Reitor fundador da Universidade Federal de Mato Grosso, Gabriel Novis Neves, em uma entrevista exclusiva ao MidiaNews, relata fatos históricos e curiosos da criação da instituição.
Ele lembrou momentos únicos, como a divisão do Estado, projeto em que a UFMT atuou, logo após a sua fundação, em 1970.
Para ele, a partir do momento em que perdeu sua autonomia, a Universidade Federal virou "um partido nanico, da base de sustentação do Governo".
Novis Neves, que também é médico e já foi secretário estadual de Saúde, por duas gestões, fez um raio-x do sistema de Saúde Pública.
Ele afirmou, por experiência própria, que não existe "fórmula milagrosa" para salvar o sistema.
Para ele, o grande problema é a falta de recursos. E alegar “problemas de gestão” é propaganda antiga.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews: Como ex-reitor e fundador da UFMT, o senhor pode contar o contexto da criação da Universidade?
Gabriel Neves - O grande momento da UFMT foi época da sua própria criação. O grande diferencial da UFMT foi a proposta de criação. Eu fiz o pré-natal da universidade. Não por ser médico, mas por ser secretário de Educação da época. Na gestão de Pedro Pedrossian, havia um departamento de ensino superior, pelo qual eu era responsável. A criação da UFMT foi muito importante, nasceu com a proposta de fazer a diferença.
MidiaNews: A criação da universidade teve apoio da sociedade?
Pioneiros procuravam a universidade, que ajudou na expansão de MT
Gabriel Neves: Ninguém queria assumir a gestão da UFMT, muitos achavam que não ia dar certo. Todos nós que se propuseram a participar do projeto pensamos da seguinte forma: vamos ser mais uma universidade na estatística do Governo ou vamos criar uma agência de desenvolvimento para Mato Grosso. Optamos ser uma agência em prol do desenvolvimento Estado. Além de fazer ensino, pesquisa, extensão, queríamos mais.
MidiaNews – A participação da UFMT no desenvolvimento do Estado foi efetiva?
Gabriel Neves: O Estado era muito pobre, não tinha nada. A UFMT foi determinante no processo de expansão de Mato Grosso. Os grande colonizadores, que vieram para Mato Grosso - Ênio Pepino, Ariosto da Riva, por exemplo - eram homens muito inteligentes, com experiência e conhecimento empírico em fundar cidades. Mas, eles não tinham o conhecimento científico. Por isso, todos esses pioneiros procuravam a UFMT para ajudá-los com o planejamento das cidades, que foram fundadas na Região Norte. Criamos uma universidade voltada para nós, com as nossas características. A Floresta Amazônica ainda era desconhecida. Conhecer e preservar a floresta era uma das metas principais. Mas, o “poder na motosserra” foi mais forte que o poder da ciência.
A UFMT passou a atrair olhares de pessoas muito especiais, no início de sua fundação
MidiaNews: O projeto inovador da UFMT chamou atenção de quais setores?
Gabriel Neves: Com essa idéia inovadora, a UFMT passou a atrair olhares de pessoas muito especiais, inclusive, um grupo de alunos que tinha acabado de se formar na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Esse grupo viu nossa proposta, gostou e passou a fazer propaganda da UFMT. Diziam que éramos uma Universidade moderna, que não ficava presa somente na sala de aula. Naquela época, a UFMT funcionava em dois turnos: durante o dia, havia as aulas proposta pelo MEC; à noite, muitas atividades passaram a ser o grande atrativo da Universidade.
MidiaNews: Como a universidade atuou no processo de divisão do Estado?
Gabriel Neves: Tivemos um momento marcante, em 1974, quando o presidente Ernesto Geisel escolheu Cuiabá como uma das cinco cidades para ele visitar, antes de assumir a Presidência do País. Ele veio aqui e pediu para falar com a UFMT. Ele não queria ver o governador, mas os estudiosos da Universidade. Apresentamos o nosso modelo de gestão e, nesse encontro, ele me confidenciou que iria dividir o Estado, fato que acorreu em 1977.
MidiaNews: Atualmente, a UFMT ainda conserva o dinamismo da época da fundação?
Gabriel Neves: A UFMT virou uma repartição pública, igual aos Correios e a qualquer outra. E ela começou a morrer no dia em que ela perdeu a sua autonomia. Depois que o orçamento passou a vir direcionado, foi se perdendo o que era mais importante. As decisões não são mais tomadas aqui, tudo é feito via Brasília. Os professores deixaram de ser valorizados, os investimentos foram diminuindo...
MidiaNews: A perda da autonomia refletiu na Educação?
Gabriel Neves: Tudo está muito burocrático, baseado em números. Sempre escuto a exibição de números: a UFMT tem 60 doutores, mil projetos de pesquisa... E daí? Não é isso que deve ser usado para medir a qualidade. A universidade vive hoje de emendas políticas. Ora, você sabe o que são emendas políticas? Você fica comprometido com o deputado. Esse é o reflexo”.
MidiaNews: E a relação da UFMT com o Governo? É é muito forte a participação política nos campus?
UFMT virou um partido nanico da base de sustentação do Governo
Gabriel Neves – A UFMT virou um partido nanico da base de sustentação do Governo. Temos um exemplo prático: essa questão do caso das Organizações Sociais de Saúde para gestão dos hospitais. Todos nós, médicos, devemos obediência ao Conselho Federal e ao Regional de Medicina. Esses conselhos, são totalmente contrários a implantações das OSS. Quando saiu essa conversa para a implantação das OSS, já começaram a surgir as histórias de fracasso.
MidiaNews: Como a Universidade participou da implantação do sistema de gestão por OSS?
Gabriel Neves: Foi determinado pela reitoria que todos os cursos da área de Saúde fizessem reuniões e dessem uma posição sobre a implantação da OSS. A medicina fez, enfermagem fez... E todos eles definiram o seguinte: isso é função do Governo.
A UFMT é contra as OSS, a Reitoria é que é a favor
Na hora da votação do Conselho Estadual de Saúde, a reitora chama o representante e fala: você vai votar com o Governo. E o voto da UFMT foi determinante. Porque estava 12 a 12 na votação e, quando chamou a UFMT, foi o desempate. A UFMT é contra as OSS, a reitoria que é a favor. E é a favor porque está amarrada com o governador e também com deputados, para garantir as emendas.
MidiaNews: Como as OSS funcionam, na prática? Como o senhor, que já foi secretário de Saúde, avalia esse modelo de gestão?
Gabriel Neves: Vamos usar o exemplo da OSS que tem em Várzea Grande. O Hospital Metropolitano é aquele caso de hospital de porta fechada, é um hospital referendado, que só atende a baixa e média complexidade. Alta complexidade, eles não atendem, não têm estrutura para isso. As OSS que atendem esses hospitais têm uma meta para atender, e eles escolhem os procedimentos e casos mais simples. O dinheiro que o Governo dá para os hospitais é tão irrisório, que tudo vai a falência. Mas isso ninguém gosta de falar, ninguém gosta de ouvir. Nesses hospitais não fazem a alta complexidade e também existe a seleção de pacientes. Tudo é reflexo das OSS. Existem algumas funções que são do Estado e não pode ser transferido. Saúde, Educação, Segurança são funções básicas. Privatizar saúde é desrespeitoso.
MidiaNews: Como o senhor avalia a Saúde Pública no Estado?
Gabriel Neves: Um raio-X da nossa Saúde é igual a de todo o país. Podemos até confundir com Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul, tudo está a mesma coisa. A Saúde toda está falida. O grande problema é que houve um jogo de empurra, diante de problema tão grave. O Governo jogou para o Estado, que joga para o Município; aí, começou a degringolar. O grande problema da Saúde é falta de dinheiro. Não tem dinheiro, e sem dinheiro não se faz Saúde. Não existe milagre.
MidiaNews: A distribuição de cargos no Governo atrapalha no gerenciamento das pastas?
Gabriel Neves: O problema da Saúde é a falta de recursos financeiros, e não de gestão. É claro que não se deve colocar uma pasta como essa na mão de qualquer um. Quando eu fui secretário de Sáude, na gestão do Blairo Maggi, um dos cargos mais importantes era o de secretário-adjunto. Esse cargo deveria ser ocupado para uma pessoa experiente em gestão. Mas, mandaram um menino de 23 anos, que trabalhava como apontador de sacas de soja. Ai, não deu... pedi demissão com 23 dias. Além da falta de recursos, existe o loteamento que é feito sobre os cargos. As alianças partidárias atrapalham a Saúde.
MidiaNews: Qual a expectativa para as eleições deste ano?
Gabriel Neves: O próximo prefeito precisa tirar Cuiabá da UTI e levar para uma situação mais estável. Temos que dar remédio para essa cidade, precisamos de recursos, trazer recursos. É isso que salva uma cidade.
O próximo prefeito, a ser eleito em outubro, precisa tirar Cuiabá da UTI
Não precisa ficar falando todos os dias o que está se fazendo. Tem que anunciar depois que já estiver com tudo pronto. Cuiabá precisa de um prefeito que não se importe em quebrar alianças para garantir o bem da cidade. Ainda vivemos a cultura de loteamento de poder. E isso pode atrapalhar.
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11 Comentário(s).
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Urbano Ribeiro dos Reis 27.07.12 23h08 | ||||
Quando um professor fala o bom aluno ouve. Li com atenção dupla em cada linha as suas explanação, sempre metódico dando exemplo de conhecimento e lucidez a sua filha querida a (UFMT). Dr. Gabriel lá tem sua marca e o selo coma a tratou por longos anos. A UFMT cresceu e de acordo com sua visão estagnou-se. Não o crescimento, mas a forma de ministrar o conhecimento. Parabéns Dr. Gabriel Novis Neves. | ||||
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dorgival veras de carvalho 25.07.12 13h44 | ||||
Não é saudosismo mas realidade. Fui aluno da UFMT na época do Reitor Gabrie(73/76) Não dá para comparar àquela época com à atual. Concordo plenamento com o que disse o ilustre reitor. A educação no Brazil tem sido uma vergonha e a UFMT é o espelho disso tudo. Estou residindo aqui na Florida/USA, mas acompanho o que ocorre em Cuiabá, cidade que muito amo que infelizmente não teve governantes a altura, mas Campo Grande/MS,foi agraciada. Não sou cuiabano, mas Cuiabá é muito prá mim. Quando lembro da UFMT de hoje dá vontade de chorar. Parabéns dr gabriel, a verdade precisa ser dita. | ||||
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Alex 24.07.12 19h20 | ||||
A UFMT funciona assim: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei. Quem não gostar que caia fora... | ||||
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Romildo Gonçalves 24.07.12 18h15 | ||||
Caro Dr. Gabriel houvi-lo é sem duvidas adquir sapiência, admiro e respeito-o profundamente. Foi um grande reitor, é um grande médico,e acima de tudo um ser humano impar. Grande abraço | ||||
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Rodrigo 24.07.12 13h01 | ||||
Uai, mas ele apoiou a Reitora (que foi sua Coordenadora de Extensão)... | ||||
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