Cuiabá, Sábado, 6 de Dezembro de 2025
RECRUTAMENTO DO CRIME
06.12.2025 | 18h00 Tamanho do texto A- A+

"Facções focam em adolescente por ser fácil ludibriar e enganar"

Procurador alerta para vulnerabilidade de menores e critica falta de ação do Estado diante do avanço do crime

Victor Ostetti/MidiaNews

O procurador de Justiça da Infância e Juventude, Paulo Prado, que falou sobre o avanço de facções criminosas

O procurador de Justiça da Infância e Juventude, Paulo Prado, que falou sobre o avanço de facções criminosas

CÍNTIA BORGES
DA REDAÇÃO

O procurador de Justiça da Infância e Juventude, Paulo Prado, afirmou que facções criminosas têm concentrado esforços em recrutar adolescentes porque, segundo ele, “é muito mais fácil ludibriar e enganar um adolescente”, especialmente aqueles vindos de famílias pobres e sem referências.

 

É muito mais fácil ludibriar e enganar um adolescente. Ainda mais um adolescente que vem de uma família extremamente pobre, sem um referencial

É muito mais fácil ludibriar e enganar um adolescente. Ainda mais um adolescente que vem de uma família extremamente pobre, sem um referencial. Alguém dá uma arma e joga poder na mão dele, é fácil manipular", disse o procurador durante entrevista ao MidiaNews.

 

Prado comparou a falta de referências atuais com o passado, quando os jovens tinham outros modelos.

 

“No passado, nossos heróis eram o Homem-Aranha, Superman, o Tocha Humana, a Mulher Maravilha. Hoje, quais são os heróis dessa camada social? O adolescente se sente valorizado, com a autoestima elevada, quando é colocado uma arma na mão dele”.

 

Ainda na entrevista, o procurador apontou que o Estado brasileiro tem grandes desafios e o Congresso Nacional precisa reagir a alta da criminalidade e o crescimento das facções criminosas.

 

Ele também negou que o MPE tenha reduzido de importância ao longo dos últimos anos e elogiou a atuação dos últimos chefes do órgão.

 

 

Confira os principais trechos da entrevista (e o vídeo com a íntegra ao final da matéria):

 

MidiaNews - Nos últimos dias, a gente viu duas crianças faccionadas que foram mortas decapitadas. Chocou pela crueldade das ações da facção e por como foi o assassinato. Como enxerga esses casos? É uma falha do Estado? É uma falha social? Qual é o problema?

 

Tem esse lado que quer e precisa punir. Mas tem um outro: por que a sociedade está tão violenta? Onde nós erramos?

Paulo Prado - Eu fico chocado. Chocado enquanto pai, cidadão e como procurador. O Ministério Público tem dois papéis. O de punir, ir atrás de quem fez essa crueldade. Esse ato desumano contra a dignidade da pessoa humana. Porque você percebe no ato praticado que não foi apenas tirar a vida de alguém, foi demonstrar o sadismo, a crueldade, a perversidade, a monstruosidade praticada contra um semelhante. 

 

Tem esse lado que quer e precisa punir. Mas tem um outro: por que a sociedade está tão violenta? Onde nós erramos?  

 

A Constituição de 1988, feita quando o Brasil voltava da anistia, deu ao país a possibilidade de eleger um presidente, e reuniu pessoas e segmentos para construir o texto. E lá na Constituição eles elaboraram o artigo 227, que diz o seguinte: é dever da família, da sociedade, e do poder público garantir com absoluta prioridade à criança e ao adolescente e ao jovem a efetivação dos seus direitos fundamentais. 

 

Quais são esses direitos fundamentais?  Educação, cultura,  saúde,  dignidade,  convivência. Em 1988, eles colocaram no texto que a família, em primeiro lugar, depois a sociedade e depois o poder público tinham que olhar as crianças e adolescentes e efetivar esses direitos fundamentais.

 

Então, o que o Ministério Público tem que fazer?  Reprimir. Não pode deixar solto quem fez isso. Mas também trabalhar na sociedade. A educação que temos é de qualidade?  A pergunta que não quer calar: por que a facção criminosa está forte no bairro? Em primeiro lugar, se você levantar hoje, realizar uma pesquisa entre os adolescentes que estão internados, ou seja, presos, por atos infracionais graves, e o adulto que está preso, eu garanto pra você que 70% tem ausência paterna. E eu faço outra colocação: entre 60% ou 70% ou é usuário ou faz parte do tráfico. Como um pequeno traficante ou um dependente químico.

 

MidiaNews - Tráfico de drogas com 10, 11, ou 12 anos?

Victor Ostetti/MidiaNews

Paulo Prado

O procurado Paulo Prado, que pede urgência para Congresso debater a segurança pública


Paulo Prado - Eu ouso dizer que o uso de drogas e o recrutamento está começando com 12 anos de idade. Porque lá no bairro esse garoto fica sozinho, porque a mãe tem que trabalhar. O traficante chega no bairro e se apodera do lugar. Ele vê que no bairro a iluminação é carente, falta água, não tem um projeto social, não tem um programa esportivo funcionando. O traficante começa a exercer esse referencial paterno. Ele vai e chama essa meninada e diz: "Vocês gostam de futebol? Vamos limpar esse terreno, fazer um campo". E dá a bola, a camisa, e a cesta básica.

 

Depois, coloca um revólver, uma pistola, com esse rapaz e fala: “Você vai receber três, quatro mil por mês para distribuir crack na porta das escolas, nos bairros”. Agora, se você vender dez e quiser usar uma cabecinha ou duas, te dou de presente. E aí começa. Quem é bom ou ruim pra esse menino que não tem referencial paterno, que ele não vê a figura do Estado, que não vê a figura da sociedade? Uma sociedade que hoje está cada dia mais agressiva, mais pendurada no bolsa-família, mais pendurada no emprego informal, na ausência social.

 

Você vai exigir que esse garoto de 14 anos ou 12 anos de idade, olhe para mim e olhe para você, dois brancos, que não andamos de ônibus, que vivemos num local com ar-condicionado, e enxergue o estado como bom? Quem que ele vai enxergar? 

 

Tenho que punir, mas tenho que trabalhar para que isso não aconteça. E o Congresso brasileiro,  ao invés de ficar nessa briga de direita e esquerda, deveria se debruçar sobre o tema. Porque é o parlamento que representa a voz do povo brasileiro. 

 

Essas pessoas foram eleitas para criar leis, e essas leis precisam atender a toda a camada social. Atenda nós, brancos, atenda a elite, atenda a classe média, mas principalmente aqueles que não conseguem subir. Como fazer isso? É o grande desafio.

 

MidiaNews - E o combate ao crime organizado se faz…?

 

Paulo Prado - Teve uma matéria sobre uma operação do Gaeco na semana passada que tinha policiais, autoridades, e outras pessoas envolvidas com facções criminosas. É preciso atuar fortemente contra elas. E como se desestrutura? Não basta só aprender. É preciso acabar com o potencial econômico e financeiro desse pessoal. E outra coisa: o governo precisa fechar a fronteira. Nós temos que fechar a fronteira.

 

Cuiabá está a 300 quilômetros da Bolívia, 200 km até Caceres até. Nós temos mil quilômetros de fronteira seca. São mais de 24 municípios que convivem com otráfico de drogas. E esse tráfico de drogas escraviza a população. Como? Alimenta supermercado, postos de gasolina, alimenta hotel, alimenta pousada, movimenta o comércio, movimenta o consumo. Isso é perverso!

 

Eu penso que o Congresso devia parar, fazer um pacto, chamar o Ministério Público, o Poder Executivo, o Judiciário, chamar quem trabalha, e propor: como vamos combater o crime organizado? Porque hoje ele está em todos os segmentos da sociedade. 

 

MidiaNews - O socioeducativo hoje de fato redireciona e recondiciona esses meninos para a sociedade?

 

Victor Ostetti/MidiaNews

Paulo Prado

Procurador Paulo Prado relata que facções ameaçam adolescente de morte caso queiram sair da criminalidade

Paulo Prado - Hoje o grande desafio não é Centro Socieducativo. O governador  Mauro Mendes destravou uma ação do MPE de 20 anos para construir Centro Socieducativo no interior. Mendes está reforçando o de Cuiabá, está dando uma ajeitada. Rondonópolis inaugurou mais 60 vagas. Sinop e Barra do Garças inauguraram, pois não tinha no interior. Falta Cárceres e Tangará da Serra.

 

O grande desafio não é o centro socioeducativo, porque ele melhorou muito. É os meninos conseguirem sair do centro socioeducativo. Porque lá eles recebem orientação, projeto, mas falam o seguinte: "a facção não vai me deixar sair do crime". Eles se sentem com medo. Se saírem, eles são eliminados. Ele tentou parar, não quis, porque lá no socioeducativo ele recebe orientação. Lá ele recebe terapia, tem psicólogas preparadas, tem assistentes sociais, tem projetos, tem programas. Uma outra visão no Centro Socieducativo, não aquela visão do passado. São locais melhores, pessoas capacitadas. 

 

Aquele menino que nunca conviveu com isso, de repente convive e descobre que dentro dele existe um ser humano melhor. E ele decide que não quer mais continuar no crime, mas ele não consegue. 

  

Nós precisamos trabalhar fortemente com a polícia,  fortemente com a inteligência, unir a inteligência do Gaeco, Polícia Civil e Militar para que esse garoto consiga sair de lá e mudar de vida. 

 

MidiaNews - E por que os adolescentes? Eles são mais frágeis? É essa questão familiar? 

 

Paulo Prado - É muito mais fácil ludibriar e enganar um adolescente. Ainda mais um adolescente que vem de uma família extremamente pobre, sem um referencial. Alguém dá uma arma e joga poder na mão dele, é fácil manipular.

 

No passado, nossos heróis, eram o Homem-Aranha, Superman, o Tocha Humana, a Mulher Maravilha. Hoje, quais são os heróis dessa camada social? O adolescente se sente valorizado, com a autoestima elevada, quando é colocado uma arma na mão dele.

 

MidiaNews - E uma arma faz estragos...

 

O Congresso precisa acordar. Ficam discutindo besteira, briga política, quem tem mais força... Vamos perder esse jogo. Todos nós seremos engolidos

Paulo Prado - Meu Deus do céu, é um perigo. Eu sou uma pessoa que tem o porte de arma, mas não ando armado. Tenho medo de andar armado. Então, volto a dizer: o Estado brasileiro tem grandes desafios. É preciso tratar bem e permitir que aqui fora ele continue sendo uma pessoa do bem. Porque quem tenta sair, morre.

 

O Brasil precisa acordar. O Congresso precisa acordar. Ficam discutindo besteira, bobagem, briga política, quem tem mais força... Vamos perder esse jogo. Todos nós seremos engolidos. 

 

Na classe alta está cheio de violência. Quantas matérias de vocês de médico matando namorada, de mulheres bem sucedidas sendo espancadas por maridos. Você entra na escola, o que tem de menina que fala da violência praticada pelo pai contra ela e contra a mãe e contra os irmãos. Nós vivemos um ciclo de violência e isso está acontecendo na classe média também. Entre autoridades, entre professores e policiais. Essa violência está contaminando todos nós.  

 

 

MidiaNews -  Quando se fala no Estatuto da Criança e do Adolescente, chega uma enxurrada de críticas falando sobre um suposto protecionismo do Estado para com essas crianças e adolescentes que, por vezes, praticam crimes cruéis. O que que pensa do estatuto? A gente precisa revisar alguns pontos? 

 

Paulo Prado - Não vamos mudar a condição atuando como sempre atuamos. Não é mudando o Estatuto da Criança Adolescente que você vai diminuir a violência. As pessoas falam em redução da maioridade penal, em primeiro lugar, não vai mudar. É cláusula pétrea. Não tem como reduzir. Você pode aumentar o tempo de internação. 

 

Mas vamos lá. Quer reduzir? Reduz. Você acha que o adolescente de 12, 13, 14 anos não sabe o que é uma violência? Se reduzir para 16, as facções criminosas vão recrutar os de 15 e os de 14. Aí vamos ter que reduzir para 14 anos.

 

O ECA é de 1990. Em 1990 eles falavam, três anos, que lá  não tinha um índice tão alto assim de atos infracionais praticados por adolescentes. 

 

MidiaNews - As facções também estavam começando a existir ou não existiam? 

 

Paulo Prado - Não existia. O que o Estado pensou quando criou o estatuto? O Brasil vai progredir. Nós alcançamos um progresso tecnológico. Hoje, conversamos com o mundo. Avançamos tecnologicamente, tem inteligência artificial, mas regredimos na relação humana.  

 

A crítica ocorre em razão do desconhecimento e do preconceito. O que acontece com vocês mulheres, que enfrentam muito isso, o machismo estrutural, o preconceito e o Ministério Público luta contra isso. 

 

Eu não acredito que mudando a lei vamos resolver, porque ele já foi tão mudado, o Estatuto já teve tantas outras leis. 

 

O ex-governador do Rio de Janeiro, foi condenado a 400 anos, Sérgio Cabral, está solto. O ex-presidente da Câmara Federal, que foi condenado a vários anos, está solto. O presidente atual ficou dois anos preso, e o presidente anterior [Jair Bolsonaro] está preso, a anterior foi afastada.  

 

Essa meninada olha e fala, espera aí, tivemos um presidente afastado. Depois, um ficou preso e outro está preso também... 

 

 

MidiaNews - Não podemos esquecer de Mato Grosso.

 

Paulo Prado - Eu participei de algumas operações, fui coordenador do Gaeco, denunciei todas essas autoridades. E aí? O que o crime compensa. Nós estamos usando, crucificando os adolescentes, esquecendo que os adultos.

 

O Cira trabalha na recuperação de ativos, e é um órgão do Ministério Público junto com o Executivo. Recuperamos em 4 anos mais de R$ 1 bilhão.

 

O adolescente está sendo usado como pano de fundo pelos adultos que estão em Angra dos Reis, que estão com casa em Miami, que estão com três jatinhos, que estão sendo soltos. Foram processados, o Ministério Público denunciou, mas está solto. Por quê? Existem leis construídas para favorecê-los.

 

MidiaNews - Mas o senhor falou de um ponto sobre a possibilidade de aumentar a detenção. Isso é viável? 

 

Pode mudar a lei, mas se não atacarmos com força as facções criminosas e todos os seus tentáculos, ele vai completar 18 anos, vai cumprir pena como adulto, e lá [na penitenciária] passará por um processo educacional criminoso

Paulo Prado - Eu vou ser sincero com você, pode aumentar, mas se não atacarmos com força as facções criminosas e todos os seus tentáculos, ele vai completar 18 anos, vai cumprir pena como adulto, e lá passará por um processo educacional criminoso. 

 

Começou no centro socioeducativo, foi para o presídio, o que vai acontecer? Antes de completar uns 30 anos está morto. 

 

MidiaNews - Pela facção. 

 

Paulo Prado - Pela facção ou pelos rivais. No Rio de Janeiro, 120 pessoas foram mortas. Parou o crime no Rio de Janeiro? 

 

MidiaNews - Há uns anos atrás, a gente teve um caso que chocou o Mato Grosso, que foi a morte da menina Isabele Guimarães Ramos, com 15 anos. A adolescente que desferiu o tiro ainda hoje aparece nas redes e é massacrada. Há uma lei que trata sobre o direito ao esquecimento.  

 

Paulo Prado - Esse exemplo não vou adentrar, porque trabalhei nele e até posso ser processado por isso. O direito ao esquecimento, está na Constituição Federal no artigo 5º e inciso 10.  

 

Ele diz o seguinte: a pessoa praticou um crime, foi apenada, cumpriu a pena. A legislação brasileira entende que ela já pagou pelo que cometeu e que não pode continuar sendo massacrada e lembrada todas às vezes como um criminoso ou uma criminosa, a não ser que ela volte a praticar o crime.

 

Isso acontece também, de repente, com um artista. Tem algumas artistas que resolveram num determinado momento da vida dela, não querer mais o mundo dos holofotes. Eu quero que respeitem o meu anonimato. Esse é um direito que todos temos.

 

Mas existe um posicionamento que diz o seguinte: e o direito de expressão, onde que fica? E o direito da mídia de construir a sua matéria? Nós temos um impasse. A grande maioria dos juristas brasileiros entende que a pessoa pagou a pena, cumpriu aquilo que foi sentenciado, tem o direito de recomeçar a vida dela. É isso que a gente busca, que não continue sendo um criminoso. 

 

Você errou? Isso foi cruel? O Ministério Público te denunciou, pediu sua condenação, o Judiciário te condenou, você pegou 10 anos de cadeia, e saiu. E você quer trabalhar honestamente?  Vamos dar o direito de esquecimento para essa pessoa. Eu acredito no direito de esquecimento. Se toda hora me persegue, então vou virar um criminoso, vou continuar sendo um criminoso de verdade mesmo. Pronto. Não vou me redimir, não vou me ressocializar, não vou recuperar.

 

MidiaNews - Mas essa condenação social é forte, né? 

Victor Ostetti/MidiaNews

Paulo Prado

O procurado Paulo Prado, que explica e defende o direito ao esquecimento

Paulo Prado - Muito forte,  inclusive com os políticos, Inclusive com jogadores de futebol. Tem pessoas que ficam marcadas. Em 1950, o Brasil perdeu a Copa do Mundo dentro do Maracanã. O Brasil construiu o Maracanã para a Copa do Mundo. O Brasil decidiu com o Uruguai. Todo mundo já dava o Brasil como campeão do mundo. O Brasil perdeu de 2 a 1 dentro do Maracanã, contra o Uruguai. O goleiro era Barbosa. 

 

A imprensa foi atrás dele, ele falou: “Me deixa em paz". Eu fiquei até emocionado. Era um goleiro negro, numa época que ninguém ganhava nada, foi crucificado. Ele não conseguiu continuar jogando bola. Foi tratado como criminoso, um leproso, uma pessoa perversa. Morreu no esquecimento abandonado. Tanta coisa, tantas defesas lindas que ele fez, não foi perdoado.

 

MidiaNews - A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de decreto legislativo sobre a questão do aborto da criança e da adolescente vítimas de violência sexual. Na prática, ele proíbe o abordo mesmo que você seja uma criança vítima de abuso. O que pensa sobre isso? 

 

Paulo Prado - É um tema muito delicado. Existem alguns pedófilos que tentam buscar o casamento para evitar a pena. Eu sou contra. Uma menina de 13 anos, 14 anos e existindo um adulto é estupro. Para mim, é estupro!

 

O Ministério Público deu um treinamento para os conselhos tutelares e existem pessoas que são extremamente contra o aborto. E eu comentei o seguinte: independente da sua opinião, se uma menina de 14 anos é estuprada e ela procura o Conselho Tutelar para encaminhar para o aborto, esse aborto é legal, é direito dessa mulher. 

 

Ela não escolheu esse parceiro, não escolheu esse homem para ser o pai do filho. Ela foi engravidada num ato de violência. Num ato brutal. E a lei autoriza. “Ah, mas isso é pecado”,  Tudo bem, guarda para você.  Mas é direito dessa mulher, ela que foi violada.  

 

E muitas vezes, a menina de 13 anos, ao meu sentir ainda não tem consciência, não está preparada para ser mãe. Não sei como que o Senado vai abordar esse tema. Existem vários movimentos a favor e contra, muita pressão. Mas espero que no final a mulher seja respeitada. O corpo da mulher, o desejo da mulher, a proteção a mulher.

 

MidiaNews - Essa questão do aborto voltou à tona, mas depois foi arquivada pelo ministro Gilmar Mendes, que disse que não é hora da discussão. Eu queria saber o que o senhor pensa sobre essa ação? 

 

Victor Ostetti/MidiaNews

Paulo Prado

Procurado de Justiça defende que Congresso Nacional decida sobre o aborto no Brasil

Paulo Prado - O ministro Gilmar Mendes agiu certo. O Congresso tem que decidir sobre esse tema. Eu, Paulo, tenho minha opinião própria: não praticaria aborto. Mas tenho que ouvir essas mulheres. 

 

Nós temos que ouvir essas mulheres de diferentes camadas sociais e mulheres que foram violadas, foram violentadas. conversar com o segmento médico, com os psicólogo, qual é efeito disso na cabeça da mulher? Eu não acredito que a mulher que muitas vezes por uma situação de desespero, por uma situação de desestrutura, pratica um aborto, que na legislação é ilegal,  como que a cabeça dela vai agir? Ela tem que ficar em silêncio.

 

Deveria existir um grande programa para acolher essas mulheres, discutir como enfrentar situação. Eu não julgo ninguém, porque não é fácil.

 

MidiaNews - Mato Grosso é uma referência em produtividade, agronegócio, mas tem mais ou menos um milhão de pessoas na faixa de pobreza ou extrema pobreza. Qual sua percepção sobre essa desigualdade?

 

Paulo Prado - Não está bom e temos o Estado campeão de produtividade que cresce 10% ao ano. Não tem nenhum Estado brasileiro que cresce 10% ao ano. Mato Grosso, hoje, é um canteiro de obra. Mato Grosso está construindo coisas que pessoas de outros países veem aqui e ficam impressionados. 

 

Esse recurso todo precisa também ser trabalhado em grandes projetos sociais. Eu tenho um sonho. Da criança, da creche até a faculdade, ficar em uma escola só. 

 

Depois da creche, vai para o ensino fundamental, para o ensino médio e de lá vai para o universitário. Estudando no bairro, com posto de saúde ali. Essa escola, vai de manhã dar aula e à tarde ela vai trabalhar cinema, vai trabalhar esporte, vai trabalhar natação.  

 

E nos finais de semana, os médicos vão lá para receber a família.  Aquela mãe que nunca fez um pré-natal, que nunca fez um exame ginecológico, aquele pai que não sabe o que é câncer de próstata. A polícia vai estar lá, o Conselho Tutelar vai estar lá. O pediatra vai atender aquela criança na escola, o dentista vai ter um consultório odontológico nesse espaço de cidadania. 

 

MidiaNews - O senhor sugere para dar maior senso de comunidade para essas pessoas?

 

Eu sou fruto da Escola Pública. Eu acredito na educação. Eu não vejo outro caminho se não for na educação. Custa caro isso?

Paulo Prado - Maior senso de comunidade, maior senso de integração, maior senso de pertencimento. Eu pertenço a esse local. Eu não sei se isso aconteceu com você, mas comigo eu gostava de dizer: eu sou aluno da Escola Técnica Federal do Mato Grosso, sou aluno da Universidade Federal do Mato Grosso. Eu formei na UFMT.

 

Eu sou fruto da Escola Pública. Eu acredito na educação. Eu não vejo outro caminho se não for na educação. Custa caro isso?  

 

MidiaNews - Creio que não, mas falta muita vontade. 

 

Paulo Prado - Precisa de muita vontade para fazer isso. Você coloca tudo no espaço só e coloca a sociedade civil junto com eles. 

 

MidiaNews - As novas chefias do MPE tem recebidos críticas pesadas, até mesmo internamente. Na época em que o senhor foi procurador-geral tinham uma atuação muito firme, com mãos de ferro contra outros poderes. O que aconteceu que hoje a gente não vê mais essas operações?  Acabou a corrupção ou o MPE perdeu a força de investigação?

 

Paulo Prado - Essa semana mesmo teve uma operação do Gaeco e vocês publicaram. O Ministério Público hoje está em 10 campanhas sociais. Para idosos, autistas, violência contra criança e adolescente, violência contra mulher. 

 

Nós estamos dentro das escolas, saúde pública, o Milton Maotos está fazendo um trabalho, o Miguel Slhessarenko na educação e vários colegas. No interior do estado, estamos construindo delegacias, reformando a Deddica, que com a ação do Ministério Público recuperamos em quatro anos mais de R$ 1 bilhão. O que seria da sociedade sem esse Ministério Público? 

 

Vassalo? Não, isso jamais. Jamais, em hipótese alguma. O dia que isso acontecer, o Ministério Público acaba. A sociedade fica fragilizada.

No tribunal do júri foram inúmeras condenações, na improbidade diversas. Agora, não posso chegar aqui e falar quem nós estamos investigando. Mas fica tranquilo!

MidiaNews - O MPE não é vassalo de nenhum poder?  

 

Paulo Prado - O que o Ministério Público fez na área da saúde, educação, os projetos sociais, as condenações, enfrentamento às facções criminosas… Eu andei 11 mil quilômetros com o projeto Prevenção Começa na escola.

 

Vassalo? Não, isso jamais. Jamais, em hipótese alguma. O dia que isso acontecer, o Ministério Público acaba. A sociedade fica fragilizada. Quem que a sociedade tem se não for o Ministério Público. Quem que a vítima tem se não for o Ministério Público? Você, cidadão que está assistindo, que está lendo, que está vendo, vai no Ministério Público, procure o Ministério Público,  converse com o Ministério Público, ligue para o 127,  para a nossa ouvidoria.

 

 

MidiaNews - Como que o senhor, que já teve tantos anos à frente do MPE,  analisa essas gestões mais recentes com pessoas tão jovens como do Deosdete Cruz, que hoje é desembargador, e o procurador Rodrigo Fonseca? 

 

Paulo Prado - Eu fico feliz. Tenho a segurança de ver que a minha instituição, minha não, a instituição da sociedade, em boas mãos. Rapazes, jovens, inteligentes, preparados. Eu, com 63 anos de idade, vou completar 36 anos de Ministério Público, e posso falar: agora posso aposentar. Missão está cumprida, tem gente boa para tocar…

 

MidiaNews - E o senhor os aconselha em algum momento? O Doutor Rodrigo Fonseca o tem como conselheiro? 

 

Paulo Prado - Sim. O Rodrigo é um homem inteligentíssimo, humilde e descentralizador. Eu falei para Rodrigo, que o Ministério Público precisa se aproximar cada vez mais da população. Nós precisamos ouvir as críticas e ele criou o diálogo com a sociedade, conversando com a sociedade. Se aproximou da imprensa. O pessoal tinha medo da mídia. 

 

Falei: "ouça, converse, abra a instituição, permita que a população tenha essa liberdade de conversar conosco. Se aproxime, crie projetos, programas". E ele tem feito isso e com o apoio de vocês que tenho que agradecer.

 

MidiaNews - E o senhor pretende se aposentar? O que quer da vida?

 

Victor Ostetti/MidiaNews

Paulo Prado

O procurador Paulo Prado disse que não pensa em aposentadoria: "Enquanto a minha alma não estiver enrugada e Deus me der força para trabalhar, quero ajudar a sociedade"

Paulo Prado - O que quero da vida? O General Douglas MacArthur dizia que ninguém jamais tornasse-a velho apenas por ter vivido um certo número de anos. Os anos podem até enrugar a pele, mas a renúncia a um ideal enrugado. 

 

Enquanto a minha alma não estiver enrugada e Deus me der força para trabalhar, quero ajudar a sociedade, quero ver meus filhos, quero ver meus netos, quero voltar a poder sentir uma sociedade sem tanta violência, sem tanta brutalidade… Com as pessoas podendo andar livremente, ter uma escola de qualidade, me sentiram útil. Saber que a minha vida não foi em vão. 

 

Porque bem materiais isso aí não significa nada. Mas, sim, que amanhã depois as pessoas lembrem de mim como uma pessoa séria, alguém que fez de tudo pra respeitar e olhar o próximo como o igual. É isso que eu espero. 

 

MidiaNews - A gente pode esperar uma aposentadoria com 75 anos. 

 

Paulo Prado - Eu não digo 75 anos. Não sei se vou viver tudo isso. Não sei amanhã o que pode acontecer. Mas, não penso, nem hoje e nem amanhã, em me aposentar.

 

MidiaNews -  O senhor disse que tem um sonho de sociedade, e vindo essa eventual aposentadoria, pensa em entrar para algum cargo eletivo, ir para a política?

 

Paulo Prado - Hoje, não penso. Primeiro, porque você precisa ter um partido, um programa. Eu vivi dos 26 anos de idade até agora Ministério Público, cortar esse elo não é fácil.  

 

Todos nós somos políticos. Você está fazendo política, eu estou fazendo política. A vida é uma relação política. Agora, essa força política de pedir voto, andar e pensar, nunca me enxerguei dessa maneira. Não sei se amanhã ou depois, mas hoje quero ser MPE.  

 

Veja entrevista na íntegra:

Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).




Clique aqui e faça seu comentário


COMENTÁRIOS
0 Comentário(s).

COMENTE
Nome:
E-Mail:
Dados opcionais:
Comentário:
Marque "Não sou um robô:"
ATENÇÃO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. Comentários ofensivos, que violem a lei ou o direito de terceiros, serão vetados pelo moderador.

FECHAR

Preencha o formulário e seja o primeiro a comentar esta notícia