Cuiabá, Domingo, 7 de Setembro de 2025
EXCESSOS DE BOLSONARO
11.09.2021 | 19h17 Tamanho do texto A- A+

“É incompatível falar em golpe; democracia não merece tal facada”

Presidente do TJ criticou "discurso infeliz" e se mostrou discrente com recuo do presidente

Alair Ribeiro/TJMT

A presidente do TJMT, desembargadora Maria Helena Póvoas

A presidente do TJMT, desembargadora Maria Helena Póvoas

LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO

A presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, desembargadora Maria Helena Póvoas, criticou o que classificou como "discurso de ódio e vazio de conteúdo" feito pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no dia 7 de setembro, em atos realizados em Brasília e São Paulo.

 

Dois dias depois das falas inflamadas, Bolsonaro recuou e disse que os discursos foram resultado do "calor do momento" e que não queria agredir aos demais Poderes. Para Maria helena, porém, a postura do presidente deve ser fruto de orientação de apoiadores sobre a gravidade de suas declarações e as consequências.

 

Ao MidiaNews, a magistrada disse "lastimar profundamente a posição agressiva" de Bolsonaro, que não estaria tratando a democracia da forma como ela merece, mas descartou qualquer possibilidade de golpe, criticando as ameaças de ruptura feitas pelo presidente.

  

Não é saudável e não é compatível com o chefe da nação, falar em golpe. A democracia não merece essa facada

"Não é saudável e não é compatível com o chefe da nação falar em golpe. A democracia não merece essa facada. Suas convicções e suas palavras, como cidadão, neste momento em que comanda a nação, deveriam ser medidas", afirmou.

 

A chefe do Poder Judiciário mato-grossense ainda destacou que não crê em intimidação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, criticou as dúvidas lançadas pelo presidente sobre o voto eletrônico e defendeu a atuação de membros da Procuradoria-Geral da República.

 

Confira os principais trechos da entrevista:

 

MidiaNews - De uma forma geral, como analisou o discurso feito pelo presidente Jair Bolsonaro?

 

Maria Helena Póvoas - O senhor presidente da República perdeu uma grande oportunidade de, no dia 7 de setembro, de fazer à nação um pronunciamento sobre todos os fatos que envolvem seu governo. Poderia ter aproveitado essa oportunidade para se manifestar sobre a acusação de ser um negacionista em relação à pandemia. Poderia falar da situação econômica do País, do preço do combustível, dos preços praticados nos supermercados, de eventuais medidas para solucionar a grave crise hídrica pela qual estamos passando. Enfim, deveria fazer um pronunciamento dirigido à nação, prestando contas dos seus já três anos de governo.

 

O discurso do dia da Independência foi bastante infeliz

Era isso que a nação esperava de um estadista. O que vimos acontecer não foi isso. O que vimos acontecer foi a conclamação dos seus seguidores para passeatas, carreatas e um discurso de ódio e vazio de conteúdo, desprovido de metas e alternativas para vencermos o momento conturbado que vivemos. E o eleito desta vez é o Judiciário. Isso não é conduta de um chefe de nação. Não é o que se espera daquele que deveria mostrar o rumo, não fazer o que o [Donald] Trump fez nos Estados Unidos, incitando a população a invadir o Capitólio.

 

MidiaNews - Vê que ele usou o Dia da Independência apenas como uma forma de afrontar os outros Poderes?

 

Maria Helena Póvoas - O discurso do dia da Independência foi bastante infeliz. O presidente poderia usar essa data importante para afiançar à nação que vamos vencer os desafios de hoje, explicando o que pretende fazer para tirar o país do momento complicado em que vivemos. Ao contrário, o que vimos foi o presidente da República dizer que não vai obedecer ordens judiciais, além de atacar todo um Poder, em afronta absoluta à Constituição Federal, que prega a harmonia entre os poderes.

 

Vimos um presidente incitando o ódio e, entre outras atitudes inadequadas a um chefe de nação, colocando em cheque a confiabilidade da urna eletrônica, que o elegeu

É uma situação espantosa, vindo de um presidente da República. Esperávamos que pelo menos fizesse uma defesa das acusações que pesam sobre seu governo, em relação aos quase 600 mil mortos, que são atribuídos a sua posição negacionista. Falasse da crise econômica e da crise hídrica, que bate às nossas portas, ameaçando ficar ainda mais grave. Era isso que esperávamos de um chefe de nação. O que vimos não foi isso. Vimos um presidente incitando o ódio e, entre outras atitudes inadequadas a um chefe de nação, colocando em cheque a confiabilidade da urna eletrônica, que o elegeu.

 

MidiaNews - Qual o sentimento tem, como operadora do Direito, ao ver pessoas instruídas indo para as ruas pregar golpe de Estado?

 

Maria Helena Póvoas - O que você entende por pessoa instruída? Ter um curso superior? Pertencer a determinado segmento social? Na minha modesta opinião, pessoas instruídas não coadunam com esses valores. Pessoas instruídas são aquelas que conseguem fazer uma leitura do quadro político e social em que estamos inseridos. Como operadora do Direito, lastimo profundamente a posição agressiva do senhor presidente da República, decepcionando aqueles que esperavam um governo sereno, sem temperança, tratando os poderes com respeito e harmonia.

 

A democracia merece ser tratada com respeito, que fique claro aos saudosistas do general [Brilhante] Ustra [acusado de tortura]. Esse presidente foi eleito legitimamente, com voto popular consagrado na urna eletrônica, é bom que se frise isso. Agora, não é saudável e não é compatível com o chefe da nação falar em golpe. A democracia não merece essa facada. Suas convicções e suas palavras, como cidadão, neste momento em que comanda a nação, deveriam ser medidas. Como presidente da Nação ele não pode admitir que seus seguidores preguem tamanho absurdo que é o fechamento do Supremo Tribunal Federal.

 

Alair Ribeiro/TJMT

Desembargadora Maria Helena Gargaglione Povoas

"A democracia merece ser tratada com respeito, que fique claro aos saudosistas do general Ustra"

MidiaNews - O discurso feito contra o STF cimenta a ameaça de ruptura?

 

Maria Helena Póvoas - O Judiciário já deu demonstrações de sobra de que sempre esteve aberto ao diálogo, sempre buscou o entendimento entre os poderes. Já estendeu as mãos e participou de reuniões, como prova inequívoca dessa abertura para o diálogo. Mas, assim como as pessoas físicas, as instituições precisam ser respeitadas e resguardadas, em especial por aquele que ocupa o cargo máximo da nação. Todas as vezes que o Judiciário for atacado, já deixou claro que vai responder, com elegância e respeito, mas irá responder.

 

MidiaNews - Teme que haja um golpe de Estado no Brasil?

 

Maria Helena Póvoas - Eu acho o Brasil não sofre este risco. Até porque nossas instituições estão mais maduras e fortalecidas, nossa democracia já está consolidada e nem a sociedade, nem as forças armadas, coadunam com esta ideia. O discurso do golpe de estado é vazio e não se sustenta nem mesmo entre boa parte dos eleitores do atual presidente.

 

MidiaNews - Não considera que falta à Procuradoria Geral da República agir com mais firmeza em relação ao presidente?

 

Maria Helena Póvoas - O Ministério Público Federal tem sólida história e relevantes serviços prestados ao país. A esmagadora maioria de seus membros tem atuado com independência e por isso a instituição merece meu respeito. A imparcialidade é essencial ao procurador-geral da República, pois cabe a ele atuar nos processos relativos a crimes comuns e de responsabilidade, de competência do STF, que tem como partes o presidente da República, o vice-presidente, ministros de Estado e membros do Congresso Nacional.   

 

O Supremo conta com um esquema de segurança para seus membros, em especial neste período sombrio da nossa história

MidiaNews - O presidente chegou a estimular desobediência às decisões do ministro Alexandre de Moraes e desafiou quem o investiga, mandando “dizer aos canalhas” que não será preso e que só deixará o Planalto morto. Como vê esse tipo de comportamento?

 

Maria Helena Póvoas - Já discorremos sobre o triste e infeliz pronunciamento do presidente, de citar nominalmente membros do Judiciário, inclusive com palavras que eu me recuso a repetir. Palavras que são trocadas em peladas de várzea, de baixo calão. Como eu já disse, um comportamento que não condiz com um chefe de nação.

 

MidiaNews - O presidente diz que os ministros não agem dentro das “quatro linhas da Constituição” e a sua fala tem cada vez mais ganhado coro entre seus apoiadores. Crê em risco à integridade dos ministros ou até mesmo na intimidação dos membros da Corte?

 

Maria Helena Póvoas - Não creio que os ataques cheguem a esse nível. Mas o Supremo conta com um esquema de segurança para seus membros, em especial neste período sombrio da nossa história.

 

MidiaNews - Na quinta-feira (9), dois dias após os discursos polêmicos, o presidente recuou das declarações, falando que nunca teve a intenção de agredir os Poderes. Como avalia esse novo posicionamento dele?

 

Maria Helena Póvoas - Acredito que ele deve ter sido orientado por apoiadores da gravidade das declarações e suas consequências.

 

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João Alencar  13.09.21 16h02
Prezada Senhora. Como é de conhecimento geral, o sr. Presidente da República foi sim eleito democraticamente por 58 milhões de eleitores para dirigir os destinos do Brasil por pelo menos quatro anos. Passados dois anos e meio, o que o povo brasileiro viu até agora foi a absurda e leviana interferência do STF (cujos componentes não foram eleitos) em sabotarem a administração do Poder Executivo nas mais comezinhas medidas. Na verdade, foram 123 decisões contrárias à administração do Presidente Bolsonaro. Afora isso, creio que a senhora conhece os Princípios da Inércia e do Juiz Natural, é claro, isto sem falar na caracterização do estado de flagrância quanto ao cometimento de um crime. Assim, o malabarismo jurídico praticado por membros da Suprema Corte salta ao olhos de qualquer do povo, mesmo àqueles que não possuem o cabedal que a senhora, Presidente do TJ MT, com certeza possui. Se não bastasse, a mirabolante tese utilizada quanto ao foro competente para o julgamento de Luiz Inácio Lula da Silva, aquele senhor que aparece no Google quando se pesquisa "maior ladrão do mundo" é por si só a prova de que o Poder Judiciário há muito deixou de exercer sua atividade natural e tornou-se um ENTE POLÍTICO no cenário nacional, com ministros e desembargadores fazendo lives, propaganda e dando entrevista, como no presente caso. Para suas considerações.
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fernando mendes  13.09.21 11h27
ola bom dia .... gostaria de aproveitar esta espaço para que alguém me auxilie em esclarecer, em um pais que usa tão facilmente a palavra "democracia"... e somos obrigados a fazer a quase todos os atos da vida civil através de leis que no obriga.... O maior ato de democracia que é o voto somos obrigados a votar.... Acredito que o voto obrigatório não seja ato de democracia... Onde o eleitor/cidadão manifesta sua contrariedade com sistema...
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Dantas  12.09.21 17h32
A Dra., com todo respeito ao cargo que ocupa, esta completamente equivocada em sua visão a respeito do evento do dia 07/09 e das manifestacões do Excelentíssimo Sr. Presidente da República, Jair Bolsonaro. A manifestação foi ordeira, retratou uma crítica aos desmandos do STF, pois alguns de seus integrantes utilizam da Excelsa Corte como instrumento de proselitismo político, e a respeito das ações inconstitucionais de seus membros, seus ataques a liberdade de expressão e a livre manifestação de pensamento, o povo foi às ruas de livre e espontânea vontade. Foi uma festa da democracia. Ninguém ameaçou a democracia Dra., suas considerações revelam uma interpretação que, data venia, não condiz com a realidade.
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