ali. Mas isso foi se acabando, os moradores antigos foram morrendo, os filhos foram morando fora do Centro e ali virou só o comércio, aquele fundo virou um depósito. Hoje o Centro só funciona em horário comercial. O movimento vai até as 18h, 18h30, depois acabou. Fim de semana isso aqui é deserto, não acontece nada.

 

MidiaNews - Qual a solução para esse esvaziamento do Centro?

 

Ademar Poppi - Você tem que trazer vida novamente para o Centro; essa seria a solução, ter uma vida noturna. A Pedro Celestino poderia ser um embriãozinho, e funcionar a partir das 18h, ter uma atividade noturna que desemboque na Praça da Mandioca, por exemplo, que teve um movimento alguns anos atrás.  Naquele tempo imaginei que poderia ligar a Praça Alencastro à da Mandioca, começando pela Pedro Celestino, porque o comércio vai até a Avenida Campo Grande, dali pra lá começa a decair. Quando chega no Beco do Candeeiro, é pior ainda.

 

Têm tantas políticas. Você poderia ter habitações populares; o cara trabalharia e moraria no Centro, o que ajudaria na questão do trânsito também. Poderia pegar uns casarões e hotéis abandonados e transformar em pequenos apartamentos. É um trabalho demorado, existem vários diagnósticos nesse sentido, mas precisa de interesse público para ser executado.

 

As instituições públicas também foram saindo do Centro. Elas poderiam voltar, seria outra forma de trazer as pessoas. Trazer cultura, faculdades, restaurantes funcionando depois do horário comercial. É um conjunto de coisas.

 

MidiaNews - O senhor acompanhou a história do empresário que estava fazendo escavações na escadaria do Beco Alto? O que achou de tudo aquilo?

 

Ademar Poppi - Não acompanhei de perto, mas vendo as imagens percebo que é de uma falta de consciência desse proprietário. Acho que o poder público tinha que estar fiscalizando. Temos dois órgãos responsáveis por fazer isso, o Iphan (Instituto Patrimônio Histórico Artístico Nacional) e a Prefeitura. Se isso acontecesse na periferia é uma coisa, mas aqui nas barbas deles? A sede do Iphan é do lado. Não estão vendo um negócio desses? Ver isso é pior do que ver o Centro Histórico do jeito que estamos vendo, é muito pior. Vai virar poeira isso aqui.

O nosso verde é todo de fundo de quintal e quando você fala em “Cidade Verde”, o verde tem que estar nas calçadas, nas vias e parques. O verde tem que ser comum, para todos

 

MidiaNews - Recentemente o senhor fez uma publicação mostrando a ausência de árvores na avenida do CPA. Acha que Cuiabá ainda merece ser chamada de Cidade Verde?

 

Ademar Poppi - Não merece o título. O nosso verde é todo de fundo de quintal e quando você fala em “Cidade Verde”, o verde tem que estar nas calçadas, nas vias e parques. O verde tem que ser comum, para todos. Apesar de ter uma legislação, o proprietário tem a árvore que é obrigado a ter, e quando você vai ver é aquela com um tronquinho e uma poda pequeninha. Ele está mais preocupado em não cobrir a sua fachada, não existe uma conscientização.

 

Na Avenida do CPA são 50 metros sem nenhuma árvore. Quando foi feito o projeto contava com arborização. Tinha o padrão na calçada com o desenho dos peixes brancos e pretos. Isso foi feito, mas não contempla as árvores. Acho que Cidade Verde era naquele tempo de Dom Aquino, em que a cidade se resumia a esse Centro Histórico que tem mais de 300 anos.

 

MidiaNews - Nos últimos anos Cuiabá investiu na construção de viadutos e trincheiras para melhorar o fluxo no trânsito. Acha que foi uma boa saída?

 

Ademar Poppi - Com certeza. Quando chegou o evento Copa do Mundo teve que fazer essas obras de mobilidade. Imagina se não houvessem as trincheiras, tudo isso, como seria Cuiabá hoje? O que já é um caos seria pior ainda. Parte desses projetos estavam prontos desde a administração do [ex-prefeito] Roberto França. A gente começou a estudar as grandes avenidas, o que poderia ser feito, as interseções.

 

MidiaNews - O que mais é preciso fazer para melhorar o trânsito em Cuiabá?

 

Ademar Poppi - Melhorar o transporte coletivo que aqui deixa muito a desejar. Em uma cidade que tem o transporte coletivo eficiente, tudo caminha normal. Tem que se migrar para ele, fazer com o que a pessoa deixe o carro em casa. Quando você pega um ônibus onde cabem 50 pessoas, ele vai ocupar um espaço muito menor do que colocar essas 50 pessoas em carros enfileirados. Em cidades mais desenvolvidas você tem executivo andando de metrô, de ônibus...

 

Quando a gente fala de mobilidade urbana, existe uma pirâmide inversa.  Nela a prioridade 1 é o pedestre, depois vem o ônibus e o carro é o último. Ele está lá em baixo. E justamente a prioridade maior aqui é o automóvel. Você vê a quantidade de pessoas que andam nesse Centro e mesmo assim existem poucos calçadões. Se a gente vê o Centro Histórico, aqui o pedestre está totalmente desassistido, está do jeito que era 30 anos atrás.

 

Tínhamos um projeto para a 13 de Junho de fazer uma via em sistema integrado, que a gente chama de via compartilhada. Isso existe em muitas cidades da Europa. Você tem uma via em um nível só, com carro e ônibus passando em uma velocidade baixa, de 15 Km/h, por exemplo. Certas horas você pode liberar os automóveis, e certas horas, quando está carregado de pessoas, proíbe a passagem de veículos e vira um calçadão.

 

Outra alternativa interessante para o trânsito é o escalamento de horário. Logo cedo não tem quase ninguém e, quando chega às 18h, que está lotado, e o comércio fecha... Ele poderia ser estendido, abrir mais tarde e fechar mais tarde também.

 

MidiaNews - Como viu a mudança do VLT para BRT em Cuiabá?

 

Ademar Poppi - Acho que deveria ter continuado com o VLT. E esse investimento todo? É difícil uma posição, mas o investimento feito não pode ser desprezado. É um absurdo não terem ouvido os técnicos à época. Acho que poderia, então, fazer um misto, algo que integrasse as duas coisas. Poderia pegar o VLT de Várzea Grande, que já tem uma grande parte pronta, e deixar vir até o Porto, ou Centro, pelo menos para aproveitar.

MidiaNews

Projeto 13 de Junho

Projeto para a Avenida 13 de Junho com sistema integrado

 

Na Copa do Mundo eu trabalhei na Secopa (Secretaria Extraordinaria da Copa do Mundo) e fui um dos que projetou o BRT. No projeto tirávamos 54 imóveis até a Praça Bispo Dom José.

 

A desculpa era que ia ter que desapropriar muito. Mas lembro que os proprietários estavam doidos para vender, só os inquilinos queriam permanecer. A gente tirava esses prédios abandonados e integrava o Morro da Luz. Estava previsto um centro cultural serpenteando o morro. Bem em frente teria a estação central do BRT, que viria do Coxipó, do CPA, de Várzea Grande. Ia se encontrar tudo aqui, no meio da Prainha. Faríamos jardins suspensos, teriam passarelas. Mas foi tudo por água abaixo e ficou essa coisa aí.

 

O BRT, além de custar mais barato, é mais adequado para Cuiabá. Era um projeto integrado toda a cidade, incluindo Várzea Grande. O BRT é mais rápido, tinha pontos de ultrapassagem. Do CPA até o Centro você levaria uns 15 minutos em uma velocidade de 45 km/h. É o que a gente chama de expresso, e continuariam tendo os ônibus que paravam de ponto em ponto.

 

Na época trouxeram engenheiros de Portugal, da cidade do Porto. Lembro que uma das engenheiras, ao ver a Prainha, falou com aquele sotaque: ‘Vocês são é loucos de fazer um VLT aqui, não precisa disso’. Porque o VLT não é considerado uma matriz do transporte coletivo. Primeiro vem o metrô, ai o BRT e por último o VLT. O VLT nada mais é do que um bondão moderno. As cidades da Europa que têm VLTs têm uma rede de metro em baixo.

 

MidiaNews - Quando o senhor esteve no IPDU, havia ali inúmeros projetos urbanísticos que não foram concretizados. Por que aquelas ideias todas não saíram do papel?

 

Ademar Poppi - Isso acontece com qualquer Prefeitura, é normal. Às vezes você faz dez projetos para sair um. O negócio é fazer. Às vezes têm dinheiro para fazer, em outras não, mas a maioria é interesse do gestor de plantão. O IPDU (Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano) era um órgão em que você pensava a cidade, fazia projetos, não significava que tudo seria construído. Uma coisa que o José Antonio Lemos, um dos mentores de criação do IPDU, sempre falava era: ‘Se não tem dinheiro você faz projeto, que a hora que tiver o projeto já está pronto’.

 

O Instituto foi feito na segunda administração do governo França. Ele pensava na cidade lá na frente, 10, 20, 30 anos. Tanto que o Plano Diretor é revisado de 10 em 10 anos, e o último foi feito em 2007, que venceu em 2017. Não tem como planejar a cidade sem um órgão como esses. O IPDU foi referência, vinha gente de fora para ver nossos projetos. Tínhamos uma equipe multidisciplinar grande, com arquiteto, engenheiro, sanitarista, biólogo, advogado. O IPDU existe, mas hoje é ligado à Secretaria de Meio ambiente, como se fosse uma adjunta.  

 

MidiaNews - Um projeto que saiu do papel foi a requalificação da Orla do Porto. O senhor ficou satisfeito com o resultado?

 

Ademar Poppi – Ficou boa, ficou legal. Eu tinha outra ideia que acho que seria melhor, mas não participei daquela porque já estava em outro projeto. Acho que poderia ser melhor no sentido de ter mais opções, mais equipamentos.

 

MidiaNews - O Morro da Luz, que poderia ser um cartão postal de Cuiabá, virou um emblema da degradação humana e urbana. O que o senhor acha que precisa ser feito para mudar essa imagem?

 

Ademar Poppi – Assim como no Centro Histórico, é trazendo vida para o Morro. Quando projetamos o BRT tinha essa urbanização em baixo, por conta da grande estação que haveria ali, mas o morro é tombado, você não pode construir nada. A ideia era ligar as igrejas do Bom Despacho até a São Benedito passando pelo Morro da Luz, fazer um caminho de pedestres. Seriam pelo menos três passarelas ligando as igrejas, “o caminho dos templos”. Seria um turismo religioso.

 

Atrás do clube Dom Bosco eu tinha feito uma torre que chegava a 300 metros com um restaurante giratório, 360 graus. A gente usava aquele clube abandonado como museu da cidade, do futebol.

 

Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).

GALERIA DE FOTOS
MidiaNews

Terminal de Integração

MidiaNews

Projeto Rio Cuiabá

MidiaNews

Projeto 13 de Junho

Projeto 13 de Junho

MidiaNews

Vista do Edifício Maria Joaquina

MidiaNews

Vista do Edifício Maria Joaquina

MidiaNews

Vista do Edifício Maria Joaquina

MidiaNews

Ademar Poppi




Clique aqui e faça seu comentário


COMENTÁRIOS
4 Comentário(s).

COMENTE
Nome:
E-Mail:
Dados opcionais:
Comentário:
Marque "Não sou um robô:"
ATENÇÃO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. Comentários ofensivos, que violem a lei ou o direito de terceiros, serão vetados pelo moderador.

FECHAR

Lucas  13.11.22 12h28
Parabéns Midianews pela matéria! Bem enriquecedor os apontamentos e o compartilhamento de soluções alternativas para o Centro Histórico de Cuiabá. Acredito que ninguém melhor do que profissionais como este Arquiteto e Urbanista e o professor José Antônio lemos para apontar as melhores soluções para os gargalos do centro histórico e sua mobilidade também.
14
1
Cesar AP  13.11.22 12h20
O que fazer com os usuários e dependentes químicos? pois há muitos.
9
0
José Antônio Lemos dos Santos  13.11.22 11h58
Ótimas e sempre oportunas as entrevistas do colega Poppi. Verdadeiras aulas de Urbanismo elas apontam soluções “sob-medida” para Cuiabá.
10
1
Mauro  13.11.22 09h50
O atual e os futuros prefeitos devem realmente se preocuparem com o centro histórico de Cuiabá, vez que a infraestrutura estão sendo levadas para junto dos Shoppings e nosso centro esquecido de vez.
10
1