Cuiabá, Sábado, 16 de Agosto de 2025
MONSTRO DE SORRISO
16.08.2025 | 18h00 Tamanho do texto A- A+

"Ele é perigoso e quando for solto vai voltar a estuprar e matar"

Promotor de Justiça Luiz Fernando Rossi Pipino foi responsável pela acusação de Gilberto Rodrigues dos Anjos

Victor Ostetti/MídiaNews

O promotor de Justiça de Sorriso, Luiz Fernando Rossi Pipino, responsável pela acusação de Gilberto Rodrigues dos Anjos

O promotor de Justiça de Sorriso, Luiz Fernando Rossi Pipino, responsável pela acusação de Gilberto Rodrigues dos Anjos

ANGÉLICA CALLEJAS
DA REDAÇÃO

O promotor de Justiça Luiz Fernando Rossi Pipino, da 2ª Promotoria de Justiça Criminal de Sorriso, responsável pela acusação do pedreiro Gilberto Rodrigues dos Anjos, que foi sentenciado, no último dia 7, a 225 anos de prisão por quatro feminicídios e três crimes sexuais, disse crer que o criminoso voltará a cometer assassinatos e estupros quando for solto.

 

Eu não tenho a menor dúvida de que se for, quando solto, ele voltará a estuprar e voltará a matar. Eu não tenho a menor dúvida

As vítimas da chacina ocorrida em 24 de novembro de 2023, foram Cleci Calvi Cardoso, de 46 anos, e suas três filhas, de 19, 12 e 10 anos. Três delas foram esfaqueadas e violentadas sexualmente, enquanto a menor foi morta por estrangulamento, após terem sua casa invadida pelo assassasino, que o promotor chama de "monstro de Sorriso".

 

"Eu não tenho a menor dúvida de que se for, quando solto, ele voltará a estuprar e voltará a matar. Eu não tenho a menor dúvida. É um ser perigoso, maldoso, personifica o mal e em liberdade vai colocar em risco mais vidas, mais mulheres e vai causar perigo à sociedade", disse.

 

Segundo Luiz Fernando, em seus 16 anos de atuação no Tribunal do Júri Popular, jamais havia se deparado com tamanha brutalidade e maldade como a deste caso. Ele comparou o caso ao do “Maníaco do Parque”, matador em série de mulheres em São Paulo, em 1998, que foi condenado a 280 anos e será libertado da cadeia em 2028, após cumprir 30 anos.

 

Gilberto dos Anjos cumprirá os 40 anos de prisão, que é o tempo máximo que uma pessoa pode cumprir, seguindo a nova legislação penal. O promotor afirmou que não há possibilidade de o pedreiro conseguir o benefício de progressão de regime ou qualquer redução da pena.

 

Luiz Fernando ainda defendeu a mudança do Código Penal, pelo endurecimento das leis e falou sobre a sessão do julgamento, que durou 10 horas. 

 

Confira os principais trechos da entrevista (e a íntegra no vídeo ao final da matéria):

 

MidiaNews - O senhor é promotor de Justiça em Mato Grosso desde 2009. Estava responsável pelo caso da Chacina de Sorriso, em que o o réu Gilberto Rodrigues dos Anjos foi condenado a 225 anos de reclusão. Nesses 16 anos no cargo, já atuou em outros casos com tanta repercussão? 

 

Luiz Fernando Pipino - São 16 anos de Ministério Público, sempre oficiando no Tribunal do Júri, para atuar na defesa intransigente da vida. Evidentemente que há casos de repercussão, casos que pela brutalidade, pela crueldade, repercutem bastante, mas garanto que nesses 16 anos, nunca me deparei com uma brutalidade tão grande, com a maldade em estado bruto e com tanta violência.  

 

 

MidiaNews - Como se sentiu quando esse caso foi destinado ao senhor? Já havia pressão da sociedade e da própria família das vítimas desejando uma condenação exemplar ao assassino.

 

E não poderia ser diferente da nossa expectativa, que desde o início era que superasse em muitos 100 anos de reclusão

Luiz Fernando Pipino - Nós atuamos diligentemente. Primeiramente, quero até registrar o trabalho investigativo da Polícia Judiciária Civil e da Polícia Científica. Polícia Judiciária Civil e Politec trabalharam de forma eficiente, descobriram rapidamente a autoria delitiva, produziram as provas periciais, documentais, que bem demonstravam a materialidade de todas as infrações penais, a autoria delitiva também atribuída ao réu, proporcionando ao Ministério Público provas suficientes, robustas, fortes e incriminatórias para que pudéssemos deflagrar a ação penal, processar na forma da lei, com as imputações, até o final julgamento. 

 

MidiaNews - Quando o plenário foi fechado para a discussão dos jurados sobre a pena, o senhor já estava confiante de que seriam aplicada a condenação de 225 anos? 

 

Luiz Fernando Pipino - Os jurados passam a compor uma sala secreta onde o juiz vai submeter os quesitos, as perguntas que serão votadas pelos jurados, para que os jurados decidam, se condenam, se absolvem, se reconhecem em circunstâncias qualificadoras, causas de aumento de pena, enfim, para que eles se manifestem sobre todas as imputações deduzidas pelo Ministério Público. Então, na sala secreta, os jurados através de um voto monossilábico, sim ou não, um voto silencioso através da íntima convicção, decidiram o caso. 

 

[Os jurados] acompanharam a tese do Ministério Público, reconheceram a prática dos quatro feminicídios, com todas as circunstâncias qualificadoras, inclusive com causa de aumento de pena, reconheceram, também, a prática de três crimes contra a dignidade sexual e a partir daí, uma vez condenado o réu, na forma como pretendia o Ministério Público e reconhecido pelo Conselho de Sentença, o juiz passou à dosimetria da pena. A dosimetria da pena é a atividade do juiz presidente. A partir do reconhecimento da responsabilidade penal do acusado pela prática daquelas infrações penais, cabe, então, ao juiz, materializar ali a pena que será imposta. A dosimetria da pena é a atividade do juiz presidente.

 

MidiaNews - E o senhor achou que foi satisfatória a dosimetria? 

 

Luiz Fernando Pipino - Sim. E não poderia ser diferente da nossa expectativa, que desde o início era que superasse em muitos 100 anos de reclusão. Eu já havia dito isso em outras oportunidades, que se aproximasse inclusive dos 200 anos de reclusão, a partir de todas as circunstâncias, qualificadoras reconhecidas, causas de aumento e tantas outras circunstâncias que durante os debates pudemos deixar consignado em ata. Exemplo da premeditação, cuja circunstância pode contribuir na elevação da pena na forma do artigo 59 do Código Penal. Então, à luz de todas as circunstâncias, as imputações, esperávamos, de fato, uma pena bem significativa. 

 

 

MidiaNews - Qual a visão do senhor sobre a ausência do assassino Gilberto dos Anjos no julgamento? Ele deixou de acompanhar até por videoconferência o restante do julgamento. É uma forma de, mais uma vez, insultar as vítimas? Foi uma demonstração de desprezo?

 

O que mais demonstrou, ao longo dos anos, foi a maldade

Luiz Fernando Pipino - Ele nunca demonstrou arrependimento nenhum. O que mais demonstrou, ao longo dos anos, foi a maldade. A maldade, a perversidade, sem arrependimento nenhum. Então, não temos dúvida de que é um ser maldoso, perverso, o mal personificado em pessoa. Não tem a menor dúvida do perfil de pessoa. 

 

Sobre a questão do acompanhamento, ele acompanhou toda a instrução, acompanhou a oitiva das testemunhas, toda a instrução em plenário que pode acompanhar, no instante do interrogatório, permaneceu em silêncio. E, aí, trata-se do exercício de um direito constitucionalmente consagrado. Durante os debates, ele pediu a dispensa. A própria defesa postulou no sentido, da sua dispensa dos debates orais e de toda o restante da solenidade. São direitos consagrados em lei, que são assegurados e ele fez uso desses direitos durante o julgamento.

 

MidiaNews - Apesar de o assassino ter sido condenado a essa pena de 225 anos, a legislação do Código Penal não permite que uma pessoa fique presa por mais de 40 anos. Isso causa indignação e revolta à sociedade. Como o senhor, não só como jurista, mas como parte da sociedade civil, analisa isso?

 

Luiz Fernando Pipino - No caso específico que estamos tratando, a pena decorrente desta condenação resultou em 225 anos de reclusão. Mas vamos lembrar também que ele já foi condenado pelo Tribunal do Júri de Mineiros a uma pena de 17 anos de reclusão e também pelo Tribunal de Júri da Comarca de Lucas do Rio Verde a uma pena de 22 anos reclusão. Então, num somatório de pena, é uma pena aproximada de 265 anos de reclusão. De acordo com a nossa legislação, o tempo máximo de prisão permitido em lei é de 40 anos. Então, ninguém pode permanecer por mais de 40 anos preso, ainda que a pena imposta tenha ultrapassado, em muito, esse patamar. Então, por opção do legislador, o tempo máximo que o Gilberto permanecerá preso será de 40 anos. 

  

 

 

MidiaNews - Isso é algo que o senhor, como parte da sociedade civil, concorda? Acha que é algo a ser mudado? O Congresso deveria, talvez, pensar nisso?

 

Luiz Fernando Pipino - Eu penso que sim. Não só nesse ponto, como em tantos outros pontos da legislação penal. Nesse plenário do júri, esteve presente a senadora Margareth Buzzetti, acompanhando a família enlutada. Em um determinado momento da nossa sustentação, deixei bastante claro a nossa ideia. E que pudesse ecoar também ao Congresso Nacional e a todos aqueles que são responsáveis pela edição de leis, as reformas legislativas, de que precisamos refletir junto com a sociedade a respeito da legislação atual. Porque penso que não está protegendo de forma eficiente e de forma significativa bens jurídicos mais valiosos, a exemplo da vida. Penso que devemos refletir sobre um endurecimento da nossa legislação. Torna-lá mais rigorosa, mais efetiva, mais eficaz para a proteção de bens jurídicos valiosos. 

 

MidiaNews - No Brasil, a gente tem um caso conhecido, do maníaco do Parque, o Francisco de Assis Pereira, que confessou o assassinato de dez mulheres em 1998, em São Paulo. Ele foi preso e condenado a 280 anos. Só que na época que foi preso, a legislação vigente era de 30 anos no máximo, e é isso que ele vai cumprir. Em 2028 ele vai ser solto. Acredita que, assim como o caso do Maníaco do Parque, Gilberto é uma pessoa que vai colocar a sociedade em risco assim que for posto em liberdade? 

 

Ninguém pode permanecer por mais de 40 anos preso, ainda que a pena imposta tenha ultrapassado, em muito, esse patamar

Luiz Fernando Pipino - Eu não tenho a menor dúvida de que se for, quando solto, ele voltará a estuprar e voltará a matar. Eu não tenho a menor dúvida. É um ser perigoso, maldoso, personifica o mal e em liberdade vai colocar em risco mais vidas, mais mulheres e vai causar perigo à sociedade. A exemplo do Maníaco do Parque, muito bem mencionado, [ocorrido] na década de 90, que já está prestes a ser colocado em liberdade. Acho que nos próximos dois ou três anos ele vai permanecer preso, vai permanecer os 30 anos e vai ser colocado em liberdade. 

 

Na época, o artigo 75 do Código Penal, previa como tempo máximo de prisão os 30 anos. Houve uma alteração elevando para 40 anos, cuja alteração alcançou o chacineiro de Sorriso. Eu não tenho a menor dúvida de que ele vai permanecer preso por esses próximos 40 anos.

 

MidiaNews - E tem alguma forma de deixar esses assassinos presos por mais tempo do que os 40 anos? A Justiça pode fazer isso de alguma forma? 

 

Luiz Fernando Pipino - Da forma como a legislação está posta, de acordo com a nossa previsão legal, não há mecanismo que ampare prisão por tempo superior ao permitido por lei.

 

MidiaNews - A partir de quanto tempo de pena cumprida em regime fechado, nesse caso do Gilberto, especificamente, pode ter a progressão de pena para o regime semiaberto? É uma possibilidade ter essa progressão? 

 

Luiz Fernando Pipino - Não há a menor possibilidade. Evidentemente, na lei de execução penal, há um sistema progressivo para o cumprimento da pena, entre os regimes fechado, semiaberto, aberto, em uma forma de ressocializar, reeducar, reinserção do condenado ao convívio social. Então, a partir daí, a lei prevê determinadas frações de pena, a depender se o crime é praticado com violência, sem violência, se é hediondo ou se não é hediondo. 

 

Mas estou falando em 225 anos. Não há fração que ele possa cumprir ou não há trabalho que ele possa desenvolver no cárcere ou estudo que possa ter no cárcere a ponto de remissão de pena que vai fazer diminuir dos 40 anos a que a lei permite como tempo máximo. Ele permanecerá preso pelos próximos 40 anos de vida dele. 

 

 

 

MidiaNews - No julgamento do Gilberto, um momento que foi muito midiatizado foi quando um dos defensores públicos disse que ele não pediria a pena mínima em respeito à população. Acredita que foi um comportamento incomum dos defensores? 

 

A Defensoria Pública trabalhou com uma tese de que a nossa denúncia era inepta, porque o réu não podia se defender dos fatos que estavam ali narrados

Luiz Fernando Pipino - A pergunta é bastante pertinente e interessante, mas temos que pontuar que a plenitude de defesa não nasceu no plenário do Júri. O réu está sendo defendido e foi defendido ao longo de um ano e oito meses. E as teses de defesa só não foram repetidas no plenário do júri. Mas durante a primeira etapa do processo, durante a primeira fase do Tribunal do Júri, a fase de filtragem até a submissão do réu a julgamento perante Tribunal Popular, a defesa trabalhou com diversas teses. A Defensoria Pública trabalhou com uma tese de que a nossa denúncia era inepta, porque o réu não podia se defender dos fatos que estavam ali narrados, porque ele não poderia compreender os fatos. 

 

Na verdade, não é que a defesa não poderia compreender os fatos, nós que não conseguimos compreender a violência praticada. A incompreensão estava na maldade e na violência, não na peça acusatória, que bem narrou a dinâmica de tudo. Então, o primeiro pedido da defesa era inépcia da denúncia, arquivamento do processo, que não foi encampado pelo Poder Judiciário. E depois também houve teses contra as qualificadoras. A defesa ao longo da primeira fase, inclusive em sede recursal,pediu que o Tribunal de Justiça tirasse todas as qualificadoras possíveis da acusação, de modo que o réu fosse encaminhado sem essas circunstâncias que elevariam a pena. 

 

Então, a defesa, durante todo o procedimento suscitou diversas teses que buscavam minimizar e diminuir as consequências jurídicas. Só não repetiu a tese no plenário. 

 

MidiaNews - Apesar desse pedido de desclassificação de dois dos crimes contra a dignidade sexual, o júri não considerou.

 

Luiz Fernando Pipino - Os jurados não acompanharam as teses de defesa. Acolheram as teses do Ministério Público e reconheceram a prática dos três crimes contra dignidade sexual. 

 

O juiz da vara da comarca de Sorriso não acolheu as teses de defesa da primeira fase, assim como o Tribunal de Justiça também não acolheu o recurso da Defensoria, e o réu foi submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri com todas as circunstâncias qualificadoras imputadas pelo Ministério Público.

 

 

 

MidiaNews - É uma possibilidade a defesa do Gilberto dos Anjos pedir alguma avaliação psicológica dele para tentar reverter algo ou conseguir, talvez, um semiaberto? 

 

Luiz Fernando Pipino - Não acredito. Porque durante todo o processo não houve qualquer pedido nesse sentido e ao longo de um ano e oito meses jamais se veiculou o incidente de insanidade mental. Até porque não há dúvida nenhuma sobre a higidez mental do acusado. 

 

MidiaNews - Então, ele é uma pessoa sã, que cometeu esses quatro feminicídios?

 

Sim, compreendia exatamente o que fazia. Ele é uma pessoa perversa, cruel

Luiz Fernando Pipino - Sim, compreendia exatamente o que fazia. Ele é uma pessoa perversa, cruel. Não há qualquer problema de que possa colocar em cheque a sua higidez mental, não há nenhum problema nesse sentido. Tanto não há, que a defesa nunca fez pedido desse sentido. Não há qualquer indício que ele tenha qualquer tipo de problema dessa natureza.  

 

MidiaNews - O julgamento durou 10 horas. Qual foi o momento mais impactante dessa sessão para o senhor?

 

Luiz Fernando Pipino - Desde o início da sessão. Durante toda a sessão, durante essas 10 horas, desde a instrução em que precisamos avivar na memória dos todos, dos jurados, na presença da família toda a maldade praticada, os crimes, a violação, o abuso, a crueldade, a perversidade. Enfim, crimes praticados numa brutalidade fora do comum, impondo às vítimas um sofrimento atroz e desnecessário, um comportamento perverso. 

 

Eu me referi, em determinado momento do julgamento, encarnação do mal. É o mal personificado. São questões sensíveis, muita dor, família enlutada, toda a oitiva dos investigadores, delegado que presidiu as investigações, as suas diligências, durante os debates. A exposição de imagens, fotos, avivando toda a cena. A cena de terror, porque foi uma cena de terror. Enfim, até afinar o julgamento, esperando… Todos nós aguardamos, ansiosamente, a publicação da sentença, a condenação do réu e a segurança à sociedade de que ele permanecerá trancafiado pelos próximos 40 anos. Nesse período de tempo, esse daí não vai fazer mal a mais ninguém.

 

Assista a íntegra:

 

 

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